1x04 - Clientes Noturnos
de Rodrigo Diniz
Foi
no meu primeiro emprego com carteira assinada que tudo aconteceu. O salário não
era grande coisa, mas me permitia pagar as contas, incluindo a minha faculdade
de processamento de dados que, aos trancos e barrancos cursava durante o dia.
Eu era garçom de um bar no centro da cidade. O local era frequentado por todo
tipo de pessoa, desde trabalhadores noturnos até artistas boêmios.
Quase
todas as noites, por volta das três horas, um grupo de jovens aparecia para
tomar a última rodada. Eram quatro rapazes e uma moça. Geralmente chegavam, se
sentavam numa mesa qualquer e pediam cervejas.
Eram
jovens cheios de energia e, pelo que pude ver na época, dinheiro. Eles falavam
alto, faziam troça um com o outro, gesticulando muito enquanto conversavam. A
única exceção era da jovem que sempre ficava calada. Tratava-se de uma jovem
linda, tinha os cabelos loiros longos e sempre me olhava nos olhos quando eu me
aproximava para servi-los.
Confesso
que os olhares dela eram tão
profundos que algumas vezes me surpreendi admirando-a de longe. Eu gostava de
atendê-los exclusivamente por causa dela, aqueles olhos me fascinavam. Claro
que eu sabia meu lugar e nunca lhe dirigi a palavra, tinha medo da reação dos
rapazes. Eu não conseguia entender qual a relação dela com o grupo, pois ela
estava presente todas as noites, mas sempre em silêncio.
Eu me
lembro como se fosse hoje. Era uma quinta-feira e tudo parecia normal, o bar
estava particularmente cheio, pois foi noite de jogo. O fluxo seguia sua
rotina, com clientes chegando e partindo o tempo todo. Como de costume, o grupo de jovens
apareceu um pouco antes das três horas. Mas como estávamos cheios naquela
noite, não tínhamos mesas livres.
Sem
mesas disponíveis, eles
ficaram em pé, encostados no canto do balcão.
A
regra da casa era clara; clientes que não tinham mesa, precisavam de uma
comanda individual. Nunca entendi muito bem essa regra já que a casa não
cobrava entrada, mas regras são regras. Por isso peguei o bloco de comandas e
fui atendê-los.
Passei
pela garota que me olhava fixamente e entreguei as cinco comandas para o mais
alto dos rapazes, explicando que precisaria de todas quando eles fossem
encerrar a conta.
Antes
de terminar a explicação, no entanto, fui interrompido pelo rapaz alto, que
distribuía as comandas entre o grupo:
-
Você é garçom e não sabe contar? – disse ele balançando duas comandas na minha
frente, debochando de mim. Todos caíram na gargalhada diante da troça. - Somos
quatro e não cinco.
-
Ela também precisa de uma comanda. – Respondi de forma ríspida. Eu odiava que
fizessem pouco caso de mim,
especialmente enquanto estava trabalhando.
-
Ela quem? – perguntou outro rapaz com uma expressão de quem não estava entendendo nada.
Quando
me virei para indicar a garota, afinal, contando com ela seriam cinco, me
assustei. Ela havia desaparecido completamente. Como aquilo era possível? Ela
estava lá um minuto antes, eu passei por ela ao me aproximar do grupo.
Eu
fiquei atordoado. Eu nunca usei drogas e não tinha bebido naquela noite. Aliás
eu nunca bebia enquanto estava trabalhando. Não podia ser uma ilusão. Afinal, como explicar todos
os outros dias que eu a havia visto?
Era
claro para mim naquele momento, que estavam fazendo algum tipo de pegadinha,
deviam ter combinado que ela se esconderia, tudo devia ser parte de um plano
para que caçoassem de mim. Intrigado e irritado por ter sido feito de bobo,
ignorei o salão lotado com todas as mesas ocupadas e fui até a sala do gerente.
O computador em sua mesa tinha acesso às câmeras de segurança. E uma das primeiras
coisas que aprendemos no
bar era como operar o sistema. Era comum precisar conferir as imagens para
esclarecer furtos ou confusões em contas.
Abri
o programa e voltei a gravação até o momento que eles chegaram. E para meu
alívio, lá estava ela. Satisfeito por não estar sonhando e ainda irritado com o
riso deles, queria provar que eu sabia contar, que não estava doido. Voltei até
o salão e chamei o grupo para que vissem, com os próprios olhos, o que eu
dizia.
Eles
riram de mim, mas um deles, o que parecia ser mais calmo, decidiu me dar um
voto de confiança me acompanhando até a sala do gerente.
Quando
apertei o play, deixando a imagem rolar, ele ficou em choque quando viu a
garota caminhando ao lado deles, como um membro do grupo. Sem falar nada
comigo, ele saiu da sala e se reuniu com os amigos. Segundos depois eles
pagaram a conta, deixando o troco da nota de cem reais para mim.
Eles
nunca mais voltaram ao bar.
Alguns
meses depois vi a foto dos quatro rapazes no jornal. Estavam bem abatidos e
usavam o uniforme laranja do Sistema Prisional. Comprei imediatamente a edição
e curioso li toda a matéria.
Qual
não foi minha surpresa ao descobrir que eles eram procurados por diversos
assaltos e roubos e recaía sobre eles uma forte suspeita de serem os
responsáveis pelo sequestro e assassinato de uma garota. O corpo dela havia
sido encontrado abandonado no casarão que era sede do grupo dois anos antes.
Para
meu desespero, a foto da suposta vítima, estampada no jornal, era da moça que
vi no bar. Tenho certeza, nunca me esqueceria daquele olhar e daqueles longos
cabelos loiros.
Eu
li e reli a matéria diversas vezes, foi ao ler os detalhes que eu entendi. Ela
não me encarava por gostar de mim, ela estava implorando por minha ajuda, ela
precisava que os seus assassinos encontrassem a justiça para só assim descansar
em paz.
Por dias eu fiquei pensando naquilo tudo, até tentei, inutilmente, recuperar as imagens no computador do gerente, mas o sistema deletava registros com mais de trinta dias e mais de dois meses haviam se passado desde aquela estranha noite.
Poucos dias depois abandonei o emprego de garçom, não queria mais lidar com esse tipo de situação. Desde então, nunca mais trabalhei durante a noite.
Conto escrito por
CAL - Comissão de Autores Literários
Produção
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
REALIZAÇÃO
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