CRIMES NO SUBÚRBIO CARIOCA - A GATA DE IRAJÁ - CAPÍTULO 01
Particularmente, eu não gosto quando invadem meu espaço, esse macho aqui dentro e sozinho no quarto. Ele não tem cheiro de nada, isso até passaria desapercebido e não significaria muita coisa para os mais distraídos, mas meus instintos não me enganam, eu preciso ficar de olho nele.
A minha
velha só vive sentada de frente pra televisão, nunca desliga, é por isso que
ninguém gosta dela. Mal acorda e precisa de barulho para se sentir bem. Eu nem
me incomodo mais, faço as minhas rondas, tranquila. Sei quando ela quer
companhia e nunca é de manhã cedo, além do bafo insuportável, ela tem um gênio
terrível. Outro dia jogou meu prato pro canto, só fiquei olhando pra ela, não
vou dar gostinho de implorar. Ela sabe muito bem que eu também não sou flor que
se cheire.
Decididamente,
tem alguma coisa errada. Não gostei dele de cara, quando passou por mim ainda
teve a audácia de estender a mão, mas eu gritei logo “não se atreva!”.
— Ela
está velha, é melhor não a perturbar. — A minha velha sempre fala isso para as
pessoas. Eu não gosto muito, mas dessa vez não tiro a razão dela.
Não sei
como pode. Ela assiste ao noticiário todos os dias, sabe que a cidade é
violenta, sempre tem notícias de estupros e assassinatos. Ela mesma já
praguejou contra as mulheres burras que caem na lábia desses malucos e acabam
mortas. Como é que ela permite esse cara trabalhar sozinho no nosso quarto?
Está
muito silencioso, finalmente a velha abaixou o som da TV.
— Está
tudo bem aí, seu moço, está precisando de alguma coisa? — a velha disfarça o
medo com uma voz mais firme.
Nenhuma
resposta, fiquei em alerta porque o ouço se aproximando da sala, os batimentos
cardíacos da velha disparam, eu também estou com medo, mas comigo a coisa é
diferente. Sei que a velha não pode levantar da cadeira depressa, mas pelo
menos tinha que sair de casa e chamar alguém.
— Já
terminou, moço? Olha, eu não tenho nenhum trocado pra te dar. — a minha velha
tenta parecer segura de si.
Eu o vejo
parado na porta, ele se aproveita da sombra, a minha velha não o vê. Meus olhos
são melhores adaptados a falta de luz. O cara não tem nenhuma reação. O que ele
pretende fazer? Agora está indo em direção a ela, pelo menos está sorrindo. A
minha velha não parece ter gostado desse sorriso. Tem coisas que ainda não
entendo entre as pessoas. Não entendo, mas percebo. Ele se aproxima dela com
movimentos lentos, o medo a paralisa. Ele tem um brilho nos olhos que não é
normal. Então eu o vejo segurar o pescoço dela e levantar o corpo da cadeira.
A velha
tenta gritar, pedir piedade, pedir que ele a deixasse em paz. Mas o pavor a
impede de ter qualquer reação. Não tanto pela violência, que está sendo
submetida e sim pelo olhar sádico com que ele a encara de perto. O prazer que
extrai com a dor que provoca, não deixa dúvidas quanto a índole do homem sem
cheiro. Só então, a minha velha se dá conta de sua imprudência: uma
paraplégica, sozinha com um estranho.
“Deixe-a
em paz!” berrei, mas ele não entendeu. Nem se deu ao trabalho de olhar para
mim.
Minha
velha está com medo, sua voz não passa da garganta, o rosto começa a ficar
avermelhado, as veias do pescoço ressaltam, a falta de ar deve provocar dor nos
pulmões, enfraquecidos pela fumaça dos cigarros. Num relance ela me encara, um
filete de lágrima escorre pelo rosto. Ela evita olhar para o homem, que insiste
em aproveitar cada momento do desespero dela. “Por que? O que eu te fiz? Por
favor, me deixe viver...” eu a conheço, sei que é isso que ela está
dizendo. O cara não expressa nenhuma simpatia pela mulher, ao contrário, a
passividade dela o excita cada vez mais.
Não
suportei mais a angústia e tomei a decisão, saltei e cravei as minhas garras na
cara medonha daquele safado. Ele soltou a minha velha, mas é muito forte,
conseguiu me jogar longe. É melhor eu buscar ajuda, mas parei na janela antes
de sair, ele voltou a apanhar a minha velha. Acho que vai fazer tudo de novo.
~ * ~
Geralmente
um bairro residencial não é muito agitado, mas o começo da manhã de sábado traz
uma multidão de curiosos, todos com celulares a postos, querendo tirar selfies
e dar “furos de notícias” em primeira mão. A polícia já havia estendido a
faixa de isolamento. No meio de alguns abusados, que culpavam os policiais pelo
abandono da região, Sergio Riso, da Radio Irajá Cooperativa News, está no local
tentando colher informações.
— Bom
dia, queridos ouvintes da RIC News, aqui é Sergio Riso, falando direto
do bairro Irajá, na rua Fernandes Gusmão. Oi, como se chama?
— Bruna.
— Então,
Bruna, você pode me dizer o que aconteceu aqui?
— Olha,
pra ser sincera, eu sei muito pouco, é que eu moro logo ali em frente e ouvi os
gritos da vizinha... aquela ali, ó. Aí eu vim pra fora pra ver o que estava
acontecendo.
— Ah,
sim, muito obrigado.
Sergio
corre atrás da mulher que está cercada por policiais e outros curiosos. Ele
estende o microfone da rádio.
— ...foi
quando eu vi a Nina andando na minha janela, aí achei que tinha alguma coisa
errada, ela não é de fazer isso. Aí, eu senti um cheiro muito forte e resolvi
chamar a polícia. É só isso que posso dizer, eu não sei mais nada, juro. — a
vizinha fala enquanto acaricia a siamesa no colo.
Os
policiais têm dificuldades para proteger a mulher. Sergio Riso tenta se
aproximar dela para fazer perguntas, o Sargento PM Machado a puxa para trás da
faixa.
—
Afastem-se, vamos, gente, deem espaço para eu passar. — Inspetor da Polícia
Civil, Ralf surge entre os curiosos.
Assim que
avista o Sargento ele passa debaixo da faixa e se aproxima dele.
— Como
vai Sargento, já começamos bem o plantão, hein?
— Tudo
bem, Inspetor. Pra mim não, é fim de festa, só vou passar as coordenadas e
terminar meu plantão.
— Você
que é feliz. — Ralf olha para a mulher agoniada ao lado do Sargento — Quem é
essa aí?
—
Inspetor, eu te apresento, Zulmira, a vizinha que nos acionou. Senhora Zulmira,
esse é o Inspetor Ralf da Trigésima Oitava DP, é ele quem vai cuidar do seu
caso.
— Meu
caso? Meu caso, não, não tenho nada a ver com isso. Só chamei vocês porque
estranhei esse fedor e a gata na minha casa. Só isso. Não tenho nada a ver.
— Calma
dona Zulmira, não precisa ficar nervosa. Nós só vamos conversar um pouco para
esclarecer tudo. — Ralf estende seu cartão de visitas.
— Ai,
moço, não por favor, se meu marido me vê aqui ele me mata, eu não posso...
— Calma,
não vai acontecer nada, fique tranquila. — Ralf acena para outro Inspetor. —
Olha. Esse aqui é o Zé Carlos, nós trabalhamos juntos, eu quero que você diga
tudo que sabe, ou o que acha que aconteceu aqui, tá?
— Esse
bichano é seu? — Zé Carlos passa a mão na gata.
— É a
Nina, era da vizinha aí da casa.
O sorriso
simpático de Ralf e Zé Carlos conseguem convencer Zulmira, então ela se afasta
com o Inspetor para fazer a declaração. Ralf e Machado entram na casa. O
Inspetor aproveita para observar toda a mobília da vítima, alguns móveis com
manchas de tempo, poucos retratos em alguns quadros pendurados, fotos antigas,
possivelmente do marido, em farda militar. Ao se aproximarem do quarto eles
colocam o lenço tapando o nariz, por causa do cheiro forte e espantam as moscas
que sobrevoam o local.
— O que você tem pra mim, Machado?
CENAS DO PRÓXIMO CAPÍTULO
Assim que abriu a porta, Abigail não pôde conter a surpresa ao ver aquele homem corpulento parado na sua frente. O rosto encoberto pela máscara facial não é incomum, mas os olhos negros brilhantes sobressaem aos traços grosseiros e também não esconde o sorriso cativante sob o pano. O homem é um pouco mais alto, tem braços fortes com músculos acentuados, cabelos curtos, mas ondulados, e uma voz ao mesmo tempo firme e agradável, que hipnotiza Abigail de tal forma que ela se sente invadida por uma sensação forte. A fração de segundo entre o olhar de fascínio e o silêncio que seguiu, deu ao homem a impressão de que batera em porta errada. Instintivamente, ele enfia a mão no bolso traseiro do macacão, um pouco empoeirado e manchado de cola marrom, e puxa um pedaço de papel amassado:
— Senhora Abigail Silva?
— Si-sim, sou eu e você é...
— Gonçalo, o montador. O porteiro não avisou pelo interfone?
Envergonhada pela distração, Abigail disfarça e pede que o homem entre. O odor que ele deixa ao passar, provoca um arrepio na mulher, faz tempo que Abigail não se sentia desse jeito.
NÃO PERCA, DIA 11, O SEGUNDO CAPÍTULO:
Abigail coloca a bandeja e a jarra numa cômoda e sai do quarto. Ao chegar na cozinha, ela encosta na parede e começa a se abanar. Leva a mão a testa que parece estar quente: “Calma mulher, o que é isso? Eu sou casada!”, ela se olha numa superfície espelhada da cozinha e ajeita o cabelo, então pega o celular e inicia uma chamada por vídeo:
— Gabi? Tá tudo bem? — na cam a amiga se surpreende.
— Tá sim.
— O que é? Por que não foi pra academia hoje?
— Menina, não sei nem por onde começar.
— É impressão minha ou você está ofegante?
— Cátia, larga tudo que tá fazendo e vem pra cá agora, eu estou a ponto de cometer uma loucura. Se demorar muito não respondo pelos meus atos.
personagens
agradecimentos
direção
Carlos Mota
Cristina Ravela
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