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Funerária Dois Irmãos: Capítulo 37

Novela de Marcelo Caronesi
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FUNERÁRIA DOIS IRMÃOS - CAPÍTULO 37




 

            Mesmo já estando no verão, uma frente fria chegou a região sudeste do país, derrubando a temperatura na região serrana. Não dá nem pra imaginar que há dois dias, Odilon e Tereza estiveram tomando banho na cachoeira. Mesmo com sol, a temperatura durante o dia não passou dos 22º Celsius. Logo que anoiteceu, ela despencou. No momento em que Odilon saiu de casa para se encontrar com Alfredinho já fazia 8º. As ruas da cidade, por onde Odilon caminhou estavam praticamente desertas.

         Quando Odilon chega ao local marcado, por volta das 8 da noite, Alfredinho já estava lá esperando por ele. Ambos vestem roupas pesadas de frio. Eles se encontram no final da rua em que a cidade praticamente acaba e se inicia a estrada rumo a Minas Gerais.

         – Alfredinho, meu amigo, descurpa o atraso.

         – Tem pobrema não, Odilon. Eu acabei de chegar.

          – Vamo indo? – diz Odilon.

         Alfredinho, um jovem loiro de cabelos encaracolados, com feições recém saídas da adolescência acompanha Odilon. Ambos carregam varas de pesca. Alfredinho traz consigo um samburá de arame. O andar rápido deles não é por pressa, mas para manter o corpo aquecido.

         Alguns metros adiante e o calçamento da rua dá lugar à terra da estrada.

         – Puxa vida. Tanto tempo  morando aqui em São Pedro e a gente nunca teve a oportunidade de conversar. Conversamo e praticamente já parecia que  era amigo de muito tempo – diz Alfredinho, sorrindo.

         – Pois é, né, rapaz – diz Odilon, demonstrando um certo nervosismo, que Alfredinho não chegou a perceber.

         Paralela à estrada há uma rua, onde o único prédio é o boteco do Samir, isolado no meio de um matagal. A distância entre a estrada de terra e o boteco é de cerca de 300 metros, separada por uma região descampada. Odilon olha para o boteco; uma pessoa que está na porta entra rapidamente, como se tivesse se escondido. Odilon para, tentando focalizar dentro do boteco.

         Ferreira se esconde atrás da parede do boteco, ao lado de Odílio.

         – Droga. Acho que ele me viu.

         Um dos policiais olha pela fresta da porta.

         – O que eles tão fazendo? – pergunta o delegado.

         – Um  parado e o outro  andando. Acho que é o Odilon que  olhando pra cá.  escuro, não dá pra saber direito – responde o policial.

         Odílio está nervoso. Ferreira acabou de colocar seu plano em risco. Ferreira se vira para Odílio, colocando a mão em seu ombro.

         – Fica tranquilo, meu amigo. Nós vamo agir antes que o Odilon faça qualquer bobagem.

         Alfredinho anda mais alguns passos antes de perceber que Odilon havia parado. Ele para e se vira. Começa a rir.

         – Que foi?  com medo de entrar na mata?

         – Rapaz, acho que talvez não seja uma boa ideia pescar hoje.  cismado do tempo mudar – explica Odilon.

         – Eu acho que   com medo é da onça do seu Irineu. Ele tava dizendo por aí que ela tava aparecendo de novo – ri Alfredinho.

         Odilon começa a rir, procurando disfarçar. Logo que ele começa a andar, Alfredinho acompanha. Odilon caminha, mas mantendo a atenção no boteco. Ele olha atentamente, para ter certeza se alguém os observa.

         Enfim, chegam até a entrada da trilha. Andando à frente, Odilon parece notar que uma pessoa, lá adiante, sai da trilha, se escondendo na mata, logo que eles saem da estrada. Ele para novamente.

         – Óia, Alfredinho. Eu  achando que vai chover. Eu tava com vontade de pescar, mas só de pensar em vortá na chuva, nesse frio disgramado, a vontade passou. Cê me descurpe. Se ocê quiser, a gente vorta pra cidade e vamo tomar uma pinga ou uma cerveja lá no Pereira e nóis vem pescar outro dia.  num acha melhor?

         – Taí uma boa ideia. Vamo esquentar o corpo com uma branquinha. Melhor do que tomar chuva – diz Alfredinho, rindo.

         Ambos dão meia-volta e rapidamente já estão na estrada. Na mata, um dos policiais se vira para outro e diz:

         – É. Acho que o doido me viu. Acho que é melhor a gente deixar eles andarem um pouco e ir lá pro boteco do seu Samir.

         Dentro do boteco, o policial que observa pela fresta da porta comunica Ferreira:

         – Os dois tão voltando pra cidade.

         O desânimo de Odílio é evidente.

         – Será que ele vai tentar outra coisa? – questiona Ferreira.

         – Sei lá. Quem ficou lá na mata? – diz Odílio.

         – O Cabo Cerqueira e o Damião – responde Ferreira.

         – Ele deve ter visto ou o Damião ou o Cerqueira – diz o policial.

         O delegado Ferreira se enraivece.

         – Eu disse praqueles dois filhos da puta ficarem escondidos na mata, caralho. Vai lá chamar eles, que eu e o Odílio vamos seguir o Odilon e o Alfredinho – ordena o delegado Ferreira.

         O policial sai do boteco em direção à mata, enquanto Ferreira e Odílio começam a seguir Odilon e Alfredinho numa distância segura. Andam alguns quarteirões na cola dos dois, até chegarem na praça. Odilon e Alfredinho entram no bar do Pereira, que está vazio. Eles são recepcionados por Pereira.

         – Boa noite aos amigo. Eu já tava pra fechar o bar, mas como ocêis chegaram vou deixar aberto mais um tempinho. Quem sabe chega mais arguém fugindo do frio, né mesmo?     

         – Nóis tava indo pescar, mas mudamo de ideia. Achamo melhor vim pra cá, esquentar o corpo com uma pinguinha e encher a barriga – diz Odilon.

         – Já que cês iam pescar é porque tavam querendo comer peixe. Eu peço pro Alencar preparar uma tilápia com salada de alface, tomate e cebola procêis?

         – Pra mim tá bão – diz Alfredinho.

         – Pra mim  ótimo – concorda Odilon.

         – Guenta as ponta aí, que é rapidinho – diz Pereira, se dirigindo para o interior da cozinha.

         Da praça, sentados num banco de granito, Odílio e Ferreira observam os dois iniciando a garrafa de cachaça oferecida por Pereira.

         – Será que ele  planejando outra coisa, Odílio?

         – Eu acho que não. O Pereira já viu eles juntos. Se acontecer alguma coisa, já tem uma testemunha. O Odilon é esperto; não ia fazer alguma coisa depois de vir pro bar.

         – E então? O que a gente faz agora? – pergunta Ferreira.

         – Amigo Ferreira, eu acho melhor eu ir lá sozinho. Eu não sei se o Odilon viu você na porta do boteco do Samir ou um dos policiais na mata. Se você chegar lá junto comigo, ele pode desconfiar de algo.

         – Então, eu acho que vou pra casa. Qualquer coisa, pode bater lá na porta na hora que precisar.

         Os dois apertam as mãos. Ferreira sai pelo meio da praça e Odílio caminha em direção ao bar. Odílio entra no momento em que a travessa com a tilápia é servida.

         – Ora, se a noite não tá começando a ficar movimentada – diz Pereira, rindo. Acho que o pessoar tá sentindo frio e tão decidindo se esquentar com uma pinga da boa.

         – Boa noite, Pereira – cumprimenta Odílio, que caminha direto para a mesa onde estão Odilon e Alfredinho.

         Ele puxa uma cadeira e a coloca junto de Odilon. Ao se sentar, o abraça.

         – Onde  se meteu, rapaz. Tava um tempão te procurando. Tudo em ordem, Alfredinho? – diz Odílio.

         Odílio e Alfredinho apertam as mãos.

         – A gente tava indo pescar, mas achamo que vai chover. Aí pra vortá do rio ia ser complicado – justifica Odilon.

         – Que chover o que, rapaz! Tá um frio danado, mas a noite tá limpa – diz Odílio.

         – Mas a pescaria ficou pra outro dia, né Alfredinho?

         – Claro, Odilon. Oportunidade não vai faltar.

         Odílio grita para Pereira, que está na porta da cozinha, conversando com Alencar:

         – Ô, Pereira, traz mais uma garrafa de cachaça pra gente, por favor, que essa não vai dar nem pro começo.

         Pereira pega uma das garrafas da prateleira. Ao sair de dentro do balcão, para na porta do bar e olha para o céu. Depois se vira para a mesa ocupada pelos três.

         – Óia essa ventania. Acho que vai vim chuva pesada por aí; e não vai demorar.

         Ele se dirige até a mesa.

         – E então, Odílio, como  a tilápia?

         – Vai ser difícil um dia encontrar uma tilápia tão boa quanto a daqui, Pereira. E o torresmo também. Nem no Vale a gente encontra um igual.

         De repente, uma chuva muito forte se inicia. As árvores da praça e os fios dos postes balançam de um lado para o outro. Pereira corre para fechar as portas, já que as gotas estão atingindo dentro do bar.        

         – Ó aí. Num disse que vinha chuva pesada.

         Alfredinho ri e bate no braço de Odilon.

         – Ó aí! Cê sarvô a gente de tomar um banho gelado.

         Odilon, Pereira e Alfredinho dão gargalhadas, enquanto Odílio está visivelmente frustrado.

escrita por
Marcelo Caronesi

elenco
Odilon
Odílio
Tereza
delegado Ferreira
Onça-parda

tema
Canções de Assassinato 

intérprete
Confraria da Costa

direção
Carlos Mota

produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela

Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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