Antologia Lendas Urbanas: E se forem reais? - 1x11: A Loira do Bonfim - WebTV - Compartilhar leitura está em nosso DNA

O que Procura?

HOT 3!

Antologia Lendas Urbanas: E se forem reais? - 1x11: A Loira do Bonfim

Conto de João Baptista dos Santos
Compartilhe:

 

 



Sinopse: Uma bela mulher loira atrai para a porta do cemitério homens pelas madrugadas.

1x11 - A Loira do Bonfim
de João Baptista dos Santos

 

Edu acabara de deixar o trabalho no centro de Belo Horizonte por volta das 20:00 de uma sexta-feira calorenta, como o é a maioria dos dias do mês de janeiro. Ele trabalhara até mais tarde, aproveitando que outro funcionário faria plantão até às vinte e duas horas, e organizou papéis para a segunda-feira. Ele se sentia bem só por saber que o fim de semana chegara, pois adorava os sábados e domingos, como todos os trabalhadores, claro, os que folgam nesses dias. Trabalhava como office-boy num escritório de advocacia. Naquela época, anos cinquenta do século passado, não se nominava em inglês essa atividade, chamavam-na de “contínuo”.

Edu estava nesse momento na Praça Sete, a mais conhecida e famosa praça de todo o centro da capital mineira. Vivia seus 20 anos de idade, na flor da juventude. Ele não pretendia voltar para casa naquela hora. Seus pais e os dois irmãos, um mais novo que ele e a outra, a irmã mais velha, sabiam que às sextas-feiras ele não retornava à casa logo após o serviço, pois saía com amigos.

Pelos costumes da época, ele vestia, naquele momento, terno cinza, camisa branca e no pescoço uma gravata de cor prateada, sapatos pretos - apesar do calor. Todos no escritório tinham que se vestir assim, aliás, a maioria das profissões exigia essa vestimenta: médicos, professores, vendedores de lojas, caixas de bancos; até para entrar nos cinemas do centro da cidade os homens usavam nas sessões noturnas, obrigatoriamente, pelo menos o paletó.  Era jovem, bonito, moreno, cabelos ondulados, altura média, fazia boa figura. Ele conferiu como estava de finanças, retirou a carteira do bolso e verificou. Ficou um tanto desmotivado com a pouca grana que possuía, mas dava para tomar algumas cervejas com o amigo Léo, com quem se encontraria daqui a pouco no bar de costume, no bairro boêmio da Lagoinha, bem próximo do centro da cidade. Léo era seu amigo desde os tempos de crianças, moravam na mesma rua no bairro de Santa Efigênia. Ele trabalhava como mecânico de automóveis no bairro para onde, agora, Edu se dirigia. Quase todas as sextas-feiras, este era o ritual cumprido pelos dois amigos.

O jovem se deslocou a pé, pois seu destino ficava nas vias que davam acesso ao centro da cidade, e andaria mais ou menos cinco ou seis quadras. Tirou o paletó e a gravata por causa do calor. Chegou ao bar lotado, e seu amigo Léo já instalado em uma mesa num canto do salão. Edu se recompôs, vestindo novamente o que tirara durante a caminhada que fizera. Após os informais cumprimentos, entabularam conversa enquanto a cerveja gelada era ingerida, condição apropriada para temperatura naquele ambiente. O assunto girava em torno de namoradas. Edu, choroso, desabafava com o amigo, dizendo que desde o término do namoro com a Salete, não arrumara outra garota. Léo dizia que estava firme com a Lenita, mas às sextas-feiras, quase sempre, não se encontravam.

A conversa seguia animada, Léo pedia mais cerveja, Edu alertou o amigo de que estava com pouco dinheiro, sendo tranquilizado para não se preocupar, já que ele cobriria o que fosse preciso. O tempo passava rápido naquele ambiente festivo ao som de uma radiola automática, que funcionava com fichas introduzidas pelos fregueses na fenda apropriada existente nela. Depois, acionava-se a tecla que trazia o nome da música escolhida pelo usuário. Os ritmos da época eram tangos, boleros e sambas, canções do gênero paixão-traição.  Por volta das 23:00, quando os dois amigos já demonstravam sinais de embriaguez, ela chegou: mulher loira, linda, cabelos compridos, teria no máximo trinta anos de idade, trajava vestido branco, colante, moldando seu corpo escultural. Decotes generosos mostravam seios firmes e fartos. Os saltos altos de seus sapatos de mesma cor do vestido, destacavam seu erótico andar. Os homens presentes se voltaram para aquela figura sensualmente perturbadora que acabara de chegar. A mulher, ciente de que causara “frisson”, andou como se desfilasse em uma passarela e se assentou também no canto do salão, na única mesa ainda disponível - próximo aonde se encontravam Edu e Léo, sendo que este ficou de costas para ela, e o amigo, de frente. Passados alguns minutos, a atmosfera reinante no bar começava a retornar ao normal após a entrada triunfante da mulher. Edu disse para o amigo que aquele monumento feminino o estava encarando. Léo disse que o amigo estava delirando, além do que, ela deveria cobrar caro demais para alguns momentos de sexo, já deduzindo que se tratava de uma prostituta (frequentadoras habituais daquele bar), pois, naquela época, mulheres consideradas sérias não frequentavam bares - principalmente os de nível considerado baixo, como naquele em que eles estavam.

