Antologia Sempre ao Meu Lado: 1x15 - O Cavalo Reginaldo (Season Finale) - WebTV - Compartilhar leitura está em nosso DNA

O que Procura?

HOT 3!

Antologia Sempre ao Meu Lado: 1x15 - O Cavalo Reginaldo (Season Finale)

Conto de Fidel Mathias
Compartilhe:







Sinopse: O cavalo Reginaldo é um conto típico das pequenas vilas do interior do Brasil. Trata-se de um cavalo que tem o dom de sorrir para as pessoas. Mas, com o passar do tempo, muitos o começam a ver como um animal que realiza milagres e por isso acaba se envolvendo em situações inusitadas como a de um comerciante que o procura para curá-lo de um mal: ele não sabia sorrir. É uma narrativa envolvente e emocionante que tem um pouco a ver com a infância de cada um de nós.


O Cavalo Reginaldo
de Fidel Mathias

 

Conta-se que numa pequena vila do interior existia um cavalo que se chamava Reginaldo. Era um cavalo puxador de carroça, manso e habilidoso em seu ofício. Seu dono era um carroceiro de nome Zé Propécio; um sujeito simpático, apesar de sistemático, e que vivia quase que unicamente do seu trabalho de carroceiro, desde a hora que acordava até a hora em que dormia.

Mas, o que importa mesmo nessa história é que Reginaldo era um cavalo muito famoso; não necessariamente por ser um habilidoso animal de carroça e muito menos por pertencer ao matuto carroceiro Zé Propécio. A verdade é que o Reginaldo tinha a fama de sorrir para as pessoas. Isso mesmo. Bastava alguém passar perto dele e dizer “bom dia” ou “boa tarde Reginaldo” para que o simpático pangaré abrisse um largo sorriso, de orelha a orelha, mostrando todas as suas encardidas canjicas que tinha dentro da boca.

Podia estar solto, comendo o seu capim, ou até mesmo encilhado à carroça, carregando pesadas cargas; não importava, o sorriso de Reginaldo sempre estava lá, espontâneo e verdadeiro. Isso fez com que o cavalo passasse a ser adorado e, até mesmo, reverenciado pelos moradores daquela pacata vila perdida nos confins do sertão.

Não demorou muito para que sua fama se espalhasse para outras vilas e até mesmo para lugares mais distantes, atraindo gente dos mais variados tipos e pelos mais diversos motivos. Uns viam vê-lo por mera curiosidade, outros por achar que ele era um animal milagreiro e, por isso, poderia curar doenças e outros infortúnios que acometiam aquelas malogradas pessoas de vida besta e sem graça.

Até que num certo dia, chegou lá na vila um comerciante, atraído pela história do tal cavalo sorridente. O seu problema não era doença, nem incômodos com dívidas e, muito menos, infelicidade no amor. O problema do comerciante é que ele não sabia sorrir. Nunca, desde criança, não conseguira dar uma boa risada e nem mesmo um leve sorriso sequer. Não se sabia, exatamente, o motivo de tal desventura, talvez por ter tido uma infância dura e sem diversões, ou talvez por não ter recebido, ao longo de sua vida, gentilezas e sorrisos sinceros que fizesse despertar nele a vontade de sorrir.

Com o passar do tempo, o comerciante percebeu que não conseguiria se livrar desse mal através das pessoas, pois as pessoas pouco sorriam para ele e, quando o faziam, não parecia ser de um gesto verdadeiro. Sendo assim, por que não aprender a sorrir com um animal? E não um animal qualquer, e sim um daqueles que sorria, de forma sincera, para tudo e para todos.

O comerciante ficou perambulando pela vila, que não era muito grande, atrás de informações que o levasse até o bem-aventurado cavalo. Até que passou perto de uns meninos magrinhos que jogavam bola embaixo da sombra de um jatobazeiro. Parou e ficou ali, observando, acompanhando o vai e vem daqueles meninos que corriam felizes e sorridentes, atrás de uma bola murcha e sem cor. Escolheu um deles e perguntou:

___ Ei, moleque. Sabe me dizer onde eu encontro um tal cavalo risonho de nome Reginaldo.

___ Sei sim senhor. ___ respondeu o moleque de forma distraída. ___ Ele fica ali, no final daquela ruazinha. É só o senhor seguir direto e vai dar de cara na casa do Seu Zé Propécio, o dono do cavalo. A essa hora ele deve de estar lá na porta, comendo capim, como de costume.

