O Santuário dos Vaga-Lumes
de Lia Rodrigues
O ano aqui é o de 2018 e para Aninha e seus primos, os irmãos Duda e
Pedro, ir para casa do vovô Nenéu, também significava mergulhar
literalmente em um mundo de aventuras.
O simpático avô das crianças, ficara viúvo a um ano, e há muito tempo
morava em uma chácara que herdara de sua família.
A região onde estava localizada, ficava ao norte do Espirito Santo, um
lugar cercado pelo mar e manguezais.
O vovô Nenéu tinha mais que histórias fictícias para contar, pois a
maioria delas, ele jurava ter vivido pessoalmente.
Cada árvore tinha uma história, assim como cada animal ou ave que morava
no quintal, porém dessa vez, as crianças não esperariam muito do avô, pois
sabiam que ele ainda estava muito calado, devido a perda da vovó Lia.
Pois o tão esperado mês chegou, certamente, dezembro é um mês que traz
inúmeras esperanças, mais que um mês de descanso, é um mês que finaliza uma
trajetória, representa uma determinada paz entre as pessoas, e a sensação de
mudanças para melhor, no ano que vai entrar.
As nossas crianças, foram recepcionadas uma por uma, pela cadela Talua,
e lá estava o vovô Nenéu, conversando na varanda, com seus amigos, que assim
como ele, moravam na região desde que nasceram.
Com ele, morava a tia Bia, a irmã do vovô que nunca casara, apesar de
carrancuda, a senhora era prestativa e cuidara da vovó Lia, até o seu último
dia.
E era a tia Bia, encarregada de cuidar das três crianças durante aquelas
tão esperadas férias.
Esperada pelos pequenos tanto pela carrancuda tia Bia, embora essa não
era muito de demonstrar.
Como sempre, o olhar do vovô Nenéu ficou com mais brilho ao ver os seus
netos correndo para abraçá-lo e com um largo sorriso, vibrou:
_. Ora! Ora, agora sim, esse pedaço de chão está mais iluminado.
Os três sempre ocupavam o mesmo quarto, o que possibilitava, ficarem
acordados até tarde, lembrando situações engraçadas, mesmo depois da tia Bia
ter apagado a luz e ordenado que dormissem em seguida.
Aninha e Pedro, tinham a mesma idade, e em outubro daquele ano,
completaram juntos, 9 anos, enquanto Duda, acabara de chegar aos seus 7 anos de
idade.
Entretanto, acontecia, que sempre que chegavam na chácara, a impressão
que tinham, era de serem bem mais velhos, sentiam bem mais experientes, do que
quando estavam em casa, com o seus Pais.
A energia da casa do vovô Nenéu emanava uma total segurança, e o medo lá
já não existia.
No entanto, nas proximidades da chácara havia um manguezal e era o único
lugar onde o vovô Nenéu proibira as crianças de se aproximar, os três não davam
tanta importância, pois a chácara estava repleta de outros atrativos.
O pomar com uma variedade de árvores frutíferas, era o lugar preferido
da criançada.
Mas essa preferência mudou, uma certa noite, logo depois da tia Bia
apagar a luz e dar a repetida ordem para dormir, os três pequenos se postaram
na janela do quarto e ficaram olhando as reluzentes estrelas no céu, que dali,
pareciam, estarem mais próximas da terra.
Começaram a questionar se cada estrela, não seria anjos, olhando para
humanidade, no intuito de proteger cada ser vivo.
Enquanto estavam ali, envolvidos naquele enigmático diálogo, um clarão
vindo do manguezal, desviou a atenção das crianças, Pedro perguntou:
_. Vocês viram aquilo?
As meninas responderam:
_. Sim!
Aninha confessou de uma forma emocionada!
_. Senti uma sensação estranha na barriga! Um calafrio diferente.
Duda confessou a mesma sensação, o que fez Pedro raciocinar:
_. Será que foram os nossos anjos que desceram para comunicar
conosco?
Aninha respondeu, com uma certa insegurança.
_. Mas se for, porque iriam justamente para o manguezal? O nosso avô deu
ordens para não se aproximar do lugar.
Diante dos dois mais velhos, Duda só os acompanhavam virando o pescoço
para cada um deles, enquanto falavam.
Pedro demonstrava ter um raciocínio mais rápido:
_. Aí é que está a razão, lá é um lugar mais reservado, perfeito para
conversar sem ser interrompidos pelos adultos.
Diante dessa resposta, a pequena Duda ressaltou:
_. Significa que eles estão lá esperando por nós!
Os três colocaram nos rostos o mesmo sorriso largo diante dessa
possibilidade.
Sem mais discussão, os três calçaram os sapatos, pularam a janela, e
começaram a caminhar em direção ao manguezal.
A lua no céu assim como as estrelas estava com um brilho espetacular, o
vento estava agradável, os animais estavam em silêncio, no entanto, uma intrusa
se aproximou dos três curiosos, a cadela Talua.
Depois de pular e lamber cada um, a cadela soltou alguns latidos,
fazendo com que Pedro ralhasse com ela.
_. Quieta, Talua, assim você vai acordar o vovô e a tia Bia.
Aninha também acrescentou:
_. Isso fique quieta, estamos em uma missão mais que especial.
Duda não quis ficar de fora e disse:
_. Isso mesmo, estamos indo conversar com os nossos anjinhos?
A cadela colocou a língua para fora, fez um pequeno gemido, fazendo que
os três entendessem que ela gostaria de ir junto, Pedro concordou
_. Vamos, mas fique em
silêncio.
E lá foram as três crianças, seguidos pela cadela Talua, que não parava
de balançar o rabo, demonstrando que igual aos pequenos, ela também estava
animada.
A medida que se aproximavam do mangue, a emoção invadia as
crianças, pois a perspectiva de ficar perto de um anjo, deixava os, com a
sensação de serem especiais.
Começaram a questionar como seria a aparência deles, se teriam cabelos
loiros, como a maioria diziam, ou se cada um teria características diferentes.
Quem sabe, um seria oriental, ou negro, indiano ou até mesmo incolores,
sem representar nenhuma etnia?
E novamente tornaram a presenciar o mesmo clarão, e dessa vez, parecia
ter uma forma específica, o que Aninha observou:
_. Eu vejo uma estrela bem grande e mais brilhante!
Duda também afirmou; _ E está dançando!
Até então, já haviam entrado dentro do manguezal, mas a luz continuava a
percorrer por entre as folhagens, cada vez mais, subiram nas raízes aéreas da
vegetação, para não afundarem os pés no lodo que caracteriza o solo daquela
área.
Tanto Aninha, como Pedro, apoiavam a pequena Duda na escalada, mas ela
reprovava a ajuda e dizia.
_. Me deixem! Eu não sou tão frágil assim.
A cadela Talua começou uma brincadeira de perseguição, fazendo que
os aratus, corressem e se escondessem nos buracos, os outros habitantes do
manguezal também estavam assustados, como os guaiamuns e caranguejos, mas Talua
não se importava de ser inconveniente, e mesmo lambuzada com toda aquela lama,
continuava tentando encurrala-los.
As três crianças estavam se divertindo, com o esforço da cadela em pegar
os crustáceos, que eram bem mais espertos e ligeiros do que ela.
E quando Talua enfiou o focinho no pequeno buraco formado na lama, onde
um dos aratus se refugiou, emergiu com um grande nariz de palhaço, formado pelo
lodo, deixando as crianças mais alvoraçadas nas suas risadas.
Pedro aconselhou pararem um pouco para descansarem, pois, o clarão
parecia distanciar cada vez mais, o que fez ele analisar melhor.
_. Será que devemos continuar? Que tal voltar para a chácara?
Diante dos olhares negativos das meninas diante de tal pergunta, ele
mesmo concluiu:
_. Já viemos até aqui, então para que desistir agora? Vamos
continuar!
Antes, porém, ficaram apreciando o lugar em que se encontravam, sobre as
árvores, havia orquídeas e bromélias, embora parecesse ser ali tão fechado, a
luz da lua penetrava de forma bem intensa.
As árvores de porte médio e troncos finos, com raízes acima do solo,
provava a versatilidade da natureza, por um instante, só de estar ali,
contemplando aquele magnífico cenário, deu uma certa satisfação aos três, que
foram novamente cativados pelo brilho que os atraiu até ali, Pedro quebrou o momento
hipnótico de deslumbramento e ordenou:
_. Vamos! Não podemos perder o clarão, ele pode voltar para o céu.
E as crianças continuaram se apoiando nas árvores e caminhando com
cuidado sobre as raízes que mais pareciam pequenas pontes, naquele mar de lama
e crustáceos.
Finalmente a luz fixou em um lugar, e os coraçõezinhos dos pequenos
começaram a bater de certa maneira, que um conseguia sentir a vibração que
vinha do outro.
Chegaram mais perto e depois de algumas folhas verdes e felpudas,
chegaram na luz, que deixou o lugar mais atrativo do que antes.
Não eram anjos os responsáveis pelo clarão, invés de ficarem
decepcionados, as crianças, sentiram um determinado privilégio de presenciar
tamanha beleza.
Bem à frente dos seus olhos um círculo de vaga lumes, encenava uma dança
na qual os seus corpos brilhavam um de cada vez. De repente, em um instante,
eram inúmeros círculos e todos juntos, se tornavam, como minúsculas estrelas
formando de maneira alternada, uma constelação.
Ficaram ali, fascinados, deslumbrando a magia do momento, até a cadela Talua, ficou imóvel, olhando para cima, pouco importava para ela agora, se os
aratus, continuavam a se esconderem em suas tocas lameadas.
O momento encantado foi quebrado por um grito que ecoou no vento, e as crianças
reconheceram o som da voz do avô, Pedro suspirou e disse:
__. Vamos meninas, já vimos o suficiente, o vovô descobriu a nossa
saída.
Começaram a pegar o caminho de volta, seguidos por talua, que continuava
a balançar o rabo, agora todo sujo de lama.
Ao longe viram a luz da lanterna do vovô Nenéu, que aguardava por eles
na entrada do manguezal, juntas disseram em alta voz: _. Estamos aqui
vovô!
Ao chegarem até o avô ficaram surpresos, pois a volta pareceu ser bem
mais rápida que a ida até aos vaga-lumes, Pedro foi logo se desculpando.
_. Peço desculpas vovô! A ideia foi minha de entrar no manguezal,
ficamos atraídos com o clarão que vinha dele.
Antes que o avô respondesse algo, Aninha e Duda, se adiantaram.
_. Foi lindo vovô! Vimos vários vaga-lumes, tão brilhantes como as
estrelas.
Vovô Nenéu enxotava talua que insistia em querer-lhe cumprimentar,
debaixo de toda aquela lama.
_. Ainda bem, que essa menina de quatro patas, deixou os rastros
na lama, foi assim que desconfiei aonde vocês estavam, mais o importante é
estarem bem, porém não foi nada apropriado vocês saírem no meio da noite
escondidos, poderiam ter me falado do tal clarão.
As meninas o olharam com grande afeição, deixando Pedro fazer as
explicações:
_O senhor sempre alertou para não entrar no manguezal, daí achamos que
lá seria um lugar adequado para os anjos conversarem conosco sem a interrupção
dos adultos, não ficamos com medo, pois os anjos protegem e cuidam de todos
nós, mas não ficamos tristes de saber que a luz não eram anjos e sim que vinha
de lindos vaga-lumes.
Vovô Nenéu não pode deixar de sorrir diante da pureza das crianças, e
agora chegou a sua vez de explicar o porquê de tanto cuidado em relação ao
mangue.
_. Certamente eu deveria ter explicado o motivo da restrição, assim
vocês teriam me entendido, pois bem crianças, os manguezais atuam como um
berçário protetor, são como um local de alimentação de uma série de espécies,
muitas das quais estão em extinção. Representam menos de todas as florestas
tropicais do mundo, aí a importância de preservá-los, além disso, contribuem
para o bem-estar das comunidades costeiras, sendo fonte de renda e de alimentos
para milhares de pessoas.
Os vaga-lumes sobrevivem em lugares úmidos, mas infelizmente as suas
espécies estão em declínio, porque seus habitats estão diminuindo, eu não posso
impedir que as demais pessoas, poluem os nossos mangues, mas procuro fazer a
minha parte, preservando aos que estão ao meu alcance, foi por essas razões,
que não deixava vocês, brincarem lá.
As crianças ficaram ainda mais orgulhosas do vovô Nenéu, da importância
que ele dava aquele mesmo maravilhoso cenário, onde elas, de agora em diante,
cuidariam com muito carinho.
Quando chegaram, a tia Bia os esperavam sentada na varanda, antes que
ela resmungasse algo, vovô Nenéu avisou.
_. Não se preocupe, os pequenos juntos com a sapeca Talua, foram fazer
uma pequena visita no santuário dos vaga-lumes, nós dois fazíamos o mesmo,
quando éramos crianças.
E a tia Bia substituiu a expressão carrancuda do rosto por um belo sorriso, no mesmo instante que afagava a cadela Talua, sem se preocupar com toda a lama que a envolvia.
CAL - Comissão de Autores Literários
Bruno Olsen
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
REALIZAÇÃO
Copyright © 2022 - WebTV
www.redewtv.com
Comentários:
0 comentários: