2x03 - A Última Noite
de Alisson Alexandre
Ele e eu
nos conhecemos numa lanchonete no centro da cidade. Era a minha primeira vez
tentando algo de verdade em muito tempo, mesmo que fosse algo tão fora da minha
realidade. Eu nunca havia feito nada parecido antes. Confesso, que eu estava
nervoso. Minhas mãos suavam. Algo no meu estômago se revirava toda vez que
alguém novo passava pela porta de entrada do estabelecimento. Meu coração
disparou. Ele havia chegado. Um pouco mais magro do que em sua foto de perfil.
Usava uma camiseta de uma das fotos. Aquela em que ele fazia pose de pensativo,
a com o número 23 na frente. Uma camiseta branca com detalhes vermelhos,
que combinava perfeitamente com a decoração da lanchonete. Ainda era só
comecinho de novembro, mas o Natal já podia ser sentido em alguns lugares da
cidade.
O rapaz
me olhou de relance; virou o rosto e rapidamente olhou de novo, aparentemente
havia percebido que era eu. Eu me encolhi na cadeira com vergonha, mas
instintivamente acenei com a mão e ele veio ao meu encontro. Cada passo que ele
dava, meu coração batia mais e mais forte. Ao seu redor, tudo parecia se mover
em câmera lenta, lhe dando um ar celestial. Foi esse o exato momento em que eu
me apaixonei por ele.
- É você,
não é? – Ele perguntou.
Eu
fiquei meio sem jeito. Ele era lindo demais.
E tinha
o cabelo curto, ombros largos e malhados e covinhas em suas bochechas. Usava um
perfume doce, mas muito gostoso. Suas sobrancelhas quase pregadas uma na outra,
casava com simetria com seu rosto triangular levemente arredondado. Parecia que
ele havia saído diretamente de um dos clássicos filmes de comédia romântica da
Netflix. Filmes com sabores de clichês e romances um pouco forçados, mas que
não eram de todo o mal.
Eu me
levantei por impulso e estendi
a mão.
Ele me
olhou estranho. Acho que aquele cumprimento não era tão normal para ele ao
conhecer alguém da nossa idade, mas ele logo agiu, assim que viu minha mão
trêmula em sua direção. A sua mão veio de encontro a minha, só que ele foi mais
além e me abraçou. Meu coração acelerou novamente. Eu caí em seus encantos.
- E você
é ele, não é? – Eu devolvi a pergunta.
Ele me
largou e me olhou no rosto. Seus olhos castanhos me encantaram.
- Diego.
Prazer em conhecê-lo – disse ele, sorrindo.
- Nathan.
Eu me chamo Nathan. E o prazer é meu.
Ele
olhou para nossas mãos ainda se tocando e eu puxei a minha por impulso
novamente.
- Acho
melhor a gente sentar – eu disse.
Ele
sorriu.
Me sentei onde eu estava e ele se
sentou a minha frente.
Eu não
conseguia encará-lo. Aquilo me deixava muito nervoso.
Em
contrapartida, ele parecia calmo. Segurou o cardápio em mãos e começou a
examiná-lo minuciosamente.
Diego
fazia o tipo Barbie, com sua aparência bonita, cabelo bem cuidado e
todos os seus músculos. Digo isso, por que, com certeza ele era gay, se não,
por qual outro motivo estaria ali? Já eu, era um nerd, não só na aparência, mas
também em meus pensamentos. Era só ele dar a deixa e eu começaria a proferir
minha enciclopédia do mundo dos quadrinhos, mangás, animes, filmes e séries.
- Você já
pediu alguma coisa? – Ele perguntou sem olhar para mim.
- Hum?
Não.
Ele
baixou o cardápio e me encarou. Suspirou fundo.
- Você
está bem?
- Sim.
Estou bem.
- É a sua
primeira vez... Tendo um encontro?
Meu
rosto corou. Olhei para o lado.
- Me
desculpe.
- Está
tudo bem.
- Me
desculpe, de verdade.
- Por
favor, pare.