___ Quem tá comendo capim menino? O cavalo ou o tal do Zé Propécio? ___ perguntou o comerciante com cara de poucos amigos.

O menino olhou meio que espantado para aquele homem que tinha um semblante amarrado e modos impacientes. Então respondeu:

___Uai seu moço. Deve de ser o Reginaldo né. Acho que o Seu Zé Propécio não come capim não!

O comerciante deu as costas para o menino, sem sequer agradecer pela informação e foi andando pela rua comprida e apertadinha até chegar no local onde, supostamente, morava o tal cavalo sorridente. Não viu nada e nem ninguém.

___ Será que não estão em casa? Será que o cavalo ainda está na lida? Pensou o carrancudo comerciante.

Resolveu chamar, bateu palmas, uma, duas, três vezes e nada de aparecer alguém. Já estava desistindo e dando meia volta, quando um senhor, já meio idoso, apareceu na porta da humilde casa para atender ao estranho.

___ Pois não seu moço. O senhor deseja alguma coisa? ___ perguntou o senhor.

O comerciante então respondeu:

___ Olá. Boa tarde. Uns moleques ali da pracinha me informaram que é aqui que eu encontro um cavalo que sorri para as pessoas, imaginei encontrá-lo aqui na porta...

___ Olha seu moço. ___ disse o Zé Propécio. ___ É aqui mesmo, mas ultimamente eu não deixo ele aqui na porta mais não. Estava aglomerando muita gente e isso estava tirando nosso sossego.

Continuou o dono do cavalo:

___ Tinha dia que juntava tanta gente que ficava até difícil de saber quais eram as intenções de cada um. Já vi de tudo aqui na minha porta por causa do meu cavalo. Certa vez um homem de boa aparência e de fala macia até tentou roubá-lo de mim, o senhor acredita numa coisa dessa? De outra vez apareceram uns moços que tiveram a ousadia de querer levá-lo para a capital para que pudesse ser estudado pelos cientistas.  Sem contar no tanto de gente querendo passar a mão no bicho ou até mesmo querendo arrancar pelos de sua crina, pois achavam que isso ia trazer sorte ou acabaria com os males de cada um. Fora isso, ainda tenho que aguentar uma procissão de gente que fica nos seguindo pelas ruas quando estamos trabalhando, dá até medo de atropelar alguém com a carroça.

___ Então, como faço para vê-lo? Seria possível, ao menos, eu dar boa tarde para o Reginaldo? ___ perguntou o comerciante.

Foi a vez do carroceiro falar:

___ Bom, ele está lá no fundo do quintal. É para lá que eu levo ele toda vez que a gente chega dos carretos; assim ele tem paz para comer seu capim e beber sua água e não corro o risco de alguém tentar roubá-lo de mim. Mas, se o senhor deseja ver meu cavalo, tem que pagar.

___ O quê! Pagar para ver seu cavalo? ___ perguntou o comerciante em tom de indignação.  ___ Mas isso é um absurdo.

___ Absurdo nada seu moço. Eu não sei qual é o problema que o senhor quer que ele resolva, mas a risada do Reginaldo pode ser a solução para os seus males, seja ele qual for. Além do mais, o Reginaldo é boca fina, gosta de um bom capim e com muita fartura e isso me custa um bom dinheiro.

O comerciante pensou em dar meia volta, pensou em dizer injúrias para o carroceiro, do tipo: se quer vida boa para o seu cavalo, então que o tire do trabalho duro de puxar carroça. Mas, achou mais prudente se calar e aceitar a situação. Afinal de contas, tinha vindo de muito longe, já havia gasto um bom dinheiro na viagem e ainda teria que gastar mais para comer e dormir na pensãozinha empoeirada da vila. Desembolsar uns contos a mais não ia fazer muita diferença e ainda poderia resolver o seu problema.

___ Tá bom, quanto custa? ___ perguntou o comerciante.

___ Quanto custa o quê? ___ respondeu com outra pergunta o carroceiro.

___ Uê, quanto custa para ver o tal do cavalo, não é disso que estamos falando?! ___ respondeu o comerciante num tom de impaciência.