Os dois amigos tentaram voltar a conversar, mas Edu voltou a falar que a mulher continuava a olhar para ele e que vários homens haviam se aproximado da mesa aonde ela estava, e todos foram imediatamente rejeitados; ela sempre olhando fixo para ele. Léo respondeu que o amigo deveria estar enganado, pois num bar com dezenas de homens, por que justamente ele seria o escolhido? Edu disse que não sabia a razão disso, mas naquele exato momento ela fazia sinal com o dedo indicador, daquela maneira tradicional, movimentando apenas a ponta deste, significando que ela o chamava para ir até ela. Léo virou-se para ver e confirmou que realmente a loira sinalizava para o amigo. Edu, em contrapartida, apontou o seu dedo indicador para o próprio peito como a dizer: eu? A mulher sinalizou afirmativamente com a cabeça.

- Vai lá - disse Léo, agora convicto de que a mulher chamava o amigo.

– Eu não tenho dinheiro para pagar essa mulher – respondeu Edu, confuso diante do que estava acontecendo.

– Vai rapaz, vamos ver no que vai dar – insistiu Léo.

Edu levantou-se e, ainda hesitante, se dirigiu para a mesa onde estava a loira. Aproximou-se, puxou uma cadeira que estava encostada à mesa, pediu licença e se assentou. A loira o mirou com aqueles olhos verdes brilhantes e disse:

– Vou ser direta, sem preâmbulos inúteis. Você quer ir para minha casa comigo agora?

– Não vamos nem conversar um pouco? – respondeu Dudu assustado com a objetividade agressiva da loira.

– Para quê? Nós dois estamos querendo a mesma coisa, então não vamos perder tempo com conversinhas. Você que ir ou não?

– Acontece – tentou explicar o rapaz, nitidamente encabulado – é que estou sem dinheiro, meu colega é quem vai pagar a despesa do que estamos consumindo.

– Não me lembro de ter falado em dinheiro em momento algum, garoto – disse a mulher de maneira franca e resoluta.

– Bom, se é assim, claro, que eu quero ir – respondeu o jovem já um pouco aliviado.

Então vamos – disse a mulher se levantando.

– Posso saber o seu nome, eu me chamo Eduardo – disse Edu tentando um contato mais íntimo.

– Isso não é importante – respondeu a mulher, secamente.

Edu voltou à mesa onde estava o Léo e lhe disse que ia para casa da mulher, E trazia nos lábios um sorriso de vencedor. Fez um gesto como se fosse tirar dinheiro do bolso, mas foi contido pelo amigo que disse que pagaria a conta do bar, QUE o amigo poderia ir com a loira sem preocupações, “até porque você pode precisar” - concluiu.

O casal saiu do bar sob os olhares invejosos dos demais homens presentes. Já na rua, Dudu perguntou à mulher:

– Onde você mora?

– Logo ali – respondeu ela – vamos a pé mesmo – concluiu.

Foram andando, vagarosamente, lado a lado. Edu começava a fantasiar como seria aquele encontro. Imagens eróticas vinham à sua cabeça, situações sexuais de pura perversão tomavam conta de seus pensamentos. Com volúpia, imaginava cenas de fazer o livro Kama Sutra parecer um manual de boas maneiras. Que noite! - pensava - se antevendo toda uma orgia, prestes a acontecer. Eles não conversavam durante aquele deslocamento, Edu atribuía isso ao que a mulher havia falado anteriormente, sobre não perder tempo com conversas vãs, que não servem para nada. O rapaz percebeu que estava na rua de nome Bonfim, que era assim identificada, porque no seu final ficava o cemitério de mesmo nome. Voltou a perguntar à sua acompanhante:

– Você mora onde mesmo?

– No final dessa rua – respondeu a loira, tranquilamente.

Edu deduziu que a casa dela possivelmente ficava na rua lateral ao cemitério e continuou entregue aos seus obscenos pensamentos.

Chegaram ao final da rua onde havia uma pequena praça de frente para o chamado campo santo. A mulher, nesse momento, começou a se deslocar mais rapidamente, deixando Edu um pouco para trás. O rapaz se surpreendeu quando viu que a moça se dirigia para a portaria daquela necrópole. Acelerou seus passos para alcançá-la, mas ao chegar junto ao portão, que estava fechado, não viu mais aquela figura feminina estonteante. Ficou pasmo, não havia como explicar aquele desaparecimento. Estaria ficando louco? - Pensou, apavorado. Ou tudo não passou de visão alucinógena, mas havia o testemunho do amigo e de outras dezenas de pessoas que também viram aquela loira no bar.

            Sem saber direito como proceder, Edu, como um louco, segurou nas grades do portão sacudindo-o e gritando para dentro do cemitério:

– Mulher, mulher! Oh mulher, onde está você? Apareça! – Fez isso várias vezes, sem se aperceber da inutilidade dos seus apelos, pois não havia como a mulher ter adentrado naquele recinto. O rapaz parecia possesso, tal a energia com que balançava o portão e gritava. O medo e o efeito da bebida, o transformaram numa pessoa transtornada e de alta agressividade diante do fato aterrorizante.  O vigia daquele local, vendo aquele homem completamente alucinado gritando na portaria, chamou a polícia. Compareceu uma viatura da Guarda Civil, que era, à época, responsável pelo policiamento da capital mineira.

Abordado pelos guardas, Edu contou para eles aquela improvável história. Os policiais, evidentemente, pensaram ser um caso de delírio, de um surto psicológico ou coisa desse tipo, além de notar que o rapaz havia bebido. Como o jovem continuava agitado - mesmo depois de lhe explicarem que ninguém some assim no ar às vistas de alguém - mais ainda, com o testemunho do vigia que estava ali a poucos metros da portaria e nada viu, resolveram levá-lo para delegacia a fim de registrar o fato em Boletim de Ocorrência. Antes, porém, eles passaram no bar onde Edu estivera com seu amigo Léo, citado por este como testemunha, mas o rapaz, contudo, já havia deixado o local.

Na Delegacia Central Noturna, se encontravam alguns repórteres de rádio e jornal escrito, que ali faziam plantão para informarem aos seus ouvintes e leitores dos fatos policiais; tomaram, então, conhecimento daquele inusitado caso. No dia seguinte, um jornal gritava na manchete da primeira página: “A Loira do Bomfim”, e como subtítulo: “Mulher desaparece como fumaça em frente ao Cemitério do Bonfim, diante do possível namorado”. A rádio mais sensacionalista da cidade divulgava no seu jornal falado: “Fantasma em forma de mulher loira aterroriza homem no Cemitério do Bonfim”.

Após a repercussão do caso, vários homens procuraram a polícia para narrar casos idênticos ao do Edu; este se sentiu aliviado com os depoimentos de outras pessoas que passaram os mesmos momentos de terror vividos por ele.  O amigo Léo, foi chamado para testemunhar no inquérito aberto a partir da ocorrência envolvendo Edu, como mais uma pessoa que também vira aquela mulher. A partir da divulgação desses fatos, as pessoas, principalmente os homens, passaram a evitar passar nas proximidades da portaria daquele cemitério durante a noite, temendo encontrar com a mulher sobrenatural. Surgiu também a história da origem daquela assombração: seria a de uma noiva que, abandonada no altar pelo noivo, procurara no suicídio a solução de sua desventura, e vinha nas madrugadas aterrorizar homens por vingança à sua decepção amorosa. O inquérito, evidentemente, não conseguiu nada apurar, devido à falta de elementos comprobatórios para o fato. Possuíam apenas os testemunhos das “vítimas”, sendo, portanto, arquivado.

Foi dessa maneira criada, na cidade de Belo Horizonte, a lenda da “Loira do Bonfim”.  Até hoje um mistério indecifrável, porém, sempre lembrado.



Conto escrito por
João Baptista dos Santos

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima
Francisco Caetano
Gisela Lopes Peçanha
Lígia Diniz Donega
Márcio André Silva Garcia
Pedro Panhoca
Rossidê Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


REALIZAÇÃO



Copyright 
© 2022 - WebTV
www.redewtv.com
Todos os direitos reservados
Proibida a cópia ou a reprodução


Compartilhe:

Antologia

Antologia Lendas Urbanas: E se forem reais?

Episódios da Antologia Lendas Urbanas: E se forem reais

No Ar

Comentários:

0 comentários: