Odilon e Odílio estão andando pela rua onde moram. Odílio, bastante irritado, reclama com Odilon, que alerta:
– Fala baixo, Odílio. Arguém pode ouvir.
Odílio se cala, mas mantém a cara feia. Param na frente de casa; Odílio abre a fechadura e empurra a porta com toda força, que bate na parede, fazendo um barulho bem alto. Odilon encosta a porta, se certificando que não fora danificada.
– Precisa bater a porta assim, rapaz? – reclama Odilon.
– Olha aqui, seu filho da puta. Você não foi porque não quis.
– Odílio, você viu o tanto que choveu. Podia ter até dado uma cabeça d’água e tarvez até eu tivesse batido as botas, com a água arrastando a gente – justifica Odilon.
– Merda! Você atrapalha tudo.
– Odílio, eu já te disse também que tinha arguém na entrada da mata. Iam descobrir a gente.
– Você tá enxergando demais. Não tinha ninguém lá. Eu passei por lá, rapaz. Deixa de ser mentiroso – reclama Odílio, furioso.
– Tá! Tá! Vai tomar um banho que ocê tá bêbado.
Enquanto Odílio segue para seu quarto, destrancando o cadeado do ferrolho, Odilon vai até a cozinha e liga uma boca do fogão. Ele pega uma chaleira e coloca um pouco d’água. Odílio passa pela cozinha, vestindo apenas uma cueca samba-canção e com uma toalha sobre seu ombro. Ele encara Odilon durante sua passagem pela cozinha.
O banho de Odílio demora uns 15 minutos. Odílio senta-se na mesa e enche uma caneca; ele veste apenas uma outra cueca samba-canção.
– Veste uma roupa, Odílio. Cê vai ficar doente.
– Que se dane! – responde Odílio, com grosseria.
Odilon passa um pouco da manteiga num pedaço de pão e dá um pequeno gole na sua caneca de café, que expele vapor.
– E você fica aí, todo tranquilo, né? – provoca, Odílio.
– O que que ocê quer que eu faça?
– Você devia ter feito o combinado, porra! Era levar o filho da puta do Alfredinho até o rio, pra eu afogar ele lá! – diz Odílio, com a voz alterada.
– Quer saber? Eu num vô fazer mais nada. Pra mim chega!
– Então você vai embora daqui de São Pedro. Se você não for, eu mato você e a sua namorada – ameaça, Odílio.
– Ocê é um desgraçado!
– Eu não vou mais ficar sustentando você. Você quis vim pra cá por causa dela e quase levou a gente à falência. Se não fosse eu fazer os negócios a gente nunca tinha ganhado tanto dinheiro. Você vai sumir daqui e nunca mais vai botar os pés aqui de novo – diz Odílio.
– E se eu não for?
– Eu já disse: mato você e mato ela também. Pra quem já matou tanta gente, matar vocês dois não vai ser problema nenhum – ameaça, novamente, Odílio.
Um barulho vem da sala. Tereza, que entrara pela porta da sala, esbarrou na mesa de centro, derrubando um copo que se quebrou no chão. Odilon e Odílio olham para a sala ao mesmo tempo; Tereza está bastante assustada. Ela corre para fora da casa. Odílio pula da sua cadeira, mas é contido por Odilon que salta por cima da mesa e o derruba, segurando-o pelas pernas. Eles entram em luta corporal. Odílio consegue se desvencilhar de Odilon; ele se levanta e corre até a sala. É alcançado por Odilon, que o segura novamente. Odílio lhe empurra contra a parede, e ele cai desacordado.
Odílio sai da casa vestindo apenas cueca. Ele olha para todos os lados; não há ninguém na rua. Ele percebe Tereza correndo na estrada e se embrenhando na trilha. Odílio corre muito rápido tentando alcançá-la.
Tereza corre com os braços à frente do rosto, se protegendo de galhos e folhas da mata. Com pouco tempo, Odílio também já está deixando a estrada e adentrando na trilha. Tereza se abaixa para não bater com a cabeça num tronco de uma árvore. Poucos segundos depois, Odílio passa pela mesma árvore. Tereza corre pela estreita trilha, rente ao precipício da Ribanceira da Cruz. Odílio já está bem próximo de Tereza, mas um de seus pés escorrega na trilha. Ele consegue se agarrar a algumas pedras fincadas no chão e não desaba no precipício.
Com muito esforço, Odílio consegue voltar para a segurança da trilha. Ele segue o caminho, tentando alcançar novamente Tereza, mas respira com dificuldade; escalar o precipício exigiu muita energia. Neste momento, Tereza já está na parte onde a mata é mais fechada. Ela passa pelo tronco tombado e ao avistar o grande arbusto de samambaia, se joga para dentro dele. Escondida nas folhagens, tenta não fazer nenhum barulho. Ela vê quando Odílio passa correndo pela trilha; coloca a mão sobre a boca e seus olhos estão cheios d’água e arregalados. Odílio percorre mais um trecho; ele para e olha para todos os lados. À sua direita o terreno é de descida; já à sua esquerda, o terreno é de subida, mas um pouco mais íngreme. Ele recomeça a corrida e para novamente.
Odílio não tem ideia por onde Tereza possa ter fugido. Ele volta; anda uns 20 passos. A escuridão não lhe dá nenhuma perspectiva de encontrar aquela que poderá ser sua nova vítima. Uma voz grita, cortando o silêncio noturno:
– Óia a onça!
Um tiro atinge Odílio na altura do ombro. Rapidamente, outro lhe atinge a barriga. Odílio cai e tenta rastejar pela trilha, na esperança de voltar para a estrada. Com sangue na boca, sua respiração fica ofegante. Ele tenta gritar por ajuda, mas a voz sai muito rouca, se engasgando com sangue.
Pedro que dorme na rede com o cantil sobre o peito acorda assustado. Odílio ouve passos vindos descendo pela mata em direção à trilha. Quando ele pensa em erguer o braço para pedir socorro, outro tiro lhe atinge abaixo da axila direita; e mais outro lhe atinge a cabeça. Odílio cai; o tiro em sua cabeça foi fatal. Quando Pedro chega até a trilha, ele põe as mãos na cabeça e começa a chorar. Cerca de 10 minutos depois, outros dois vigilantes da fazenda de Irineu chegam ao local. Um mais jovem, com idade próxima a de Pedro, e outro mais velho, já um pouco grisalho. Pedro está sentado ao lado do corpo de Odílio; o sangue de Odílio corre como um riacho pela grama da trilha.
– Caralho, Pedro! – diz o homem grisalho.
– Como ocê confundiu o seu Odílio com a suçuarana? – diz o outro.
Pedro chora; sua voz sai com dificuldade.
– Eu não sei. Tava escuro. E eu vi ele andando de quatro, e eu ouvi um tipo de rugido; pensei que fosse a onça.
– Porra, quantas vezes eu disse procê num trazer essa merda dessa rede e num beber, Pedro? – repreende o vigilante mais jovem, de apelido, Maneco.
– Meu Deus! E agora? O que a gente faz? – diz o colega mais velho. Faz o seguinte: cêis dois ficam aqui, que eu vou chamar o delegado Ferreira. Não saiam daqui.
O vigilante grisalho sai correndo pela trilha, enquanto Pedro permanece sentado, chorando e inconformado com o que acabara de fazer. Ele, fora de si, fala sozinho.
– Mas arguém gritô que era a onça. Meu Deus! Meu Deus! Como que eu vô oiá pra cara do Odilon, Maneco?
Tereza
direção
Carlos Mota
Cristina Ravela
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