___ São dez contos e o senhor pode ficar perto dele por cinco minutos; pode conversar com ele, cumprimentá-lo... só não pode ficar passando a mão ou tentar tirar fios da sua crina, isso não é permitido.

___ Dez contos? Mas isso não é muito dinheiro? ___ reclamou o comerciante.

___ Muito dinheiro nada seu moço. ___ respondeu o carroceiro. ___ O senhor é uma pessoa distinta e parece ser de boas condições. Não justifica ficar aí amarrando mixaria, ainda mais para ver o Reginaldo.

O comerciante ainda ficou, por um momento, encarando aquele astuto carroceiro e pareceu ficar um pouco relutante com aquela negociação, mas, por fim, aceitou as condições. Além do mais, já era fim de tarde, ele estava cansado após ter feito longa viagem, queria resolver aquilo logo e ir embora dali.

Tirou do bolso os dez contos e entregou ao carroceiro que o levou até o fundo do quintal e lá estava ele, o Reginaldo, embaixo de um pé de manga, comendo tranquilamente o seu capim.

___ Fique à vontade moço, pode chegar lá perto dele. Ele não morde não, ele mostra os dentes, mas é só para sorrir. ___ disse o carroceiro dando uma risada de sua própria piada sem graça. 

O comerciante chegou bem perto do cavalo que levantou a cabeça logo que percebeu sua aproximação.

___ Boa tarde Reginaldo. ___ disse o comerciante de forma meia desconcertada e olhando para os lados para se certificar de que mais ninguém estaria presenciando aquela cena.

O cavalo, como já era de costume, olhou para o homem e abriu um largo e farto sorriso, de orelha a orelha e com direito a um leve e simpático relincho. E ficou assim, por um bom tempo, encarando o homem e sorrindo, de forma espontânea e sincera.

O comerciante ficou meio encabulado, pois, por mais que soubesse da fama do Reginaldo não esperava que, de fato, ele sorrisse de forma tão verdadeira. Então abaixou a cabeça e sentiu uma tristeza, o fato de estar ali na frente do cavalo ainda não foi o suficiente para fazê-lo sorrir. Deu meia volta, despediu-se do carroceiro e do pangaré, fez o caminho de volta pela ruazinha, até chegar na pracinha onde, mais cedo, as crianças magrinhas e felizes, jogavam bola. Sentou num banquinho de madeira embaixo do pé de jatobá e suspirou. O que restava a fazer agora era procurar a tal pensãozinha para poder descansar durante a noite pois, no outro dia, voltaria para sua terra.

No dia seguinte, bem cedo, o comerciante saiu da pensão onde ele havia dormido e foi procurar uma bodega para poder tomar um café antes de ir embora. Passou pela pracinha e percebeu que o menino magrinho e feliz do dia anterior estava sentado no banquinho da praça, de cabeça baixa e muito triste.

___ O que aconteceu moleque? Acaso está doente? ___ perguntou o comerciante de forma carrancuda, como sempre.

___ Nada não seu moço. É que nossa bola rasgou no jogo de ontem e por isso não tem mais como a gente brincar.

Então o comerciante lembrou da sua infância, quando tinha mais ou menos a idade daquele garoto, dos dias em que a meninada da sua rua se juntava para brincar de bola ou de pega-pega. Todos se divertiam, menos eles, pois não podia sair de casa, a não ser que fosse para trabalhar ou para acompanhar seus pais na ladainha da igreja.

Abaixou a cabeça e foi em direção à bodega que ficava ali perto. Entrou e pediu um café. Ficou sentado, observando aquele lugar que, além de servir café com pão, ainda tinha uma mercearia, sortida e bagunçada. Percebeu então que atrás do balcão, penduradas numa corda de barbante, havia umas bolas de futebol. Ficou tomando seu café e olhando para elas, ficou pensando em como deveria ser divertido jogar bola, correr, cair, sujar e sorrir no meio da molecada.

Terminou o café e foi até o balconista:

___ Moço, quanto custa uma bola de futebol?

___ Quatro contos. ___ respondeu o vendedor.

___ Vou querer duas. Pega aquelas do alto que são mais coloridas, por favor.

Assim que pagou a conta, o comerciante saiu da bodega com as bolas coloridas na mão e foi andando em direção à pracinha. Lá estava o menino que, à essa altura, já tinha a companhia de mais dois magricelas. Todos sentados no banquinho, tristes e desconsolados.

___ Ei menino. Toma. É para vocês brincarem.

___ Nossa seu moço. É para nós? Muito obrigado! ___ respondeu o menino, abrindo um sorriso de orelha a orelha, do mesmo jeito de sorrir do cavalo Reginaldo.

___ Mas, por que duas seu moço? ___ perguntou o menino.

___ Uma fica de reserva, caso a outra se estrague e deixa de relia e vá brincar com seus amigos, anda. ___ disse o comerciante de forma desajeitada.

Nisso, os meninos começaram a brincar. O comerciante ainda ficou ali por um tempinho, observando e admirando a alegria daqueles meninos que agora já eram mais de cinco.

Então o moleque magrinho olhou para o comerciante e perguntou;

___ O senhor não quer brincar com a gente? Vem brincar um pouquinho, é divertido.

O comerciante ficou surpreso com o convite que até se atrapalhou na resposta.

___ Não, não meu filho. Já não tenho mais idade para isso. Isso é coisa de criança.

___ Que nada seu moço, jogar bola é coisa de adulto também. Meu avô, que já é velhinho, costuma jogar bola com a gente quando ele vem aqui na vila. E ele ainda pula para comemorar quando faz gol.

Ainda pego de surpresa o comerciante entrou no campinho, sem saber exatamente o que estava fazendo. E começou a correr atrás da bola com os meninos. Foi correndo, foi suando, foi chutando, foi se empoeirando, até que, sem querer, um dos meninos lhe deu uma bolada na cara. Ele parou, passou a mão na testa, olhou para o menino e, para surpresa de todos e até dele mesmo, começou a sorrir. No início foi um sorriso tímido e sem jeito que logo foi se transformando em um sorriso maior e, não demorou muito, aquele sorriso se converteu numa longa e interminável risada.

Suas risadas foram tantas que até contagiou os meninos que também deram boas gargalhadas com toda aquela diversão. O comerciante brincou tanto de bola que, em pouco tempo, estava esgotado e muito feliz. A meninada também se divertiu muito e, por fim, todos se sentaram no banquinho e no chão da pracinha, inclusive o comerciante, exaustos e contentes.

Foi então que ele percebeu que uma carroça se aproximava, vinda da ruazinha comprida e apertada em direção à pracinha, puxada por um cavalo altivo e de aspecto feliz. Estavam começando a lida do dia. Assim que passou por onde estavam, o carroceiro lhe acenou com a cabeça e o Reginaldo, bom, o Reginaldo olhou para ele e lhe deu um largo e volumoso sorriso, daqueles que iam de orelha a orelha, como de costume.

O comerciante ainda ficou observando a carroça até ela sumir na curva da esquina, então sacudiu a poeira da roupa, limpou o suor do rosto e, novamente, sorriu para as crianças que estavam à sua volta. Foi um dia maravilhoso e inesquecível.

Então a vida continuou. Os meninos continuaram a brincar de bola, todos os dias, naquela empoeirada pracinha, protegida pela sombra do jatobazeiro. O comerciante voltou para a sua terra, feliz por ter aprendido a sorrir e, daquele dia em diante, passou a sorrir sempre. E o Reginaldo continuou a ser o famoso cavalo sorridente. Não importava onde ele estava, se na rua puxando carroça, se no fundo do quintal comendo capim. Ele sempre estava pronto para sorrir e fazer as pessoas sorrirem, mostrando todas as suas canjicas da boca, como diziam as pessoas daquele lugar.

Tudo isso aconteceu em um lugarzinho perdido, num cantinho qualquer e quase esquecido, nos confins do sertão.

Conto escrito por
Fidel Mathias

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima
Eliane Rodrigues
Francisco Caetano 
Gisela Lopes Peçanha
Lígia Diniz Donega
Márcio André Silva Garcia
Paulo Luís Ferreira
Pedro Panhoca
Rosside Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


REALIZAÇÃO

""

Copyright 
© 2022 - WebTV
www.redewtv.com
Todos os direitos reservados
Proibida a cópia ou a reprodução




Compartilhe:

Antologia

Antologia Sempre ao Meu Lado

Episódios da Antologia Sempre ao Meu Lado

No Ar

Comentários:

0 comentários: