FLOR-DE-CERA - CAPÍTULO 15
– Meu Jisus, o qui devu fazê? Ai, i si ela morri aqui, ieu vô pra cadea iguar ao probi du Joaquim... Vô ligá pra Ernestina – pega o telefone, quando se atenta para o fato de que não possui o número do celular dela. – Achu qui vô inté o hospitar, arguém há di mi ajudá!
Pega a chave da limusine, abre a porta e dá de cara com o vereador, que o investiga:
– O que quer? Por que derruba esses olhos atordoados sobre mim? Aconteceu alguma coisa?
– A...a...a...a...do-do-dona Ca-Ca-Catharini...
Impaciente, empurra-o para o lado e entra na casa; ao avistar a esposa que agora vomitava sangue sobre o sofá, não contém o espanto:
– CATHARINE??? MAS...MAS...O QUE ESTÁ ACONTECENDO???
Sem rumo, o sangue corre o chão, causando, enfim, algum sentimento àquele coração petrificado.
Ninguém sabe o que é sofrer de verdade; pode-se imaginar, mas conhecer a dor em sua mais íntima nudez é para poucos. E essa dor, infelizmente, George conhecera desde a infância. Nasceu pobre em um casebre de Vila Bonita, sob os cuidados de uma parteira. Não tinha roupas para vestir nem onde dormir, coube a uma vizinha doar alguns panos de chita para enrolá-lo, enquanto a comunidade, mobilizada, procurava a ajuda do poder público.
A mãe, uma empregada doméstica, engravidara de um ex-patrão, um homem vil, capaz de qualquer coisa para saciar sua libido. Quando soube da gravidez, ele ofereceu uma fortuna para que ela o abortasse, mas o sentimento de mãe falou mais alto, preferindo o amor do filho que vinha ao mundo ao poder do dinheiro. Abdicava-se, assim, de uma vida regada à luxúria em nome de um pequeno, cuja vozinha estridente, inigualável, lhe acalentaria a vida toda.
Jorge da Silva – seu nome de batismo – veio ao mundo em um dia de pouco sol, de um silêncio mordaz, quase horripilante, afinal, o dia era o dos mortos. Que ironia do destino! Deitada num colchonete todo rasgado, em cima do chão de terra batido, ela esticava as pernas, segurada por duas mulheres, enquanto a parteira a pressionava o ventre com força, muita força, para que o bebê pudesse surgir. As contrações eram vigorosas, assim como o sangramento também, mas a dilatação restrita causava aflição, porque se não houvesse o espaço necessário, como o bebê chegaria ao mundo? Morreria dentro da mãe, pensavam alguns!
O sangramento aumentava à medida que a bolsa era pressionada, mas a dilatação permanecia ínfima, e, o pequenino, para o medo de todos, corria o risco de não sentir a aura divina da vida. A mãe de George gritava, gritava, implorando misericórdia a Deus e a todos os santos; até as almas mais inquietantes eram invocadas àquele momento de dor profunda. Percebendo a gravidade, algumas senhoras convocaram o padre da paróquia mais próxima; na pior das hipóteses, ele faria a extrema-unção dela e abençoaria o “anjinho” então morto.
Com as mãos dadas, as beatas, agora convocadas pelo reverendo, clamavam à Virgem, pois mãe como era, compreendia todo o sofrimento da mulher naquele momento. Quanto mais alta a oração, mais o sangue corria pelo chão, misturava-se à terra, virando barro, um barro diferente, pisado, sem cheiro.
Jorge estava a caminho, o coitadinho não resistiria – diziam, por isso, os homens da rua, com madeiras de uma árvore apodrecida, construíam o que seria a sua urna funerária. Não suportando mais, a mulher fecha os olhos, quando a imagem de Nossa Senhora lhe vem à mente, contornada por uma luzerna milhares de vezes mais irradiante que o sol.
– Leve-me em seu lugar, minha santinha! Não o deixe sofrer por causa de meus pecados! Eu lhe imploro! – suplica, em pranto.