Ele pôs
a sua mão sobre a minha.
A fechei
sem querer, então ele a largou.
- Ok. –
Disse ele num tom de mediação. – Faremos assim... Não queremos perder a noite,
não é? Então, pediremos comida, conversaremos sobre algumas coisas e nos
despedimos, certo? Isso pode ser só um encontro... Casual.
Eu não
queria só um encontro casual. Isso era supor que já éramos amigos e que nos
encontramos por acaso, e talvez fosse por eu está só desde sempre ou estivesse
gostando da excitação daquela aventura provida de um aplicativo de
relacionamento gay, mas eu não queria que fôssemos só amigos, eu queria
beijá-lo! E eu nunca fui superficial nem nada do tipo, mas seu rosto era
bonito. Tão injustamente bonito. Seu cheiro era gostoso. Seus músculos chamavam
a minha atenção, então eu não queria, de modo algum, que fôssemos apenas
amigos. Mas não consegui transmitir a ideia para ele.
- Tudo
bem – respondi.
- Ok.
Vamos fazer nossos pedidos? – Ele sorriu de novo.
- Sim.
Ele
voltou sua atenção para o cardápio.
- Você
quer dividir uma pizza? – Perguntei.
- Sim, eu
quero! – Ele soltou novamente o cardápio. – Eu estava com medo de você ser uma
daquelas pessoas que não gostam de pizza ou que você fosse vegetariano... Você
não é vegetariano, não é?
- Não,
não sou.
- Ah,
sim. Eu odiaria comer carne com alguém me julgando bem na minha frente - eu ri.
- Oh...
Então você sorrir? Você é bonito, Nathan.
Meu
rosto esquentou de novo.
- Não sou
nada. Você só está sendo gentil.
- Não é
verdade. Você é bonito e tem... Você tem uma aura que me encanta.
Nossos
olhos se encontraram, então pigarreei.
Ele
continuou sorrindo, acho que estava gostando de me deixar sem jeito.
Nesse
instante passa um dos garçons e ele o chama. Diego o cumprimenta e puxa assunto
como se o conhecesse. Eles pareciam amigos de longa data. Sua desenvoltura com
as palavras me deixou um pouco assustado... Não, não. Acho que a palavra certa
é: intimidado. Claramente, enquanto eu me fechei e expandi meus conhecimentos
sobre ficção de todos os gêneros, ele expandiu seu intelecto com coisas realmente
úteis para uma vida em sociedade.
O
garçom, de nome Pedro, nos recomendou uma pizza mista com os sabores de carne
de sol desfiada com queijo de coalho e calabresa com queijo cheddar e
bacon. Diego me perguntou se eu concordava e eu disse que sim, então ele
agradeceu ao garçom e disse que estava ansioso para provar da sua sugestão.
Pedro abre um sorriso e lhe diz que a pizza chegará em sete minutos e sai,
pedindo licença.
- Eu amo
pizza! – Disse ele para mim.
- Não é
minha comida preferida, mas eu também gosto muito.
- Tudo
bem... Eu posso aceitar isso, mas... O que você acha da gente jogar um jogo?
Seu
rosto se aproximou do meu.
- Que
tipo de jogo?
-
Perguntas e respostas. 10 perguntas, para ser exato. 5 minhas e 5 suas. Você
topa?
Confesso
que tive medo, mas já que eu estava ali, decidi arriscar.
- Claro.
Eu topo. Tem alguma regra?
- Só uma.
Não podemos devolver perguntas, tipo, eu te pergunto uma coisa e você me
pergunta de volta.
- Certo,
eu entendi. Eu entendi o que você quis dizer. Eu topo.
- Legal!
Lá vai a primeira pergunta, espero que não se incomode deu começar...
- Fique à
vontade.
-
Certo... Vejamos...
Ele pôs
os cotovelos sobre a mesa e dois dedos de cada mão nas têmporas tentando
formular a primeira pergunta.
- Qual
foi... A coisa mais louca... Que você já fez?
Me abrir
para alguém era algo que eu não costumava fazer, ainda mais para um completo
estranho. E mesmo que eu estivesse apaixonado, aquilo era realmente
difícil de se fazer. Meu coração estava acelerado pela excitação. Mas, mais
difícil do que esperar por uma pergunta dele, era ter que pensar em uma
resposta adequada. Eu queria parecer interessante suficiente para que ele
gostasse de mim também.
Fechei
meus olhos por alguns segundos e me deixei levar aos meus pensamentos mais
antigos, lá em meados dos meus 12 ou 13 anos, de quando eu bebia vinho
escondido no meu quarto. Eu era apenas uma criança com álcool ao seu alcance.
Era uma combinação terrível e me lembrei da besteira que eu fiz.
Algo que
me dava vergonha até os dias de hoje.
- É... Eu
nunca contei isso pra ninguém, mas eu tinha uns 12 pra 13 anos e por alguma
razão eu tive a curiosidade de experimentar álcool pela primeira vez. Eu bebi
meia garrafa de vinho, enquanto meus
pais dormiam. Era cedo de manhã. Nem me lembro como eu cheguei à escola, mas me
lembro de ser chamado para à diretoria.
- Você
foi bêbado para a escola aos 12 anos? Eu não acredito nisso!
Eu
sorri. Mas senti que podia contar tudo para ele.
- Mas é
verdade! E o pior é que na diretoria estavam minha professora e mais um aluno,
um colega de classe, além da diretora. Os dois tinham um papel em mãos. Eu... –
Suspirei. - Eu me declarei para os dois.
- Não!? –
Ele levou as mãos à boca.
-
Aparentemente, eu tinha escrito que os amava.
- Você
não fez isso! Isso é loucura!
Eu
confirmei com a cabeça.
- Pior
foram as consequências.
- Não...
- Pois é.
Meu pai foi denunciado e teve que pagar dois meses de salário mínimo para a
escola, já que o vinho era dele.
- Você...
Oh, meu Deus. Eu não acredito nisso.
Ele
estava indignado. A excitação pela história o fez suar. Ele abanava o corpo com
a própria camisa que vestia.
- Ok.
Tudo bem. Esteja onde
eu estiver daqui a alguns anos, eu nunca vou superar isso. Sua vez. Pode me
perguntar qualquer coisa.
- Acho
que eu traumatizei você, me desculpe por isso.
- Está
tudo bem, não se preocupe comigo. Mas agora estou com medo da sua pergunta.
Eu não
pensei muito, mas era divertido ouvir ele falando.
- Qual
foi a coisa mais louca que você já ouviu?
- Tirando
essa história? – Ele sorria.
- Sim.
Foi mal.
-
Vejamos... Você já assistiu à Matrix? Aquele filme com o Keanu Reeves?
- É
claro! Aquele filme é um divisor de águas para o seu tempo – deixei a
empolgação transparecer.
Percebendo, me encolhi na minha cadeira.
- Oh...
Vejo que você gosta do assunto.
- Um
pouco – menti.
- Certo –
ele piscou para mim. – Eu sei que você sabe do que o filme se trata. Isso deixa
tudo mais fácil, pois eu não preciso explicar, mas eu vi uma teoria da
conspiração na internet esses dias e ela levantava a hipótese de que nós
estamos vivendo numa simulação igual ao filme. Isso sim é uma verdadeira
loucura! Já pensou? Depois da gente sofrer aqui nesse plano, depois que a gente
morre, nós despertamos e vemos que ainda nem vivemos nossas verdadeira vidas? É
assustador! Quando eu morrer, eu quero ir para o Paraíso!
Por esse
ponto de vista, é algo verdadeiramente assustador para se pensar. Ele deixou à
mostra seu medo mais profundo com aquela teoria. E a sua escolha de palavras me
deixou um pouco intrigado para saber mais sobre ele.
- Poxa,
eu... Eu não sei o que dizer...
- Você
não acredita?
- Eu não
sei. A simulação parece pouco provável para mim e a ideia de existir um Paraíso
depois de tudo, é... Meio confuso.
-
Certo... Por favor, explique-se.
- Como
posso dizer...? Deixando de lado a simulação, não acha injusto um punhado de
ações decidir para onde iremos quando partimos “dessa pra melhor”? –
Especifiquei.
- Wow...
Você é ateu?
- Eu não
diria ateu, ateu... Eu só não acredito em Igrejas, templos, escrituras
sagradas, essas coisas... Tudo isso foi feito pelo homem. É tudo muito
manipulável. Maleável, você entende?
- Eu
entendo. Eu costumava pensar assim também, mas eu passei por uma experiência
que me fez mudar um pouco a minha perspectiva existencional.
- Existencional?
Essa palavra existe? Não seria existencial?
- Eu não
sei – ele riu. – Só sei que me fez pensar... “O universo conhecido é tão
grande, tão imenso, o mundo inteiro é tão bonito; não tem como não ter ninguém
por trás disso. E por que não, Deus?” Sabe...? Eu estive muito confuso, mas
quando eu comecei a pensar sobre isso, eu me aceitei. Mas aceitei também que
algumas pessoas nunca vão mudar em essência. É da natureza humana ser perverso.
O que me leva a minha próxima pergunta, daqui a pouco.
Diego
era sábio com as palavras e seu jeito de falar me encantava também.
Meus
olhos ficaram marejados com o seu discurso. Seja lá o que ele passou, o que eu
não iria perguntar, talvez tenha sido bom para ele. Não o conheci antes dali,
mas sei que ele cresceu como pessoa de várias maneiras diferentes.
-
Nossa... Você pode estar
certo. Eu não entendo muito disso e procuro não pensar em coisas que eu não
seja capaz de responder, mas já faz muito tempo que eu não sinto nada
relacionado a espiritualidade.
- Eu te
entendo, mas não se preocupe com isso. Uma hora você vai achar a sua resposta.
Fez-se
um silêncio.
A gente
nem notou que a pizza havia chegado.
O nosso
garçom gentilmente anunciou sua presença, batendo com os nós dos dedos sob a mesa
e então notamos que ele estava ali.
- Oh,
minha nossa! Me desculpe, Pedro! Estávamos tendo um momento...
O chutei
por debaixo da mesa e ele parou a frase na metade fazendo uma careta de dor.
- Me
desculpe – eu disse, olhando para ele.
- Não se
preocupem comigo, vocês fazem um casal bonito – ele pôs a pizza sobre a mesa.
- Ai,
ai... Você é um amor, Pedro – ele se inclinou para baixo para massagear onde eu
o chutei.
Eu
estava morrendo de vergonha. Tinha certeza de que ele não imaginava a hora de se
despedir de mim e sair dali correndo sem olhar para trás.
- Você
pode trazer um refrigerante pra gente, por favor?
- De
qual?
-
Qualquer um, sendo de guaraná, tudo bem, Nathan?
Acenei
com a cabeça.
- Ei, não
precisa se envergonhar, Pedro disse que fazemos um casal bonito, você não
concorda?
Ele
estava me dando o troco pelo chute.
Eu virei
meu rosto e o ouvi sorrindo.
-
Guaraná, não é? – Pedro perguntou.
- Sim,
obrigado.
- Com
licença.
Assim
que o garçom nos deixou, ele segurou a minha mão. Por instinto, eu tentei
puxá-la, mas dessa vez ele não deixou.
- Não
fique assim, por favor. Você não precisa se envergonhar de quem você é. Vamos
deixar isso de lado por enquanto e vamos comer. Não tem nada melhor do que
pizza.
Eu ri.
- Está
vendo? Você fica melhor assim.
- Vamos
comer – eu disse.
Alguns
segundos depois, Pedro retornou com nosso refrigerante e eu me desculpei com
ele e ele sorriu para mim.
Começamos a comer nossa pizza, que por sinal, era a melhor coisa que eu
tinha experimentado em muito tempo. Ele comia que nem uma criança, se sujando
todo pelos cantos da boca de mostarda e ketchup. Eu preferia comer sem nada de
molhos, mas ele me convenceu a provar a mostarda caseira dali. Eu não sei se
ele era uma boa companhia para mim, ele conseguia me convencer a fazer coisas
que normalmente não faria se estivesse sozinho. Para o bem o para o mal, eu
gostava de tê-lo por perto.
- Eu
tenho uma pergunta pra você... – Ele disse.
- Pode perguntar
– respondi.
- Você
pode me dizer uma coisa que ninguém saiba?
- Uma
coisa que só eu saiba?
- Sim,
pode ser qualquer coisa.
Eu tinha
uma coisa pra falar que, ao meu ver, era um problema seríssimo e que com
certeza absoluta do mundo inteiro, noventa por cento das pessoas já passaram
por isso: a censura, não o ato hediondo da cultura do cancelamento, mas a
censura em si. Eu já fui censurado uma vez e a sensação foi horrível.
-
Aconteceu uma coisa um tempo atrás, não sei se você ficou sabendo... Como posso
dizer...? Digamos que eu não seja tão fã de K-Pop agora.
- Espera
aí... Eu ouvi bem? Não me diga que... – Ele quase engasgou.
- Não,
não... Não é isso! Eu nunca gostei desse tipo de música. Não vejo graça alguma
em tudo aquilo.
Ele pôs
a mão no peito.
- Então,
o que houve?
- Bem...
A algum tempo atrás, há uns dois anos, havia esse grupo em questão que
iria perder um de seus integrantes ou perdeu, não sei. Mas o fato é que os fãs
fizeram uma vaquinha on-line para pagar um tempo de anúncio naquele
famoso telão da Times Square, em Nova York. Olha só as ideias! Eu estava de boa
dando uma olhada no Instagram quando me deparo com essa notícia e eu paro,
penso um pouco na situação atual do planeta, que não era tão ruim quanto é
agora, mas nunca foi uma maravilha tentar sobreviver por aqui. Daí tenho a
brilhante ideia de fazer um comentário lá na publicação.
- Eu já
sei aonde isso vai dar.
- Pois
é... Eu acho que nunca chorei tanto. Nossa, como eu chorei... Acho que nunca
fui tão humilhado em toda minha vida - peguei meu celular, procurei minha
antiga foto de perfil. - Por causa dessa foto em que estou de camisa preta com
um pequeno arco-íris, eu fui chamado de... Bicha, hipócrita, bicha hipócrita,
idiota e também de bicha encubada. Sem falar nas outras coisas, menos
delicadas. Eu odeio esses adjetivos. Eu jamais os usei para machucar alguém e
pretendo nunca usá-los.
Ele
ficou calado enquanto olhava para a minha foto.
- Eu
sinto muito. Isso deve ter sido difícil pra você.
- Aquele
comentário fez com que eu saísse de todas as redes sociais. Eu não tenho mais
perfil no Instagram, página no Facebook, Twitter e Snapchat. Só continuo com
minha conta do Google, WhatsApp para me comunicar com minha família, o YouTube
e agora... O Tinder.
- Onde a
gente se conheceu – ele segurou a minha mão novamente. – Eu fico feliz que você
não tenha perdido a coragem para viver. Hoje em dia, a gente ver muito exemplos
de pessoas que não aguentam a pressão de certos tipos de comentários.
- Eu agradeço
a minha mãe e uns poucos amigos que não desistiram de mim, mas foi
difícil. Só eu sei o que eu passei.
Ele se
levantou da sua cadeira, deu meia volta na mesa e me abraçou.
- Eu
sinto muito que você tenha passado por isso. Eu sinto muito de verdade.
- Ok, ok.
Obrigado.
Ele
chamava a atenção de todos que estavam ali.
E eu não
estava com vergonha dessa vez.
- Eu
estou bem. De verdade.
Senti
seus braços afrouxarem um pouco ao redor do meu corpo e suas mãos indo
ligeiramente em direção ao meu rosto. De repente, ele me beijou.
Eu pude
ouvir o barulho de surpresa das pessoas ao nosso redor. Alguém disse: olha
lá, que fofos!. Mais ao longe reconheci a voz do Pedro gritando: uh-hu.
Quando ele se afastou, vi que ele estava quase chorando. Eu não aguentei e meus
olhos lagrimejaram também.
- Me
desculpe por isso – ele disse, voltando para seu lugar.
- Está
tudo bem.
- É que
eu já passei por algo parecido na minha família, então eu sei como dói ouvir
isso.
- Sim,
dói de verdade. E eu sinto muito por você também.
Seu
telefone que estava sobre a mesa, toca.
Ele o
desvirou e vimos um número que não estava gravado na sua agenda.
- Eu
preciso atender essa ligação, me desculpe.
- Sim,
sim. Eu te espero aqui.
Ele se
levantou novamente e o atendeu enquanto se dirigia para a saída.
- Sim...
Ele saiu
da lanchonete. Desceu alguns degraus e atravessou a rua.
Ainda
sentando na minha cadeira, finalmente eu pude sentir o peso dos olhares sobre
mim. Eles não estavam me criticando, nem nada do tipo, pelo menos foi o que
tentei pensar, mas com certeza falavam de mim. Eu me senti exposto. Diego me
deixou exposto.
Já ele,
do outro lado da rua, parecia ter urgência no modo como falava. O vi olhando
para mim com cara de irritado e quando percebeu, virou-se de costas
disfarçadamente. Logo depois, pôs a mão na cabeça, desligou o telefone e
arrumou o cabelo.
Alguns segundos
depois, lá vinha ele de novo como quem não quer nada. Se sentou em sua cadeira
e me encarou. Toda aquela magia tinha sumido como num verdadeiro passe de
mágica. Diego não estava mais com a mesma atmosfera de instantes atrás.
- Está
tudo bem?
- Humhum
– deixou o telefone descansar sobre a mesa e cruzou os braços.
Eu
larguei o pedaço de pizza que estava comendo e bebi do meu refrigerante que já
estava quase quente. Não era do meu feitio me meter em coisas alheias, mas ele
estava visivelmente abalado, então decidi insistir mais um pouco.
-
Aconteceu alguma coisa?
- Não
precisa se preocupar, está tudo bem. Eu... Estou indo pagar no lanche.
Ele se
levantou.
- Ei!
Espera um pouco. Eu...
- Não,
não. Não precisa se preocupar com dinheiro também. Pense nisso como uma
compensação.
Eu não
havia entendido. Compensação? Compensação pelo o quê?
Parei de
comer. Perdi a fome imediatamente.
Tudo que
pude fazer foi ficar sentado, sozinho, de novo, enquanto ele estava no caixa.
Eu já não me sentia tão especial naquela noite. Tudo estava muito turvo. Será
que ele não gostou de mim? Aquela história foi muito triste para um primeiro
encontro... Casual? Meus pensamentos estavam acabando comigo. Nem o percebi
parado na minha frente.
- Você
quer caminhar um pouco comigo? – Ele perguntou.
Tomei um
susto.
- Aonde
vamos?
- Pra PN?
- Pode
ser.
A PN
que ele falava era, na verdade, a Pista Nova, apelidada assim desde sua
inauguração, mas seu nome verdadeiro era Praça Paulo Holanda Paz. Eu confesso
que queria fazer a minha segunda pergunta do jogo, saber um pouco mais sobre
ele, mas o clima entre a gente havia mudado desde aquela bendita ligação. Algo
de muito sério havia acontecido e eu senti que ele precisava estar em outro lugar.
Saímos
de lá deixando uma pizza inacabada, metade de um refrigerante quente e pessoas
com olhares discretamente curiosos. A noite estava fria pela primeira vez em
muito tempo. Em Macaíba, a noite é como o dia e durante o dia, parece haver um
Sol para cada pessoa. Mas o clima estava agradável. Descemos a ladeira para
pegar a principal, passamos por um Ipê maravilhoso em frente a lanchonete
vizinha, na verdade, eram muitas lanchonetes em uma só rua. E quando pegamos a
principal, passamos por mais uma.
As ruas
estavam com metade da sua decoração natalina. O muro da frente da Prefeitura
parecia com aquelas casas dos filmes americanos, cheio de pisca-piscas e alguns
desenhos feitos de luzes de LED, assim como no alto dos postes. A PN
também só tinha metade da sua decoração, mas a icônica árvore de Natal em
formato de espanador já estava presente. Todo ano era a mesma coisa. E era a
uma coisa de dar desgosto, mesmo assim, na véspera do dia 25 de Dezembro, já
com a decoração por completo, as pessoas se aglomeravam na PN, movidas
não só pelo espírito natalino, mas também pela busca incessante por um local
adequadamente iluminado para tirar uma selfie. Esses últimos anos, por
exemplo, não têm sido os melhores, então uma boa lembrança sempre era bem-vinda
e isso não seria diferente nesse ano. Eu pensei nisso enquanto atravessávamos a
rua em silêncio.
Estava
um clima muito estranho, tendo em vista tudo o que já havia acontecido. Logo
mais, atravessamos a segunda rua e nesse momento seu telefone tocou novamente.
- Oi –
ele disse.
Diego
estava sério. Ele não olhava para mim.
Não
saber o motivo de toda aquela seriedade estava me matando lentamente. Eu queria
poder ter a coragem de abraçá-lo e dizer que iria ficar tudo bem. Dizer que ele podia
contar comigo. Como amigo. Como amante. Como ele quisesse.
Enquanto
ele ouvia em silêncio, a gente caminhava até a árvore central bem ao lado da
fonte. Elas também estavam decoradas; a fonte estava linda. Parei e fiquei
observando-a quase hipnotizado pelas cores. Atrás de mim, o ouvi dizer:
- Vocês
não me dão folga, não é? – Ele suspirou. – Tudo bem, três minutos.
De
repente senti sua mão em meu ombro e me virei.
- Me
desculpe por isso. Essa noite não está saindo com planejado. Nem por você, nem
por mim.
- Está
tudo bem – toquei em sua mão e nos encaramos.
- Parece
que não temos mais tempo, então... Acho que vou pular para a minha pergunta de
número cinco – ele se aproximou de mim e nossas mãos que se tocavam, se
entrelaçaram e repousaram junto de nossos corpos.
- Tudo
bem – meu coração estava acelerado de novo.
Eu podia
sentir o seu perfume doce e também o seu hálito quente no meu pescoço.
- Você
quer me beijar? – Disse ele ao meu ouvido.
- Sim e
você? – Eu respondi.
- Isso é
contra as regras. Você não pode me perguntar isso.
Passei
meu braço em volta de sua cintura.
- Tudo
bem... – Falei em seu ouvido também. – Você me beijaria... Se eu pedisse?
O ouvi
rindo antes de responder.
- Com
certeza.
-
Então... Por favor... Me beija.
- Com
todo prazer.
Sua
outra mão percorreu meu pescoço até chegar a minha nuca. Diego me puxou para
perto de si e nossas lábios se encontraram de novo. Não ligamos para as pessoas
que passavam, nem as que já estavam ali. Éramos nós contra o mundo, finalmente.
Ele era ⁴tudo o que eu poderia sonhar pra mim e pela primeira vez na minha vida
eu estava com alguém que tinha o poder de me fazer esquecer de todos os
problemas. Ele era como o tão sonhado graal. E eu estava tão feliz
quanto um hobbit que havia achado um anel tão precioso.
Nos
beijamos pela última vez e depois encostamos nossas testas. Uma luz nos
iluminou e então a moto buzinou em nossa direção.
- Então é
isso – ele disse.
- Você é
um egoísta. Um lindo egoísta.
- Por que
você diz isso?
- Você
traçou nossos planos, mas no final fez o que quis.
- Isso
não foi intencional, eu juro.
- Está
tudo bem.
- Eu
queria ter mais tempo com você.
- E
porque você não fica?
A moto
se aproximou da gente e o motorista buzinou novamente.
-
Infelizmente, eu não posso ficar. Eu tenho... Um destino que não posso fugir.
Diego me
beijou novamente e me abraçou.
- Eu não
me importo com isso.
- Você
não vai querer participar da minha vida...
Ele se
afastou e me olhou nos olhos.
- Por
mais que eu quisesse que isso acontecesse, eu não sou tão egoísta que chegue a
esse ponto.
Eu não
queria deixá-lo. Queria abraçá-lo mais e mais. Ainda faltava muita coisa
naquela noite. Quando pedalaríamos juntos de mãos dadas? E as loucuras que
faríamos juntos? Quando poderíamos ter a chance de corrermos juntos na chuva
enquanto nossos cabelos são bagunçados pelo vento? Eu não queria deixá-lo. Queria
roubar um banco com ele, se essa era a vida que ele levava em segredo.
- Eu
posso tomar minhas decisões. Eu sei me cuidar.
- Não
sabe, não, Nathan. E antes que você tente me convencer do contrário... – Mais
um abraço. – Por favor, eu não conseguiria proteger você.
Ele me
largou e andou em direção à moto. O piloto lhe entregou uma mochila preta e ele
a pôs nas costas. Eu estava certo. Diego não me olhou mais. Subiu na moto e
partiram deixando meu coração com um forte aperto. Foi breve, mas foi tudo pra
mim. Ele com certeza era a pessoa certa, era só ele me dar uma chance. O que
quer que fosse que ele fizesse, eu faria com ele. Mas como sempre, eu não
tentei o suficiente. Eu queria fazer parte da vida dele, mas não tentei o
suficiente. Tenho certeza de que ele também sentiu a nossa conexão. Poderíamos ser muito mais do que imaginamos,
mas ele não quis. No fim, ele acabou sendo um egoísta de verdade.
Aquela
noite deveria ter sido maravilhosa. A primeira noite de nossas vidas juntos.
Uma noite pra viver tudo e não ligar se depois esfriaríamos o nosso
relacionamento. Eu queria ter ficado louco junto dele. Subir num prédio e selar
um pacto de vida com ele. Eu comecei a noite acanhado, sem jeito, envergonhado,
mas ele me fez mudar de perspectiva. Ele era a própria perspectiva que eu
estive buscando esse tempo todo. Mas, contrariando as minhas vontades e
desejos, a verdade é que aquela primeira noite acabou se tornando a última.
Em casa,
ainda sentindo o seu perfume doce impregnado em minhas roupas, tentei entender
o porque dele ter ido embora daquele jeito. E deitado no tapete do meu quarto, ouvindo
algumas músicas tristes do Jão que pus numa playlist no YouTube,
listei as perguntas que fiz e formulei as outras quatro. “Qual a coisa mais
louca que você já ouviu?”, “Você já sofreu preconceito da sua própria
família?” – nunca saberei; queria abraçá-lo de novo, mas essa seria a minha
segunda pergunta de verdade. Depois eu partiria para algo que só importava para
ele: “o que você quer ser quando crescer?” – aquela maldita pergunta que
nos fazem quando somos apenas crianças ingênuas e ignorantes em relação ao
mundo e a sociedade. “Qual o lugar que você gostaria de visitar nesse vasto
e belo mundo?” – só assim, eu o conheceria de verdade. A pergunta sobre o
beijo foi algo espontâneo, algo que realmente valeu a pena de ser perguntado.
Mas eu queria poder vê-lo de novo e em casa, essa última pergunta foi
reformulada, refeita e mudada de contexto nos dias que se seguiram. Eu só
queria saber aonde ele estava.
Dois
dias depois, por volta das seis e cinquenta da noite, enquanto mandava uma
mensagem para ele... Vi seu rosto no noticiário local. Minha visão escureceu
enquanto ouvi o barulho do meu celular sendo estilhaçado ao se chocar contra o
chão.
CAL - Comissão de Autores Literários
Produção
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
REALIZAÇÃO
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