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Feriadão WebTV: Detalhe Mortal

Conto de Ilton Aparecido de Paiva
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Sinopse: Sobre o leito de um hospital, um paciente revela um segredo sem saber a surpresa macabra que o aguarda ao final.



Detalhe Mortal
de Ilton Aparecido de Paiva

 

            Muito tempo atrás, bem antes dessa doença que me massacra transformar o curto tempo que me resta em algo mais longo que as décadas de riqueza e luxúria vividas desde o maldito ritual até o meu declínio, eu fiz uma escolha errada e preciso te contar.

            Escuta com atenção! Cof! Cof! Não quero levar esse segredo comigo. Eu tinha dezessete anos. Marílio, dezoito... Como era mesmo o nome dele? Ju...Ju...Juliano! Não! Justino! Era Justino! Queríamos muito passar no vestibular e ingressar na faculdade de Direito.

            Em uma madrugada de sexta-feira, sonhei: uma bela mulher, cabelos negros, pele clara e olhos que não piscavam, surgiu no canto da cama. Pegou-me delicadamente pelo braço e me conduziu à fenda negra na parede. Eu me opus a segui-la e ela se virou, sorriu-me, olhou-me sensualmente e colocou minha mão sobre seu seio.

            Atravessamos o buraco na parede e paramos em frente à mesa sobre a areia da praia além do portal. O mar estava revolto, imagens de pessoas e animais em sofrimento e tristeza passavam sobre as cristas das ondas. O vento forte castigava meus cabelos e minhas vestes quase eram quase arrancadas do corpo. Uma tempestade desabou sobre nós e os raios e trovões me amedrontaram me fazendo ter vontade de despertar.

             A mulher cochichou ao meu ouvido: - Você deseja um tempo diferente desse em sua vida?

            Balancei a cabeça em sinal afirmativo e ela me entregou uma folha de pergaminho. Em seguida, a tempestade se encerrou e a mulher tocou os dedos em meus lábios e disse: - Aceita!

            Acordei banhado em suor e o conteúdo do pergaminho estava fresquinho em minha memória. Instintivamente, escrevi o teor em uma folha de caderno e percebi se tratar de uma oração.

            No outro dia, à tardinha, encontrei-me com Marílio no campo de futebol e horas depois, encontramos Justino na praça. Este relatou um sonho em que estávamos vestidos em roupas pretas repetindo uma mesma sequência de palavras estranhas perante três velas pretas no chão. Em cada uma havia um número apenas: 18, 20, 22. Marílio contou que também havia sonhado conosco saindo de uma casa negra na praia e caminhando à beira do mar. Ao pararmos, ele viu dois números escritos em nossas testas e outro em sua mão, nesta sequência: 20, 22, 24.

            Tentamos entender aquele enigma e uma discussão entre um casal nos chamou a atenção.

- Advogado é coisa do diabo! Vá atrás de um se quiser! – Gritou o homem atravessando a rua.

A enfermeira traz sopa. O velho no leito vizinho recusa e a moça me oferece. Cof! Cof! Eu também recuso.

Continuando a minha história, algumas semanas depois, lá estávamos em uma sexta-feira, nós três vestidos de preto, na casa de praia da tia de Justino em Canoa Quebrada, pertinho do mar. Cada um em frente a uma vela preta acesa no chão da sala. Havíamos pintado a casa de preto durante o dia. Hehehe... Você precisava ver a cara dela quando ralhou com cada um do trio ao descobrir.

Orei das 18h às 20h; Marílio, das 20h às 22h, e Justino, das 22h às 00h. A oração era assim:

“Oh! Poderoso príncipe do reino da escuridão! Renegado, fostes pelo criador dessa fétida ilusão! Oramos, desde a hora da maldita anunciação, até à hora morta de tua conjuração em que te invocamos e te louvamos. Blasfemamos as coisas sacras e conspiramos contra o teu inimigo em teu favor. Revela teu rosto a estes suplicantes que clamam teu nome: Lúcifer, Lúcifer, Lúcifer, senhor desta terra de perdição e pecado! Atendei aos pedidos de teus súditos errantes e fiéis! Oh! Lança negra que trespassa o coração dos nossos inimigos, abra o caminho para os nossos desejos mais vis.”

À meia noite em ponto, a janela e a porta se abrem e uma forte ventania apaga as velas enchendo a sala de areia e nos obrigando a sair. O som trovejante vindo do mar chamou nossa atenção. Porém, nas poucas casas vizinhas próximas, imperava a escuridão sem que notássemos alguém a nos observar. Será que apenas eu e meus amigos percebíamos aquele evento sobrenatural?

             Subitamente, um ponto luminoso se movimentou em ziguezague. Caminhamos até à beira do mar para ver melhor o que era aquilo. Já sentindo a água fria molhar nossos pés, o ponto luminoso veio ao nosso encontro. Ondas violentas que quebravam e aumentaram o nível da água até nossos joelhos era surfada por um homem descamisado de cabelos flamejantes. Foi isso que vi ao ficar a uma distância de 20 metros daquele ser. O que não vi foi nossa tríade se desfazer pela louca e desvairada correria dos meus dois amigos medrosos. Ao perceber, eles já estavam distantes. Tremi dos pés à cabeça, e não consegui correr. O mar se acalmou e o surfista diabólico se aproximou. Iluminada por seus cabelos crepitando, notei sua pele corada e compleição física bem definida.

            Cumprimentou-me: - E aí, cara? Qual é?

            Não consegui falar, ainda em estado de choque e ele continuou: – Não vai amarelar como teus amigos, né? Diga o que desejas na vida e te concederei. Fique tranquilo, mano!

            Respondi assim: - Eu quero ser advogado! Para isso preciso passar no vestibular. Tenho sérios problemas na redação.

            Cruzou braços, apontou o queixo para cima e me disse: - É o seguinte, meu camarada, você precisará adquirir a revista “Mundo em Destaque”, edição do mês passado. O tema está lá. Beleza? Mas, tem ser afanada, não pode ser comprada.

            - E o pagamento? Precisarei assinar um contrato com meu sangue?

            - Que nada! Isso é coisa dos diabos medievais! A oração com fé por seis horas, louvando-me em lugar do velho lá em cima, já é a assinatura do pacto. A diferença é que você veio pegar sua recompensa, os outros dois não vieram recebê-la.

            Acrescentei: - Também quero ser rico!

            - Não se preocupe! Também, estou te dando riqueza, será consequência do seu primeiro pedido.

            - O que você quer em troca?

            - Quanto a isso, no momento adequado eu cobrarei. Saiba que viverá por muitos anos se não contar sobre a revista aos seus amigos covardes. Ah, e mantenha o pacto realizando aquela oração, pelo menos uma vez por dia e evite qualquer objeto ou ambiente cristão. Caso contrário... as coisas não andarem bem pra você.

            Piscou o olho, fez um sinal de positivo com o polegar e voltou a surfar. Observei-o sobre as ondas até seu sumiço e retornei à casa. Maurílio e Justino entraram depois. Menti sobre a conversa, não revelando sobre a revista e o vestibular.

            Cof! Cof! Não meu sobrinho! Eles não passaram! Eu passei! A redação foi sobre a guerra das Malvinas que havia se iniciado oito meses antes do exame. Fiquei em décimo lugar no somatório geral das provas, já que minha redação foi uma das melhores, pois eu decorei tudo sobre a revista.

            Os outros dois? Ah, eles não tiveram muita sorte na vida. Maurílio, três anos depois, foi trabalhar no garimpo em Serra Pelada. Um barranco caiu sobre o infeliz: morreu soterrado. Justino, seis anos depois, ficou tetraplégico em um acidente de carro. Teve uma vida miserável e morreu de dengue hemorrágica.

            Como? Não sei meu sobrinho! Nunca os vi em igreja ou em alguma religião. Não sei! Eu percebi que quando pensava em praticar ou simplesmente admirava algo relacionado a Deus, senão a Lúcifer, as coisas começavam a dar errado. No segundo ano do Curso de Direito, quase reprovo algumas disciplinas. Apaixonei-me por uma moça de fé cristã e namoramos por alguns dias. Nesse período, não conseguia assimilar o conteúdo das disciplinas. Tirei nota baixa em uma prova. E, no dia em que iria a um aniversário da irmã dela, senti uma dor de cabeça horrível, febre e fraqueza no corpo. Tive pesadelos em que morreria envenenado pela namorada. Desisti da ida ao aniversário e minha saúde melhorou.

            Ela não conseguiu me converter, nem eu fazê-la perder a fé em seu Deus. Terminamos o relacionamento e meu desempenho acadêmico ficou melhor do que antes do namoro.

            Se eu irei para o inferno? Não tenho certeza, sobrinho! Tive o paraíso material por vários anos. Mulheres, sucesso profissional, dinheiro, carros, amigos, festas, viagens, drogas, sexo. Mas, no início desse ano, o inferno se abriu diante dos meus olhos, esfacelando minha alma. Por isso, resolvi sumir do convívio de meus familiares. Já havia me afastado e deixado de falar com seu pai antes de você nascer.

            Cof! Cof!

Em janeiro, vi uma criança chorando pela falta da mãe em frente a uma igreja. Disse-me que havia vindo à missa com ela e havia se perdido. Eu a aconselhei a entrar e buscar o padre. Por ser proibido pelo meu antigo senhor adentrar recintos dessa natureza, respondi negativamente ao seu pedido de acompanhá-la. Ela pegou minha mão, e senti como se algo se afastasse e uma placa de chumbo fosse retirada de meu corpo. Uma sensação tão boa, como há décadas não sentia. Desmaiei e me lembro apenas de estar deitado em um banco de madeira comprido com várias mãos sobre mim de pessoas orando fervorosamente.

Agora, meses depois, estou aqui, sendo consumido por essa doença incurável e com os dias de vida contados. Estou agradecido por você vir de tão longe me visitar depois de tanto tempo.

O meu telefone celular está tocando. Que estranho! Não tinha esse toque de música do Roberto Carlos em nenhum contato.

Sobrinho? Por quê está rindo? Meu Deus! Você não...

O paciente ao lado grita: - Socorro! Enfermeira!

Ainda assustado com o que viu, o paciente narra o fato para a enfermeira que mira perplexa o cadáver do homem que parecia conversar com alguém: os olhos do finado estavam arregalados e a boca aberta como se a alma houvesse sido sugada violentamente.

A música no celular continuava a tocar sem parar repetindo apenas esse trecho: “Não adianta nem tentar me esquecer”     


Conto escrito por
Ilton Aparecido de Paiva

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima Eliane Rodrigues
Francisco Caetano
Gisela Lopes Peçanha
Lígia Diniz Donega
Márcio André Silva Garcia
Paulo Luís Ferreira
Pedro Panhoca
Rossidê Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


REALIZAÇÃO



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