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Antologia Nosso Amor: 2x04 - Amor e Preconceito

Conto de Homem do Século XXI
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Sinopse: Roberto, se sentiu profundamente ofendido pelo fato de uma garota ter dito que achava preconceituoso o tema de um concurso literário ser voltado ao público LGBTQIA+. Um grupo que foi excluído por séculos por ser considerado inferior, exemplo de má conduta, desprezado, enxovalhado, cuspido, ofendido, execrado, porque consideravam que o que faziam era pecado, era errado, era criminoso. Agora, não poder fazer um concurso literário só para si, não é preconceito?


2x04 - Amor e Preconceito
de Homem do Século XXI
  
 

Amor é respeito, é diversidade… Quando nos incomodamos com o cuidado e importância que oferecem à dor do outro, é por que não estamos sabendo amar. 

 

            Naquela manhã, Roberto acordou de ressaca. Havia bebido muito na noite anterior e mal se lembrava do que tinha sucedido. Sua cabeça rodava e sentia um enjoo enorme. Ainda se sentia triste, só que agora, triste e com ressaca. Beber não o ajudou a esquecer as dores do mundo, muito menos a dor que sentia em seu peito. Tinha brigado. 

Brigado com uma pessoa que nem sequer conhecia pela internet. Por que será que nos afetamos tanto com a opinião de quem nem conhecemos? - Pensou.  Deve ser porque sabemos que deve haver milhares de pessoas iguais à ela e com o pensamento muito contrário ao nosso. Mas não só isso, afinal de contas, as pessoas têm o direito de ter opiniões diferentes. O problema é quando essas opiniões ferem e machucam. Foi o caso de Roberto. Se sentiu profundamente ofendido pelo fato de uma garota ter dito que achava preconceituoso o tema de um concurso literário ser voltado ao público LGBTQIA+.

            Poxa, os valores estão invertidos mesmo, não? - Refletiu. Pois o preconceito é justamente o contrário. Um grupo que foi excluído por séculos por ser considerado inferior, exemplo de má conduta, desprezado, enxovalhado, cuspido, ofendido, execrado, porque consideravam que o que faziam era pecado, era errado, era criminoso. Agora, não poder fazer um concurso literário  só para si, não é preconceito?

            Não se pode retirar o direito deste grupo agora, de fazer um concurso literário só para si. Aliás, não só para si. O concurso era aberto a todos, mas a bonita não queria, obviamente, participar. Se sentiu excluída. Mas por que se sentiu excluída? Geralmente os escritores são pessoas intelectuais, conhecidos por serem de vanguarda, abordando temas que envolvem o progresso social, como faziam os abolicionistas de outrora.

            O bom escritor é aquele que consegue escrever sobre todo tipo de tema, e não ficar limitado somente ao tema que lhe agrada. Deve ser versátil.      

Eu não ia participar do concurso, mas após essas manifestações homofóbicas e racistas de outros autores dentro do grupo de Whatsapp dos escritores, vou escrever um conto para combater esse tipo de preconceito. - Disse a si mesmo.

Mas não conseguia de jeito nenhum tirar aquela dor de seu peito. Então decidiu sair para aliviar a tensão. Dar uma volta. Foi pra Vieira. Uma rua que tinha perto de sua casa, no centro de São Paulo, e que era conhecida por ter bares gays. Chegou, mas o movimento estava fraco ainda. Pediu uma cerveja ao garçom, que a trouxe estupidamente gelada. Começou a tomar e a se refrescar com aquele sabor gasoso e espumante. Olhava os boys à sua volta, em flerte, já que estava sozinho. E de repente reparou em um que achou ser o mais bonito. Ficou fitando o rapaz como sempre fazia, e como o mesmo estava retribuindo o olhar, o cumprimentou e o convidou para se sentar na sua mesa. Era Rafael.

Rafael já era meio calvo, mas ainda cultivava madeixas. Um pouco gordinho e bastante peludo e barbudo, era um ursinho notável em meio à meia dúzia de gatos pingados que havia no ‘’rolê’’. Senior ux designer numa empresa de consultoria de pagamentos para o setor agrário, nada entendia de literatura, mas inteligente, soube comentar sobre o assunto assim que este foi introduzido, o que não demorou mais que meia hora.

A princípio, Roberto perguntou se estava tudo bem, perguntou se o rapaz morava ali perto, se já havia trabalhado naquele dia (era uma terça-feira), o que fazia, e logo começou a falar sobre si. Disse que era escritor e em seguida já narrou o episódio fatídico. Disse que saíra para aliviar a cabeça, uma vez que se ficasse em casa, não conseguiria relaxar. Precisava beber um pouco, pois senão, não conseguiria ter paz.

Claro que elogiou a beleza do rapaz, que também fez o mesmo, e logo, se beijaram. De todo modo, Roberto não queria ficar de melosidades, queria beber. Ao passo que Rafael queria apenas dar uma espairecida pós expediente e não exagerar, pois trabalharia cedo no dia seguinte. Mas a conversa não faltou. Ficaram no mínimo uma hora só falando sobre homofobia. E claro, Rafael também tinha uma história pra contar. 

-       Acho que todos os gays, lésbicas, bissexuais, etc já sofreram algum tipo de preconceito. Acredito ser impossível que alguém como nós nunca tenha passado por isso. 

-       Infelizmente. - Disse Roberto. 

-       Desde criança passamos por isso, mas a história mais ‘’cabeluda’’ por que passei foi aos doze anos. Meus pais me tiveram muito jovens, ambos com 18 anos, então quando eu tinha doze, eles tinham trinta. Sempre foram muito joviais, ao passo que eu, com doze anos, aparentava muito mais idade porque sempre fui muito alto. Uma vez fui a um jogo de futebol no estádio com meu pai e andávamos de mãos dadas. O pessoal da torcida achou que éramos gays, namorados, sei lá, e fomos agredidos. Tivemos que sair do jogo sem nem ter começado. Eu chorei muito, enquanto meu pai tentava me acalmar, estarrecido - contou Rafael. 

-       Puxa! - Lamentou Roberto. Quando é que as pessoas vão entender que ser homossexual não afeta em nada o caráter de uma pessoa, que é uma forma de amor e não o contrário? É realmente muito triste tudo isso! 

            Bem… Roberto deixou de lado a tristeza, pois a bebida já havia ‘’subido’’, e Rafael o enlaçou em uma abraço de urso e puseram-se a beijar. Roberto começou a falar sobre a política atual, que para ele, era o que estava moldando a cabeça da população para pior. 

-       A vacina do Corona dá AIDS! - Gargalhava Roberto. 

E Rafael argumentou que o povo no Brasil sempre foi assim, por ser ignorante. A ascensão de um político por suas falas racistas e homofóbicas só deu voz a essa parcela da população. 

-       A única forma de sairmos desse ‘’feitiço’’ é da mesma forma que entramos. Somente pelo voto é que conseguiremos escolher bons políticos que darão bons rumos ao país. Estamos no século XXI. Achamos que teríamos carros voadores e o que vemos é o povo dizendo que a Terra é plana, que a vacina faz mal e que o que importa é apenas a sua família (que é tradicional, correta e temente a Deus), mas os maridos traem suas esposas, as esposas se casam por dinheiro e os filhos são mimados e desobedientes. Esse povo só pensa em dinheiro, em explorar as pessoas e a natureza e estão pouco se lixando com os impactos ambientais e sociais disso tudo. 

-       Cara! Para, que eu vou me apaixonar por você - disse Roberto rindo. Você pensa exatamente como eu! É somente com o voto que poderemos escolher os políticos que são melhores. E sem essa de dizer que nenhum presta ou se isentar da política dizendo que não acredita em mais nada e que são todos corruptos. Isso é ‘’papo de ignorante’’. Estamos nestes tempos sombrios justamente por causa dessas pessoas que não foram votar. São mais culpadas do que quem votou no ‘’lado negro da força’’. Pois quem estudou ou tem um mínimo de inteligência, sabe que a maior arma que temos contra esse sistema capitalista genocida, que só pensa em lucro e exploração, é a intervenção estatal, e o voto é a maior arma que temos contra tudo isso. 

-       Pode se apaixonar então - disse Rafael, beijando novamente Roberto em um abraço de urso.        

-       Sim. Ainda existem políticos honestos e que têm bons projetos sociais, voltados para o povo mais pobre. Se não começarmos por erradicar a pobreza e a fome, vamos começar pelo quê? - Questionou Roberto.           

            E Ainda continuou: 

-       E os ricos pensam que essa ajuda para os pobres é ajudar vagabundos. 

-       Sim. E, infelizmente, a ignorância faz com que não só os ricos pensem assim. A ignorância traz também à classe média a ausência de consciência de classe, e classifica os pobres também como vagabundos, sem saber que estes não tiveram as mesmas oportunidades que eles. Essa população, que os ricos chamam de vagabundos, nunca tiveram nenhuma oportunidade na vida, sempre foram explorados por quem está mais acima na pirâmide social, e com toda essa exploração, nunca terão condições psicológicas para maiores esforços para trabalhar em meio a tantas pressões e agressões. É realmente muito difícil. - Argumentou Rafael. 

-       Pois é. Acho que somos do mesmo partido. - Disse Roberto rindo. E estou de coração partido! 

Rafael novamente beijou Roberto, mas precisava ir embora, pois trabalharia cedo no dia seguinte. 

Naquela manhã de quarta-feira, a única salvação era tomar um copo d’água bem gelado, comer uma fatia de melancia que estava já cortada na geladeira, tomar uma Aspirina e um café bem forte. Após fazer tudo isso, Roberto se recordou de tudo. Uma súbita e violenta alegria invadiu seu coração, e nem sequer lembrou mais das dores do mundo. Só lembrava dos beijos e do abraço de urso de Rafael. Ficou imaginando como era feliz por ser gay e poder ter um relacionamento igualitário com alguém que tem a mesma ideologia, e o quanto deve ser difícil a vida para a moça com quem brigou na internet no dia anterior, pois geralmente quem tem esse tipo de preconceito, tem também o machismo incutido em suas veias. E o relacionamento de uma mulher com um homem desse tipo, normal e tradicional, deve ser realmente penoso, desproporcional e doloroso. O quanto essa mulher teria que se esforçar a mais que seu marido pela ‘’família tradicional’’.

            Foi ao pensar no prazer de um relacionamento sem machismo, não abusivo e igualitário, que Roberto mandou uma mensagem para Rafael, dizendo que adorou o ter conhecido e que queria encontrá-lo outra vez. E do preconceito nasceu o amor.

 

Conto escrito por
Homem do Século XXI

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima
André Garcia
Eliane Rodrigues
Francisco Caetano
Gisela Peçanha
Lígia Diniz Donega
Paulo Luís Ferreira
Pedro Panhoca da Silva
Rossidê Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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