Odílio e Odilon caminham pelo meio da praça. Passam próximo ao coreto, onde são cumprimentados por pessoas que ali estão; homens, senhoras, rapazes e moças. Caminham mais um trecho e são parados por um casal; há um troca de apertos de mãos e conversas. Pouco tempo depois, se despedem e seguem o seu caminho.
Já bem no limite do perímetro da praça, próximo ao bar do Pereira, está um grupo de seis homens. Todos estão mal vestidos e sujos; dois sentados no banco de granito, dois em pé, e outros dois sentados no meio-fio do jardim. Tião Bigode, Vespasiano, Magrão, Serjão, Biguaçu e Golias têm idades que variam dos 30 aos 50 anos. Ao verem que Odílio e Odilon se aproximam ficam entusiasmados. Tião Bigode rapidamente se levanta e vai de encontro a eles.
– Opa. Óia só se não são meus amigos. Comé que cêis tão? Tudo certinho?
Odilon já coloca a mão em um dos bolsos.
– Será que ocêis não têm um trocadinho pra ajudar os amigo aqui a comprar uma coisinha pra beber? – pergunta Tião, exibindo um sorriso desdentado.
Odilon retira a mão do bolso e entrega algumas moedas para ele.
– Agradecido demais. Deus lhe pague, seu Odilon.
Enquanto Odilon e Odílio chegam na calçada, já na beirada da rua, Tião Bigode volta para seus amigos; todos comemoram as abençoadas moedas dadas por Odilon. Logo os “irmãos” chegam até a frente do bar; Pereira está na porta, chacoalhando a cabeça.
– Cêis acostumaram eles, agora toda veiz que eles virem, vai ser assim.
– “Cêis”, não. Esse banana aí que acostumou eles. Vê se quando eu passo sozinho, eles pedem? Podem até pedir, mas eu não dou – diz Odílio.
Odilon e Odílio trocam apertos de mãos com Pereira.
– Mas pra mim não tem problema nenhum. Que mal tem em alegrar a vida desses pobres diabos com uma pinga? – responde Odilon.
– E a funerária? Abre ou não abre? – questiona Pereira.
– Segunda-feira a gente abre. Deu uma atrasada, mas semana que vem a gente inaugura – responde Odílio.
– Vamo entrando. Vão querer beber arguma coisa? – convida Pereira.
– Beber e comer – diz Odilon.
– Bão. Então cêis podem escolher quarqué mesa e fica à vontade. Cêis já são de casa.
Odilon e Odílio escolhem uma mesa e se sentam. Outras mesas estão ocupadas e as pessoas acenam para eles. O velho aparelho de rádio toca a música “Tá Tudo Subindo”, de Alvarenga e Ranchinho. Pereira, que tinha ido até a cozinha volta ao salão e segue em direção à mesa deles, alguns minutos depois.
– Então? Já decidiram?
– Vamo com aquela cachacinha mineira. Pra comer acho que um torresminho igual daquele dia, tá bom, né Odílio? – diz Odilon.
Antes de Odílio responder, Pereira se adianta.
– Ô, rapaz, hoje eu vou ficar devendo o torresminho. Mas eu posso trazer procêis um coelho que tá uma delícia. Eu confirmo que tá uma gostosura.
– Pode ser – diz Odílio.
No que Pereira sai, Odílio muda a sua expressão, demonstrando irritação, e encarando Odilon.
– O que que foi? Tá com essa cara por quê? – questiona Odilon.
Odílio inicia um diálogo em voz baixa.
– Eu tava pensando um negócio no caminho. Você me subestima, né?
– Você tá irritado desde que a gente chegou nessa cidade e...
Odílio interrompe Odilon.
– Você vai calar a boca e vai me escutar direitinho. Eu fiz uma promessa pro seu irmão de te ajudar e não deixar faltar nada pra você. Seu irmão salvou a minha vida uma vez, e eu não pude salvar a dele quando ele precisou de mim. A gente sabia que qualquer coisa podia acontecer, ou comigo, ou com ele a qualquer momento. Então, ele pediu: “Jorjão, se um dia acontecer algo comigo, ajude meu irmão. Não deixe ele só. Ele é bobão, não sabe se virar”. E eu te ajudei. Acontece que você é um bocó e não faz as coisas do jeito que eu peço. Seu irmão não; ali era um sujeito homem, inteligente, esperto, valente. Mas você? Não levava nenhum jeito pro esquema que eu te coloquei, mas mesmo assim, eu insisti pra te colocarem. Você sempre sobreviveu graças ao seu irmão. Depois que ele morreu, você só não virou mendigo, porque eu te ajudei. Você não sabe fazer nada sozinho. Sempre tem que ter alguém pra fazer as coisas pra você.
– Eu sempre me virei sozinho. Sempre fiz minhas coisas sozinho – se revolta, Odilon.
Odílio ri, com ar de deboche.
– Odilon, você é fraco e covarde. Sempre lhe faltou coragem. Você é incapaz de matar alguém. Diferente do seu irmão, você não foi feito pro mundo do crime. Aposto que se fosse eu e o seu irmão pra decidir montar um negócio, a gente já tava faturando alto.
– Eu nunca matei porque nunca precisei. Se fosse preciso, eu já teria feito.
– Enganar velhos e velhas pra tomar dinheiro deles. Você acha que isso é motivo de orgulho? Eu só te coloquei no negócio do banco, porque pensei no que seu irmão me pediu. Daí você falou de montar essa merda dessa casa funerária. E eu achei que você ia fazer um bom serviço, já que era só ficar uns dias numas cidades e observar como as coisas funcionavam. E você escolheu aqui. E eu tô percebendo que essa cidade não serve pra merda nenhuma. Eu já tive que aturar muita cagada sua, então eu só te peço uma coisa: não faz mais nenhuma merda, tá? Se não eu vou tirar você do meu caminho – ameaça, Odílio.
– Então faz o seguinte, Odílio: toma cuidado também, viu. Você pode ser mais velho, ter mais experiência, ter participado de outros assaltos, ter trocado tiro com polícia. Mas saiba que eu também sei me virar, tá. E tente não me irritar tanto; eu já tô de saco cheio. De repente você pode descobrir que não é a única pessoa do mundo que tem coragem de matar outra – retruca, Odilon.
– Chega! Agora cala a boca que o Pereira tá vindo – repreende Odílio.
Tereza
direção
Carlos Mota
Cristina Ravela
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