Odilon está na porta do quarto de Odílio com um pedaço de arame introduzido dentro do cadeado. Ele mexe o arame de um lado para o outro. Coloca a língua entre os dentes, deixando-a sair por entre os lábios do lado direito de sua boca; ele está apreensivo executando a missão. Ele retira o arame, demonstrando irritação e frustração. Olha para o lado da sala; pensa ter ouvido algum barulho vindo da rua. Corre até a janela e a abre; olha para os dois lados dela e não há sinal de viva alma na rua. Volta para a porta do amigo para reiniciar a sua missão. Introduz o arame novamente no cadeado. Fica surpreso que, ao primeiro giro, o cadeado se abre sem maiores dificuldades.
Odilon retira e deixa o cadeado pendurado no ferrolho da porta. Logo que entra no quarto de Odílio fica perplexo. Há caixas de madeiras e de todos os tamanhos em todos os lugares; encostadas na parede, embaixo da cama. Sobre uma mesa, há aquários retangulares de vários tamanhos, nos quais Odílio conserva cobras-corais, escorpiões amarelos e aranhas armadeiras, todos vivos. As caixas de vidro estão devidamente fechadas, de modo que nenhum dos bichos possa sair; os pequenos orifícios das tampas permitem que o ar entre.
Odilon vai até uma das caixas que estão encostadas na parede. Escolhe aleatoriamente uma delas; puxa para perto de si e abre. Ele se estica para o lado da sala, atento à uma possível chegada de Odílio. Ao conferir o conteúdo da caixa, encontra dezenas de frascos: arsênico, ricina, estricnina, cianeto, potássio e vários outros tipos de substâncias altamente tóxicas e venenosas. Fecha a caixa e procura recolocar exatamente no lugar exato onde estava antes.
Ele se abaixa rente à cama de Odílio. Debaixo dela, puxa uma caixa bem maior e mais pesada do que as que estão encostadas na parede. Ao abrir, encontra vários tipos de armas de fogo: espingardas e revólveres de vários calibres.
Longe dali, um homem está agachado. Calmamente ele serra um dos pés de uma escada de madeira num terreno escuro. Não o serra completamente, tendo o cuidado de manter um pedaço que quebre com o peso de um homem de estatura e peso medianos. Ele olha para os lados para conferir que não está sendo observado por ninguém. Se levanta. A luz do poste mostra o rosto de Odílio. Ele caminha calmamente até o muro com passos leves, sem fazer nenhum barulho, toma impulso e pula pra fora da residência. Sai andando normalmente pela calçada.
Odilon está espantado com a quantidade de armas que Odílio guarda dentro das caixas. Em outra caixa, ele encontra uma quantidade enorme de diversos tipos de munições.
Odílio caminha tranquilamente, assobiando e fumando um cigarro. Ele joga o cigarro no chão e o apaga pisando sobre ele com um dos pés. Enfia a mão no bolso e retira um molho de chaves; continua a assobiar.
Odilon escuta o assobio de Odílio. Procura rapidamente recolocar as munições no lugar e empurrar a caixa para debaixo da cama. Ele está assustado. E logo se vê desesperado ao ouvir o barulho da chave abrindo a fechadura da porta. A caixa já está no lugar de antes. Odilon, treme, se levanta e corre, mas, na porta do quarto, dá de encontro com Odílio.
– Ora, ora. Mas se não temos um grande filho da puta curioso aqui... – diz Odílio, sarcasticamente.
Odilon permanece estático, com os olhos arregalados. Seu batimento cardíaco está aceleradíssimo.
– Você não sabe ficar quieto mesmo, né seu merda? – reclama Odílio.
– Por que cê tá com tudo isso em casa, Odílio? – pergunta Odilon, com a voz trêmula.
– Mas você é muito burro mesmo. Você não viu que nosso dinheiro tinha acabado? Você não viu que a gente tava falindo? Ou era isso ou ir embora daqui e voltar pra São Paulo com as mãos abanando. Eu pedi pra você escolher um bom lugar pra gente poder viver honestamente, com um trabalho digno, como bons cidadãos, mas você mentiu.
– Eu juro que não menti, Odílio.
Odílio enfia a mão no bolso. Odilon fica tenso, arregala novamente os olhos. Do bolso, ele retira um maço de cigarros. Ele oferece um a Odilon, que o recusa.
– Sabe, Odilon, eu tinha prometido pra mim mesmo não cometer mais nenhum crime, ser realmente um bom cidadão, um homem exemplar, assim como meus irmãos. Mas você não me deixou outra alternativa.
– Mas você matou alguém, Odílio?
– Se eu matei alguém, isso não interessa. E se matei, foi por culpa sua.
– Quantas pessoas ocê matou? – questiona Odilon.
– Oito. Mas era gente que ia morrer de todo jeito; o bebum, uns véios, umas véias, aquele sujeito doente dos pulmões. Talvez tenha até feito boas ações abreviando o sofrimento de alguns.
– Mas isso tá errado, Odílio! Ocê não tinha o direito!
– Ai, Odilon, Odilon. Você é uma toupeira mesmo. Ou era isso ou era a gente ir embora daqui, com uma mão na frente e outra atrás. Você ia aguentar largar a sua namoradinha? Não, né. Então, tirando os que morreram sem a minha participação, todos os outros são sua responsabilidade também. Se convença disso.
– Não precisava disso, Odílio.
– Precisava. E você pode ir se preparando, que como você foi um grande dum intrometido e descobriu tudo, você vai me ajudar a dar cabo das pessoas a partir de agora, certo? – ordena Odílio.
– Tem necessidade disso não, Odílio. Eu num vô comentá com ninguém não.
– Você vai me ajudar nisso e em outras coisas também. Eu tava planejando umas coisas e tava precisando de uma pessoa de confiança pra me ajudar. Como você não é de confiança, eu tinha deixado você de lado. Mas como agora você tá na minha mão, você vai me ajudar. Tenho certeza que você não vai fazer nada que me prejudique, porque, se eu for pego, você também vai ser.
Odilon permanece com uma expressão desolada e ao mesmo tempo estupefato. Ele toma um susto enorme quando Odílio coloca a mão em seu ombro.
– Anda. Vai pro seu quarto que eu quero dormir.
Odilon sai do quarto e permanece imóvel, enquanto Odílio fecha a porta e a tranca por dentro. Fica ali por alguns instantes como se estivesse tendo um pesadelo.
Tereza
direção
Carlos Mota
Cristina Ravela
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