Uma ventania estremece o lugar, adentra o barraco, arrebenta dois copos que estavam na pia e, achegando-se à mulher, acaricia-lhe a face... A sensação é a de um beijo! Então, possuída por aquela força inebriante, a musculatura cede e o bebê então nasce, completamente ileso, surpreendendo até os mais otimistas. O padre toma o garoto aos braços, eleva-o ao teto, e agradece a Deus pelo milagre. O dia não parece o dos mortos – diz ele, emocionado; mas o dos VIVOS, porque, uma vez mais se pôde comprovar a supremacia da VIDA diante da morte. Enrolado na chita, a criança encontra o seio da mulher e se farta. Coitadinho, diziam os curiosos, estava cansado de tanto sofrimento.
Os minutos se perdem na imensidão das horas...
A lua já estava farta de dançar balé no palácio do tempo, quando alguém bate à porta do barraco. Amedrontada, ela se aproxima da janela, e pela fenda, reconhece o amante, o pai de Jorge.
Duas outras batidas, mas o silêncio não recua. Acolhida à parede, ela chora; o homem que agora a procura era o mesmo que desejara encomendar a morte de sua cria. Como poderia recebê-lo? Se dependesse dele, Jorge estaria debaixo da terra, comido pelos vermes. Não, não poderia abrir a porta, por mais que isso lhe causasse um peso na alma, pois, no fundo, ainda o amava.
– Por favor, abra a porta, Neuza! Estou arrependido! Quero ver nosso filho... Por favor!
Uma garoa molha o telhado, que pinga pelas frestas, deixando-a ainda mais apiedada. Levanta-se do sofá, toma fôlego, caminha até a porta e abre com cautela. Quando o véu da madrugada lhe desenha o horizonte, percebe que o homem já ia longe, cabisbaixo, lamentando a própria desgraça. Mas as coisas do coração são mesmo dotadas de uma força surreal, então ele para, olha para trás e vê, à porta, com os braços abertos, tendo como pano de fundo as chamas das lamparinas, a mulher a quem também amava e por quem deixara a esposa e a única filha – ainda que por poucas horas.
Corre para os braços dela. Beijam-se como nunca. Ao encontrar o filho entre duas almofadas, no colchonete de há pouco, percebe as lágrimas escorrerem-lhe à face. Aproxima-se dele, toma-o para si e sorri; é a sua cara! Volta-se para a mulher e, com pedidos de desculpas aos lábios, tenta se redimir da proposta de morte.
Revivem o amor na sua forma celestial. E, por meses, ainda que às margens dos olhares da sociedade, não conhecem mais a dor. Mas tudo que é belo tem duração abreviada, assim, certa noite, ele não voltou mais, abrindo uma cratera no coração de Neuza, que se viu só, outra vez na companhia do filho, agora com quase onze meses.
Pediu ajuda aos vizinhos, estava desesperada com o sumiço do amante, apesar de que, dentro de si, uma voz buliçosa, talvez sinistra, repetisse o tempo todo que ele jamais voltaria... Aquela vida não era para ele, porque era o reflexo da elite, não o do escarro da pobreza. Ela vagou a noite toda com o filho no colo, até que não mais se aguentando, sentou-se numa calçada e chorou... chorou, até adormecer, com Jorge preso aos seios.
Anos se passaram, mas o sentimento profundo cultivado por ele, conhecido como AMOR, não! Tanto é que, depois de sua partida, ela evitava sair de casa, de conversar com as vizinhas; o que fazia apenas era paparicar o filho, a única herança deixada por ele. Qualquer história que criasse para justificar ao filho o repentino sumiço do homem era logo desmentida pela vizinhança, como se a desgraça alheia causasse algum prazer.
Foi numa partida de futebol, num desses campinhos no meio do nada, que ela foi colocada contra a parede. Jorginho, como o chamava, deu uma canelada num dos garotos do time adversário, que lhe revidou a agressão com chutes e palavras como “filho sem pai” e “cria de mulher de rua”.
Indignada com a humilhação vivida pelo filho, Neuza partiu para cima do garoto, ignorando os sete anos dele – a mesma idade de Jorginho – e só não o matou porque Deus não deixou.
A gritaria foi geral, o povo, em transe, saía de todo canto, queria linchá-la ali mesmo, e só não o fizera porque a polícia chegou a tempo de se evitar uma desgraça. Foram necessários vários disparos para o alto para que a população se dissipasse; antes que a coisa fervesse de novo, jogaram-na à gaiola e sumiram na imensidão. Acolhido num primeiro momento por uma desconhecida, o filho dela acabou entregue dias depois a um orfanato, onde permaneceu à disposição da Justiça. Por tal atitude, ela foi levada a julgamento e condenada a dois anos de detenção. Assim, perdia o amante e o filho. Novamente, o destino era o seu algoz.
Na cadeia, a mulher despertava ira e paixão nas companheiras de cela. Havia aquelas que a defendiam com unhas e dentes por compreenderem sua dor; outras a queriam à lona, com o sangue escorrendo e algumas poucas optavam pelo silêncio. Com o tempo, todas acabaram unidas pela compaixão.
Neuza passou seis meses sem ver o filho, foi o pior castigo que recebera em vida, pior até que as brigas que vez ou outra, instigada pela liderança maldosa, comprava com as prisioneiras rivais. Quando teve a oportunidade de revê-lo, recebeu um abraço frio, daqueles que não se dá nem a um inimigo. Alguma coisa havia acontecido, Jorginho já não mais existia – não como havia sido concebido, com todo aquele amor; olhava a tudo com cobiça e descaso típico dos homens sem caráter.
E o que mais lhe doía era que, por mais que o beijasse, em nenhum momento fora chamada de mãe. O muito que conseguira fora um leve beijo, com certo asco. Durante a visita, não perguntou como ela estava, o que fazia, como sobrevivia. Ateve-se apenas aos jogos que ganhara, aos passeios com a família para quem a Justiça concedera guarda provisória.
A coisa só começou a mudar a partir da quarta ou quinta visita, porque pressionado, ele revelou que era espancado pela mãe adotiva. No início, enquanto os assistentes sociais marcavam passo, tudo era maravilha, presentes caros, passeios ao zoológico, ao museu, pinacoteca, a cidades turísticas... Depois, a realidade mostrou sua verdadeira face. Apanhava por qualquer coisa, marcas se espalhavam por seu corpo... De alguma forma, aquela dor o trazia de volta ao colo da mãe que tanto o amava.
– Onde está meu pai, mãe? Ele, por pior que seja, será melhor que aquela gente – dizia, em desespero. – Só pensam em me machucar.
Que história lhe contar se o pai havia sumido do nada? Meus Deus! Não havia o que fazer, aliás, até havia, desde que seu advogado conseguisse sua liberdade provisória, mas tal instrumento demandaria uma quantia vultosa, de que ela não dispunha; sobrou-lhe a opção de oferecer o corpo como pagamento. Para quem ainda não sabe, ela era uma formosura de mulher e, para alguns, no auge dos desejos lascivos, uma deusa aprisionada a uma figura terrena insignificante. Na cadeia, havia quem a comparasse à Afrodite¹.
O advogado, um desses lobos em pele de cordeiro, sem qualquer constrangimento, pagou ao carcereiro que os deixasse a sós e durante fartos minutos a tocou como um leão à sua presa. Ela segurava o choro, era preciso sair dali, encontrar o filho, salvá-lo da selvageria humana, devolver-lhe a alegria de viver, o sorriso de pequeno, o colo da mãe.
Mais alguns dias se foram, o advogado não deu mais as caras, havia a enganado. Consternada, encostou-se a um canto da cela e chorou... chorou...chorou. Não havia quem a consolasse! O presídio, comovido com sua dor, rebelou-se, a história da mulher veio à tona, o carcereiro foi demitido, o advogado preso e o casal processado por maus-tratos à criança. Levada à frente de um juiz, sua história o comoveu, e este lhe concedeu o direito do cumprimento do restante da pena no regime aberto². E assim, durante um ano, levou o garoto todos os dias a uma escola de tempo integral enquanto trabalhava como diarista. À noite, antes da hora determinada pela Justiça, já estava na cama. Temia, por qualquer motivo, ter sua liberdade novamente cerceada.
No dia em que ela recebeu a liberdade definitiva, pulou de alegria, abraçada a Jorginho, que estava adolescendo, quando sentiu, pela primeira vez, uma forte vertigem, na ocasião, atribuída à emoção acalorada. Mas as vertigens não cessaram, pelo contrário, aumentaram dezenas de vezes, seguidas de perda de apetite e de peso e vômitos de sangue. Tanto sangue que assustava. O garoto chorava de medo só em pensar na hipótese de perder a mãe.
Em uma de suas crises mais violentas, o vizinho a levou a um posto de saúde, de onde partiu, às pressas, em uma ambulância, para um hospital distante da região. Lá, após alguns exames, descobriu-se a origem de todos os seus males: câncer de estômago.
– Onde está seu pai, garoto? – pergunta o médico, ao entrar na sala de espera.
– Não tenho pai nem parente... É só minha mãe e eu! Pode falar senhor, o que ela tem?
– Você é uma criança, vou avisar a assistente social do município.
– Por favor, diga-me, o que minha mãe tem? Já sofri na mão de muita gente, seja o que for, senhor, aguentarei! Por favor, eu lhe imploro!
O homem coça a cabeça, a dúvida é cruel.
– Por favor!
– Sua mãe... bem...é difícil falar, mas tem pouco tempo de vida. Infelizmente, não há mais nada a fazer! Eu sinto muito!
O menino chora.
– Eu posso vê-la, doutor? – pede.
Não há como negar o pedido. Ao entrar no C.T.I , ele a encontra esmorecida.
– Mãe, diz ele, eu...
– Me desculpe, Jorginho! – diz, com os olhos marejados.
Voltaram para casa dias depois. Foram mais cinco internações, em todas, ela exibia uma força de invejar, como se acreditasse mesmo numa cura que jamais chegaria. Na última crise, naquele hospital particular, negaram-lhe atendimento e acabou morrendo no colo do filho a quem tanto amou.
– Agora não é hora de chorar, George, preciso de sua ajuda, Catharine não está bem – repreende Rubens, ao entrar na sala e avistá-lo estacado diante do vômito, com lágrimas a correr pela face.
– O que.. que...que ela tem, doutor? – pergunta, receado, libertando-se do passado. – Por que expele sangue?
– Pegue-me um pano, já! – ordena o médico, como se não ouvisse suas indagações. – O que há com você? Não está me ouvindo? Preciso estancar este sangramento.
– Tomi mia brusa, dotô – Moacir lhe entrega a roupa do corpo.
George não reage, está em choque, para a estranheza do médico, que requisita sua ajuda uma outra vez.
– Por que está aí parado? Sua mulher está sendo vítima de...de...
– É o que estou imaginando, Rubens?
O médico não responde, corre os olhos pelo corpo da filha e encontra outras manchas, então mordica os lábios com força para segurar o choro, que lhe ameaça o tempo todo.
– É o que estou imaginando, Rubens? RESPONDA-ME! – inquire, com a arrogância de sempre.
– Não sei sobre o que está pensando... Como posso então confirmar tal coisa? Você me assusta, sabia? Como consegue ser tão frio, arrogante? Às vezes penso que veio ao mundo sem coração, porque qualquer um em seu lugar estaria surtado. CRISTO! Como pode ser assim? Preciso de sua ajuda para salvar sua esposa, não entende?
– Ieu vô ajudá o sinhô, venha, venha, dotô, o carru tá abertu! Vamu levá ela pru huspitar – acode o jardineiro, aterrorizado com o clima tenso pousado sobre a casa.
Tomando-a nos braços, Rubens a conduz à limusine, enquanto George, sem qualquer reação, permanece no mesmo lugar, tomado por uma força intrínseca avassaladora. Aos poucos, achega-se à janela, de onde vê a limusine cruzando o portão.
– Em que você se tornou, Jorginho? Está contente? Foi isso que lhe ensinei? Não bastasse meu sofrimento, faz outras pessoas passarem pelo mesmo, e a troco de quê? De dinheiro e poder? Isso não apagará seu passado, meu menino; o acentuará com mais vigor! – lamenta uma voz, que surge do nada e estremece o edil. – Tenho vergonha de você! E não tenho mais como ajudá-lo! Sinto muito!
