Mercado Clandestino
de JF Martignoni
- Você sabe que aqui
mesmo no Brasil tem uma das ilhas mais perigosas do mundo? Ilha da Queimada
Grande ou Ilha das Cobras. Lá tem em média cinco serpentes por metro quadrado,
e basicamente todas vão te causar uma morte horrível com uma picada.
Principalmente a serpente-ilhoa, que é uma das venenosas do mundo. Imagina ser
jogado ali? Pense pelo
lado positivo, aqui você está anestesiado, sem sofrer nada... Eu poderia até
não te matar se não fosse bem arriscado, e se meu cliente não precisasse
justamente de um coração. Isso meio que fodeu para você, mas nada pessoal, apenas negócios.
Eu mal podia ver o topo
de sua cabeça, não sentia nada, literalmente nada, o que é uma sensação muito
estranha. Para piorar todo meu corpo estava imobilizado só podia mexer meus
olhos, ouvindo isso sem saber o que me impedia de me mobilizar ou o que estava
acontecendo comigo, eu estava realmente em pânico. Reparei que estava numa
espécie de sala cirúrgica, nunca estive numa cirurgia antes, então apenas
presumo que estou em uma sala cirúrgica pelas luzes serem parecidas com as das
salas cirúrgicas nos filmes.
- Eu vou separar todos
seus órgãos e tentar vendê-los
também, ganhar um dinheiro extra, mas não é tão fácil quanto parece, até por
que isso estraga muito rápido, geralmente só consigo vender o órgão
encomendado. É um mercado difícil, mas bem lucrativo, milionários desesperados
pagam fortunas pelos órgãos que precisam. Todos tentam enganar a morte pelo
maior tempo que podem não adianta. Eu particularmente não precisaria matar mais
que uma pessoa a cada cinco ou seis anos, mas se eu ficar tanto tempo sem
trabalhar acabo perdendo as conexões.
Enquanto ele continuava o
monólogo eu tentava
me lembrar como parei ali, lembro que eu estava num baile funk na minha
comunidade, que a polícia chegou e começou a prender pessoas, eu fui uma delas.
Recebi um choque forte logo quando comecei a avistar os policiais chegando,
lembro de estar caindo, mas não de atingir o chão. Quanto tempo pode ter
passado?
- Hoje em dia a pior
parte do meu trabalho é a pesquisa, tenho que subornar uma rede de pessoas para
conseguir registros de tipo sanguíneo e compatibilidade para vender os órgãos
para o meus clientes, depois acabei subornando policiais para capturarem, algo
que fui meio que obrigado a fazer graças a corrupta força de polícia aqui do
Rio de Janeiro. No entanto,
fazer isso aqui é tão fácil quanto nas zonas de guerra, ninguém realmente
investiga quem desaparece, principalmente pessoas de comunidade como a sua.
Todo o governo é corrupto e as investigações contra o sistema sempre dão em
nada, outro jovem sumiu na periferia. Deve ser guerra de gangues, certo? Bom o
suficiente para os detetives e os jornais, podem até invadir o morro outra vez
e matar vários para “vingar” sua morte.
Ele para de falar por
algum tempo e ouço alguns instrumentos metálicos batendo, como o barulho de
pegar talheres na gaveta cheia deles. Depois começo a ouvir uma música tocar a
distância, a voz dele também fica mais distante, reconheço ser uma música de
Vinícius e Toquinho ‘Onde Anda Você’.
- Tinha esquecido de
botar tocar uma música para me deixar mais calmo e concentrado. Você deveria
até se sentir grato Valdemir, sua morte será sem dor e bem calma, a minha
provavelmente será muito pior. Claro que você não teve a vida de um wagyu, sabe
aquele boi japonês que tem a carne mais macia do mundo? Eles obviamente são
criados para o abate, mas bebem cerveja, recebem massagem com saquê... Os
desgraçados ficam ouvindo música clássica para você ter noção. Até é ok aceitar
a morte com uma vida dessas não é? Ou seria mais fácil quando a vida é
horrível? Agora entramos em um dilema filosófico. Eu poderia muito bem ter uma
fazenda de humanos para revender os órgãos e dar uma vida de wagyu para eles,
mas seria demasiado complicado.
Sua voz se reaproxima.
- “E por falar em paixão, em razão de viver, você bem
que podia me aparecer” – ele cantarola – Sabia que o imperador mongol Tamerlão
concretava as pessoas vivas? Pol Pot não faz tanto tempo assim enterrava
humanos vivos as centenas, e fazia eles cavarem as próprias covas. Vlad
empalava gente a torto e a direito também. Imagina como deve ser essas mortes?
Ou aquela morte por mil cortes que os japoneses realizavam? Sem falar nas
torturas da igreja católica... Imagina ser queimado vivo? E as pessoas iam
assistir isso em praça pública, o mundo é um lugar cruel Valdemir, você é um
jovem de sorte. Até a tortura da polícia hoje em dia, ou pior na época da
ditadura militar que nem faz tanto tempo assim, seriam maneiras bem piores de
morrer do que a que eu estou lhe proporcionando. Tenho até um pouco de inveja.
Senti uma força sendo
feita em meu peito, era uma sensação vaga como se tivesse sendo empurrado.
- Agora estou abrindo sua caixa torácica, logo irei retirar seu coração e será o fim da sua existência, neste plano pelo menos, se for religioso. Eu particularmente não sou, na verdade espero que não haja um inferno, pois eu certamente iria lá. Duvido que o Deus da bíblia entenderia que o desemprego e a fome me botou nessa posição, essa maldita crise econômica, política e social que assola o país a anos. Uma sociedade ignorante e egoísta, um governo vendido... Não temos nenhuma esperança além de arregaçarmos as mãos e trabalharmos com o que podemos fazer. Mas que... – sinto fortes puxões no meu peito. – Aí está. Bom, adeus Valdemir, descanse em paz.
Francisco Caetano
Gisela Lopes Peçanha
Lígia Diniz Donega
Márcio André Silva Garcia
Paulo Luís Ferreira
Pedro Panhoca
Rossidê Rodrigues Machado
Bruno Olsen
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
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