1x01 - Você Primeiro
de Sophia Serranegra Arruda Ribeiro Righi
Naquele cruzamento não havia um
"pare" ou ao menos um sinal, qualquer tipo de placa que sinalizasse a
ordem de passagem dos carros. Estava um trânsito intenso e incomum para aquela
cidade. O motivo? Ninguém queria ceder.
O primeiro carro fez um sinal para o
outro passar. “Pode ir”, escutou-se uma voz vindo de dentro do veículo ao lado.
O primeiro carro insistiu. O outro insistiu mais ainda. Uma mulher baixa abriu
a porta lentamente e disse:
-
Senhor,
pode ir você primeiro, estou sem pressa alguma. Vá em paz.
O senhor aproximou-se solícito:
-
Não.
Por favor, vá você primeiro.
Os dois esperaram até o próximo
chegar, com fé o terceiro carro iria passar e em seguida os dois iriam. Um
homem forte e alto avistou as duas pessoas fora do carro e foi conferir. A moça
logo disse:
-
Pode
passar! Estamos sem pressa.
O homem com um espanto no rosto,
aproximou-se mais um pouco e falou:
-
Também
estou. Vão vocês dois primeiro, eu insisto. Sou um homem educado.
O tempo
passou e foram se acumulando mais carros, perdeu-se a conta de quantos eram.
"Mais de 15'', diziam. Mas a verdade era que não se sabia ao certo. O que
se sabia é que nenhum dos motoristas queria ceder. Todos insistiam,
educadamente. “Pode ir você primeiro”, “Eu só estou dando uma volta, não tenho
para onde ir, não me importo de esperar”, murmurou alguém.
Já era tarde
e foram chegando carros e mais carros, mesmo assim não havia nenhuma pessoa
naquele cruzamento que deixava-se ceder e ia embora. “Damas primeiro”,
escutou-se vindo de um homem de idade. “Magina, é mais velho, precisa chegar
logo em casa. Pode ir primeiro.”
Setenta,
oitenta, noventa e cem carros. Uma fila sem fim nem finalidade. Carros ocupavam
saídas de casas, portões de garagem e comércios. Ninguém conseguia sair e nem
entrar na cidade, havia carros por todos os cantos.
Eram realmente
educados? Não seria má educação não aceitar a proposta oferecida inúmeras
vezes? Era determinação? Ou seria teimosia? Nenhum dos motoristas tomava a
frente, todos estavam anestesiados pelo simples fato de aparentar serem
educados.
“Você primeiro, você primeiro, você
primeiro, você primeiro, você primeiro, você primeiro…” proferiam em tom
solene, juntos, enfileirados como pequenas peças sendo controladas por algo
maior. Escutava-se por todo o mundo: você primeiro.
CAL - Comissão de Autores Literários
Produção
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
REALIZAÇÃO
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