– Quem está aí? Fale! Que brincadeira é essa? Sabe com quem está falando? Sou George Dumont...
– Não! Você é Jorge da Silva! – completa, para o desespero do homem.
– Mãe? – passa a mão pelos cabelos, desacreditando no que ouvia. – É a senhora? Mãe? Estou ficando louco! Não! Não pode ser!
Dá alguns passos em direção à porta, quando esta se fecha com violência. Roda a maçaneta; apesar de não estar trancada com a chave, ela não se abre. Atemorizado, acua-se, enquanto os olhos não fogem da poça de sangue formada ao redor do sofá.
Vultos pretos, brotados de todos os cantos da mansão, pairam pelo lugar e berram como loucos, sacodem a mobília e mergulham na poça, onde se debatem, fazendo caretas semelhantes às da figura andrógina, de expressão retorcida, de O Grito³, como se planejassem um suicídio coletivo, o que a eles não se trataria de tragédia, mas o resgate de um prazer já vivenciado.
George corre à escadaria, quer fugir daquilo que denomina pesadelo, quando ouve um estrondo, talvez o de uma vidraça arrebentada por uma rajada de tiros, vindo da saleta de música. Uma força contrária o impede de subir os degraus e o agarra até sufocá-lo. As pratarias da sala trepidam, os quadros giram, facas voam das gavetas e se jogam contra a parede. Vozes em desespero fazem a casa gemer, para a aflição do camarista, que pede clemência. Clemência depois de tanta maldade? JAMAIS!!! – retrucam os estranhos visitantes. Reparar as feridas do passado exige muito mais do que simples palavras ao vento; requer, acima de tudo, coragem para assumir quem é e o que é. Seria como reabrir o livro da VIDA e reescrever toda sua história, a começar pela dedicatória. Fácil? Não! IMPOSSÍVEL! Pelo menos para ele.
Arrastado à saleta de música, vê as teclas do piano correrem desordenadas, numa dança inquietante de ritmos. A melodia que se ouve, por instantes, assemelha-se a uma dessas árias tocadas em velórios luxuosos. A brisa, iracunda, entra pela janela e derruba o retrato, de costas, ao chão.
– Pegue-o...pegue-o...pegue-o já! – ordena uma voz horripilante, fazendo-o arrepiar-se de medo.
– PEGUE-O JÁ!!! – gritam outras vozes zombeteiras. Uma força o agarra pelos braços e o faz pegar o retrato.
– SOLTE-ME! SOLTE-ME, SEJA LÁ QUEM FOR!
Quando ele o vira, a imagem de ALANA reluz como o sol.
– Quem está falando? Quem é? Apareça! Encare-me de frente! Quem você é?
– A sua consciência, vereador! Aquela que ousou relegar ao esquecimento em nome de um poder que só existe na imaginação dos fracos. Agora entende o porquê de tanta dor? Reproduziu em Alana o seu sofrimento, aquele que havia esquecido, e que agora retorna ao presente, na forma mais cruel que se tem, a do REMORSO. E dele não conseguirá escapar! Parabéns Jorge da Silva, ou como queira, George Dumont. Você conseguiu condenar sua alma ao inferno! – afirma, numa rouquidão semelhante a dos bruxos, para o descontrole do homem, que eclode em berros aterrorizantes
– George, ei, George, acorde! – Tanaka dá alguns tapinhas no rosto do vereador, que se encontra desacordado ao lado da poça de sangue.
– NÃÃÃÃÃO!!!!! – vozeia, agarrando-se ao prefeito. – Ajude-me, Tanaka, tem alguém aqui... e quer me ver pelas costas...me matar!
– Quem quer lhe matar? Quem? Pois fale – saca-se da arma, dou-lhe um tiro nas fuças agora...
– Hã? Onde estou? – cai em si. – Aqui não é a saleta de música... mas...mas... mas... eu estava lá, não estava?
– E eu vou saber? Hum! Depois dizem que eu que sou o pinguço.
– Tudo estava revirado, o piano tocava sozinho, muitas pessoas, na verdade vozes, falavam ao mesmo tempo...
– Tô vendo tudo! Quem está ficando pirado com toda essa história é você, não aquela infeliz da sua mulher...
– Não fale assim dela – censura, com ardor.
– E desde quando se preocupa com aquela criatura? Hum! É cada coisa, me dá até sede! Deixe-me molhar a goela, que tá seca, seca – vira a garrafa. – Hum! Por que sempre no finalzinho é melhor? – refere-se à bebida. – Que teor! Dá até uma leveza no corpo... Pois me diga, o que está fazendo ao lado disso aí...? É sangue, não é?
– Transfusão de sangue? – amedronta-se a empregada. – O que havendo com nossa garota, doutor Rubens?
Ernestina o prende pelo braço, impedindo-o de acompanhar a filha, que acabava de chegar ao hospital, até o C.T.I.
– O senhor só sairá daqui depois de me explicar tudo o que está acontecendo.
– Você tinha razão, Ernestina! Se eu não tivesse chegado a tempo, Catharine estaria morta a essa hora.
– E o que foi que aconteceu? Foi aquele traste que fez isso, não foi? Pois vou matá-lo com minhas próprias mãos.
– Não, não foi ele; pelo contrário, é a primeira vez que o vi tão... tão... para ser sincero, tão desconcertado.
– Então..?
– Ernestina – seus olhos enchem-se de lágrimas, vamos ter de ser fortes...
– O QUE HÁ COM CATHARINE? FALE! FALE! FALE!!!! O homem não responde, limita-se apenas a abaixar a cabeça.
– Ainda bem que vim atrás de você, deve ter levado um tombo! E foi mesmo – o prefeito aponta para a cabeça do vereador, olhe o tamanho do galo...
– Será? – pergunta o desconfiado camarista. – É, estou sentindo!
– Só não consigo entender o que é essa poça de sangue; de seu ferimento não é, pois ele é muito pequeno! Hum, por acaso matou alguém? A infeliz? Só faltava! Vixe, a herança então foi para o beleléu, apesar de que ela merecia! Ô bicha ruim do inferno!
– Não diga bobagens! – diz receoso, levantando-se rapidamente do chão ao ouvir o nome do lugar para onde vão as almas perdidas.
– Então de quem é esse sangue?
– O que há com Catharine, doutor Rubens? Meu Deus, por que sangra desse jeito? – cobra Ernestina, prevendo o pior. – O que há de errado?
– Senhor – achega-se o enfermeiro –, precisa vir, o caso é grave.
– Meu Deus! Preciso ir! Se não iremos perdê-la.
– Doutor, eu lhe imploro por tudo que há de mais sagrado, o que tem nossa menina?
– Hematêmese.
– He... o quê?
– Hematêmese, em outras palavras, a saída de sangue pela boca, originário do sistema gastrointestinal, habitualmente do esôfago ou do estômago. É também conhecido como vômito de sangue.
Ernestina se recolhe a um banco, enquanto o médico, arquejando de medo, parte para o C.T.I. A vida da herdeira dos Dumont, ou melhor, de sua filha, está por um fio.
Encerra com a música (Dio Dei Buoni - Agnaldo Rayol)
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1. Deusa grega da beleza e do amor. Originário de Chipre, o seu culto estendeu-se à Esparta, Corinto e Atenas. Foi identificada como Vênus pelos romanos.
2. O regime aberto é aquele onde a execução da pena será cumprida em casa de albergado ou estabelecimento adequado. No entanto, a pena em regime aberto somente pode ser cumprida em residência particular quando o condenado possuir mais de 70 anos, doença grave, filho menor de idade ou deficiente físico ou mental ou estiver gestante. Este regime pode ser aplicado desde o início do cumprimento da pena a condenados não reincidentes, cuja pena seja igual ou inferior a quatro anos.
3. Pintura do norueguês Edvard Munch, datada de 1893. A obra representa um ser num momento de profunda angústia e desespero existencial. É considerada uma das obras mais importantes do movimento expressionista e adquiriu o status de ícone cultural, a par da Mona Lisa de Leonardo da Vinci.
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