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Feriadão WebTV: Uma nota no "Fantástico"

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Sinopse: Férias de verão, anos 80, tempo de praia. Gilberto só pensa em chegar na mais badalada cidade praiana do RS, não só para aproveitar o mar, as pescarias, mas  também para ir  no Fat’s Flipper, onde reina absoluto como  o melhor jogador de pinball.  Mas no Fat’s, ele encontrará, pela primeira vez, o simpático Clóvis, que compartilhará com Gilberto e seus amigos, Luís e Márcia, numa noite de sábado, uma invulgar situação. Depois, na mesma noite, Clóvis os deixará. Eles nada mais saberão dele, até sair, um ano depois, no programa Fantástico, uma inusitada notícia.



Uma Nota no "Fantástico"
de Luiz F. Haiml

                                                                                                               

Fliperamas, com seus pinballs, só apareceriam na minha cidade quando eu já fosse adulto. Não era então por nada que, nos meus anos de adolescente, eu ansiasse muito pelas férias de verão. Era quando íamos para Tramandaí. Lá, na movimentada rua central, tinha o Fat’s Fiipper. O maior, e melhor, fliperama do litoral gaúcho. E, no Fat, tinha a Tommy.  A Tommy é uma máquina de pinball.

Falo dela no presente, pois em algum lugar ela ainda existe. Se você não sabe, as máquinas de pinball cobrem-se de imagens dedicadas a determinados temas. A Tommy homenageia a ópera rock do The Who – uma das minhas bandas favoritas. Por seu gabinete, e backbox, se espalham cenas do filme baseado na ópera que é sobre um sujeito cego, surdo e mudo que se tornará o Pinball Wizard, o Mago do Pimball. Lá em Tramandai, no Fat’s, eu era o Pinball  Wizard.

Meu nome é Gilberto. No veraneio de 1979, chegamos à mais badalada cidade praiana do RS, minha mãe, minha irmã e eu, nos inícios de uma tarde de sábado. Era uma semana antes do Natal. Meu pai trabalhava, e só poderia vir na véspera do nascimento de Jesus.  Almoçáramos na estrada, por isso não perdemos tempo em ir matar a saudade do mar. Deixamos a praia quando do sol só restavam manchas por detrás das altas e brancas dunas. Eu troquei de roupa, fiz um bom lanche e rumei para o Fat’s. Estava louco para jogar na Tommy. Mas...

Nunca o vira por lá. Bem mais velho que os habituais frequentadores do lugar, ele tinha um rosto comprido, barba por fazer, poucos cabelos, vestia jeans com uma camisa que achei bacana – era tipo aquelas de estilo indiano que o George Harrison usava – e jogava pinball. Jogava na Tommy. O display dela disparava marcando altas pontuações. Impaciente, fiquei ao lado, até que, finalmente, ele me deu a vez.

Posicionei-me nos botões laterais e notando que o estranho ficara por perto me preparei para jogar como nunca antes, querendo, no íntimo, me exibir, e, ao mesmo tempo, temeroso em falhar. Mas, começando o jogo, esqueci de vez a presença dele.

Quando eu e a Tommy entrávamos em comunhão, tudo o mais desaparecia, resultado da minha simbiose com os botões controladores das palhetas, do meu alerta geral para sons e luzes que me guiavam para longe dos alvos errados me trazendo assim muitas e muitas fichas, bolas extras, créditos e uma retumbante vitória através da superação do score anterior. Quando terminei, ele ainda estava ali, e, como todos em torno, sorria impressionado.

– Guri, tu é bom mesmo!

O elogio despertou em mim uma simpatia pelo cara.

Luís e Márcia, com quem já há alguns anos eu formava um trio inseparável, estavam vindo de carona para Tramandaí, e eu combinara de me encontrar com eles no Fat’s. Como ainda não haviam chegado, convidei o desconhecido a uma partida de futebol de mesa.

Perdi.

Disse então que iria ver se meus amigos já não me esperavam lá fora.

Ele me acompanhou.

Peguei o Carlton, fisguei um, acendi. Ofereci o maço.

Agradeceu, não fumava.

Ficamos trocando fiapos de conversa até que de repente ele apontou em direção ao céu.

– Está vendo aquela luz forte?

Olhei para onde o braço dele se estendia, para o alto, para o oeste, a noite já descera sobre uma Tramandaí sem a metade dos edifícios que tem hoje.

– Sim.

– Parece uma estrela, né?

– É.

– Mas não é. Às vezes ela tá ali, outras não. Às vezes fica só pairando, outras se vai assim que ponho os olhos nela. É uma nave. Veja como se move.

Para mim ela não se movia. Era só uma grande estrela, brilhando, estremecendo sua luz como qualquer outra estrela. Nuvens, nevoeiros, o movimento da Terra é que dão a impressão de que elas se movem.

Luís e Márcia chegaram, surgindo subitamente da diversificada massa humana que se concentrava no centrão de Tramandaí em tempos de férias, mais ainda em época de Natal e Ano Novo. Apresentei-os.

– Prazer, Clóvis.

Até então eu não sabia o seu nome.

Meus amigos – ligados em discos-voadores, até estavam montando um grupo sobre o assunto – logo se interessaram pelo tal ponto luminoso. Começou uma conversa acalorada entre eles sobre coisas que misteriosamente aparecem e desaparecem no céu.

Clóvis gesticulava muito e de forma engraçada, com caretas que lembravam o Jack Nicholson.  Luís, gordinho, e Márcia, magrela, ambos com camisetas de rock, me faziam pensar numa versão moderna, e bem mais jovem, de Laurel & Hardy. Do meu pequeno bando, que às vezes  se juntava a outros bandos, nos dias em que passávamos na praia, só faltava  o Oscar. Ele “trampava” de office boy, e viria de carona com meu pai.

Clóvis acabou nos convencendo a ir com ele a um determinado lugar. Daria provas do que afirmava.

Deixamos o centro, nos afastando dele cada vez mais por ruas que desconhecíamos e que escasseavam cada vez mais de movimento, parando apenas diante de uma grande escola com nome de santo. Clóvis abriu o portão principal e atravessamos por uma cancha de esportes até um prédio com uma única porta, de ferro, após a qual se estendia um longo corredor. Por que meios o nosso novo conhecido tinha pleno acesso a tal lugar, e, àquela hora? Seria o vigia noturno? Quem sabe o diretor? Certos professores também ficam com as chaves. Era o caso do pai da Márcia, que fora um dos fundadores de uma escola, e agora praticamente morava nela.

Eu e meus amigos seguíamos Clóvis sem nada dizer, nada indagávamos, só vez que outra nos entreolhávamos, empolgados com o mistério. Clóvis então sacou do bolso uma pequena lanterna, acendeu-a, mirou o facho em direção a uma porta fechada no fim do corredor. A sala em que entramos era ampla e cheia de painéis com luzes e botões de diversas cores. Lembrou-me o interior do submarino de uma série que minha irmã não perdia.

Clóvis foi em direção a um quadro negro de largura e altura quase da parede em que estava encostado.

– Ajudem-me. – pediu.

Deitamos o quadro ao chão.

Debruçado sobre ele, começou a escrever números e sinais, alguns conhecidos e outros, que a nós, não faziam sentido algum.

– Isso eles estão passando nesse momento pra mim, os caras que estão naquela luz.

“Minha nossa” pensei.

Nas férias anteriores topáramos com o doido dos chás de cogumelo; o cara tinha várias teorias malucas sobre a Alice – a do País das Maravilhas.

Fui para o corredor, e ali, iluminado apenas pela Lua, que se refletia no vidro de uma basculante, acendi um cigarro.

Luís e Márcia continuavam lá dentro, embasbacados com o que viam e ouviam. Eu não curtia discos-voadores. Curtia psicopatas, pelo menos em filmes.

De repente a conversa parou. Ouvi barulhos. Encostavam o quadro de volta à parede. Deixaram o aposento. Clóvis apagou a luz, chaveou a sala. Pegamos o caminho de volta. Ainda no corredor, ofereci o Carlton ao Luís.

– Quer um “pega”, Morceguinho?

Luís às vezes fumava. Tragava engraçado, fazendo bico. Por isso o apelido.

Márcia falou que estava com fome. Sugeri um restaurante que servia um à la minuta bom e barato. Eu adorava à la minuta e o restaurante ficava perto da ponte entre o Imbé e Tramandaí.

A ponte de duas mãos inicia logo ao término da rua central de Tramandaí e entra direto no coração do Imbé. Pescadores de todos os tipos dependuram-se em pencas pelas repartições laterais feitas para pedestres.

Quem pesca do lado direito, tem diante de si a magnifica amplidão aquática que resulta do rio Tramandaí vinda do continente e que logo adiante se encontra com um salgado braço marítimo sobre o qual houve uma vez um pontilhão de madeira para travessia e pesca. Quem joga os anzóis do outro lado, os lança no rio Tramandaí, que une um cordão de lagoas formadas por águas vindas dos morros ao norte.

Do restaurante, eu via o parque de diversões, iluminado e em movimento, e fixado desde sempre à beira da lagoa, no Imbé. E via a Roda Gigante, na qual, apenas com minha esposa, muitos anos e anos depois, um dia eu teria coragem de andar.

Clóvis bebericava uma cerveja. Luís e Márcia dividiam um bife, umas alfaces, uma porção de arroz com feijão e um ovo frito, poupando assim a grana para o resto do fim de semana. Enquanto eu, faminto, devorava meu prato, lufadas do forte e gostoso vento noturno, comum na região da ponte, atiçavam-me a vontade de pescar. Outro de meus prazeres na praia. Jamais comi sardinha em lata. E havia muita sardinha nas águas entre o Imbé e Tramandaí, assim como tainha, peixe-rei, corvina, papa-terra, siri e camarão.

Clóvis terminou a cerveja e anunciou que nos deixaria, precisava ir.

– Foi um prazer conhecê-los. E fiquem certos, nos encontraremos novamente.

Mas não o veríamos mais, pelo menos não pessoalmente.

No ano seguinte, no Fantástico dos domingos à noite, a singular voz do Cid Moreira daria esta nota:

Mistério no litoral do Rio Grande do Sul. Mal iniciavam às três horas de uma fria madrugada de abril, época de Quaresma, um grande círculo incandescente irrompeu no meio da ponte Giuseppe Garibaldi, que liga as cidades de Imbé e Tramandaí. A ponte está situada sobre um canal de águas fluviais que se juntam às do oceano atlântico. Conforme as testemunhas, alguns pescadores nativos, a luz, em suas bordas, se movimentava como se fossem chamas e a estranha roda ora tocava o piso da ponte ora flutuava sobre ele sem emitir som algum. Ainda segundo relato dos pescadores – que assustados correram e ocultaram-se pela periferia – um homem, até agora não identificado, teria surgido do nada e ido em direção à esfera luminosa, momento em que algo metálico brilhou de dentro da mesma. O homem então teria desaparecido na luz, que logo em seguida apagou-se deixando  a ponte de novo vazia.

Uma precária animação foi exibida. Uma foto borrada do esquisito fenômeno, tirada por um morador insone, e o relato dos poucos pescadores era só o que o programa tinha para referenciar o noticiado.

Ainda hoje tiro férias em Tramandaí, vou com os filhos – que não pescam nem gostam de fliperama. Sempre que passo em frente onde foi o Fat’s, olho na direção em que o Clóvis apontou. Nunca mais tal estrela apareceu por lá.

No entanto, alguns anos depois, Luís e Márcia, já  então se tornando referências na Ufologia gaúcha, decidiram reabrir o singular episódio da misteriosa luz sobre a ponte. Acabaram por descobrir que, pela mesma época, e em Tramandaí, dera-se uma ocorrência, jamais resolvida, de pessoa desaparecida. O sumido, um professor de Matemática. Seu nome... Clóvis. Clóvis Jacobus Bauer. 


Conto escrito por
Luiz F. Haiml

Edição da foto para arte
Kléber de Medeiros

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima Eliane Rodrigues
Francisco Caetano
Gisela Lopes Peçanha
Lígia Diniz Donega
Márcio André Silva Garcia
Paulo Luís Ferreira
Pedro Panhoca
Rossidê Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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