1x12 - Noite de Guarda
de Paulo Tórtora
― Acorda, soldado Vieira, está na
sua hora!...
O coturno do cabo Sugahara
cutucou-me as costelas e eu abri os olhos, que ardiam como se estivessem cheios
de areia. Eu tinha a nítida impressão de que mal acabara de desabar meu cansaço
sobre aquele duro catre e, no entanto, já estava sendo convocado a exercer meu
turno de guarda. Já havia decorrido quatro horas, numa rapidez implacável,
desde que eu ali chegara após ter cumprido o turno de vinte às vinte e duas.
Consultei o relógio de pulso: era pouco mais de uma e trinta da manhã e eu
montaria guarda de duas até às quatro horas.
― Vamos, soldados, entrem em forma!
Temos uma boa caminhada na chuva, que é pra despertar o sono de vocês!... ―
bradou o cabo da guarda.
Levantei-me, arrumei a farda
amarrotada o melhor que pude, puxei pela bandoleira o meu FAL 762 e, fuzil às
costas, entrei na formação em fila, que era chamada por todos de trenzinho. Lá fora a noite espocava em
relâmpagos e trovões, era o começo da chuva.
― Atenção, pelotão! Sentido!
Descansar! Sentido! Em frente, sem cadência, marche!...
Ao sair na noite chuvosa cheguei a
arrepender-me por ter contestado o desconforto das instalações do Corpo da
Guarda, local onde os militares em serviço ficavam reunidos. Ali fora estava
muito pior. Lembrei-me do sargento Clemente dizendo que “o soldado é superior
às intempéries”... A diferença é que o sargento Clemente não iria pegar chuva,
já que, como comandante da guarda, ele havia delegado a condução da tropa ao
cabo Sugahara.
Desde que eu me alistara no
exército, para cumprimento obrigatório do serviço militar, era a primeira vez
que eu, Carlos Alberto Vieira, rapaz de boa família, soldado de boa formação e
boa índole, pegava uma escala de serviço tão adversa. Até pensei que merecia
coisa melhor, assim como um plantão dentro dos alojamentos dos soldados,
privilégio de uns poucos que tinham a simpatia do sargenteante que elaborava a
escala de serviço.
O quartel do Batalhão de Infantaria
ficava situado numa aprazível região serrana, cercada de montanhas e
exuberantes florestas. Naquela noite encharcada, açoitadas pela ventania e pela
chuva, as árvores dançavam um frenético balé sob o som febril da natureza
convulsa. Os galhos das frondosas árvores, como tentáculos ameaçadores,
projetavam-se sobre o pelotão que, a custo, iniciava sua marcha.
Eram seis os postos de vigia em
torno do quartel, nos quais as sentinelas deveriam ser rendidas. Os dois
primeiros postos eram os melhores, pois se situavam no próprio Corpo da Guarda
e no portão principal do batalhão, respectivamente. Os demais eram mais
afastados, na direção das cercanias da mata. O posto que eu deveria assumir era
o de número seis, que
resguardava um dos paióis de munições, distante cerca de dois quilômetros do
portão principal.
À medida em que o trenzinho avançava
as sentinelas iam sendo substituídas no rodízio e incorporadas ao pelotão. A
maioria dos soldados eu não conhecia, por serem integrantes de outras
companhias do batalhão. A partir do posto de número três, o piso de
paralelepípedos passava a ser de terra batida e com o grande volume das águas
revoltas, o solo local já se transformara num mar de lama. O lodaçal ia
engolindo parte de nossas botinas, éramos militares encharcados que só pensavam
em completar o percurso e conseguir algum abrigo.
A fila de soldados avançava em
silêncio, como uma legião fantasma, iluminada de vez em quando pelos clarões
dos relâmpagos e fustigada pelo ecoar das trovoadas. As capas de chuva
fornecidas pelo exército eram a única e escassa proteção contra o incessante
dilúvio despejado pelos céus.
Eu, enquanto as gotas de chuva
tamborilavam ferozmente no meu capacete de aço, ruminava com os botões de minha
farda: “O que estaria devaneando cada cabeça, aqueles insignificantes seres
pensantes, ante a magnitude avassaladora da natureza em fúria?...”
A caminho do quarto posto eu tinha o
consolo por não estar sozinho naquela provação. O sofrimento, maior ou menor,
era para todos. Nem o cabo, por ser praça graduado, escapava. Aliás, a situação
do cabo Sugahara era singular: após sete anos de seu engajamento na caserna, conseguira
ser promovido ao posto de cabo. Era chamado jocosamente de “cabo pocilga”, por
ter sido designado como responsável pela criação de porcos do quartel. Não era
um mau sujeito, o cabo. Era, isso sim, diferente, com seus olhinhos repuxados,
seu perfil esquálido e matusquela com as calças afiveladas acima do umbigo e
sua proverbial dificuldade com as palavras. Falava tudo errado e só entendia
uma pergunta após a mesma ter sido repetida, era até engraçado. Parece que,
embora tendo nascido no Brasil, vivera sua infância no oriente, com seus pais
asiáticos. Mas, que Sugahara tinha fibra, isso era inquestionável. Bastava ver
sua estoica determinação na condução do pelotão, chafurdando suas botas na
lama, sem pestanejar. Exercia com entusiasmo a sua função de comando. Sua
ferrenha vontade empurrava-o sempre em frente, tornando-o imune ao frio, ao
cansaço, ao temor da tempestade e da noite, num exemplo que era a mola
propulsora da sua pequena tropa.
Ao atingir o quarto posto de vigia a
sentinela da hora assumiu, aliviado por deixar a solidão do local e juntar-se
ao trenzinho.
A tempestade recrudescera. O
aguaceiro que descia das montanhas circunvizinhas formava turbulentas
corredeiras ao atravessar o solo do quartel, que era situado em um terreno de
nível mais baixo. No pátio e nos caminhos que conduziam aos postos de serviço, as
águas já estavam na altura dos tornozelos. A situação era agravada pelo vento
cortante que fustigava a noite.
Marchamos cerca de um quilômetro e
meio até alcançarmos o quinto posto de guarda, onde a sentinela foi rendida. As
trocas eram feitas em silêncio, como que em respeito à tempestade. Cada um
sabia o que deveria ser feito, não era preciso falar. O que não impediu que a
sentinela rendida, ao assumir sua posição no final da fila de soldados,
soltasse um palavrão, por ter que marchar na chuva.
Após uma razoável caminhada em
declive, foi com certo alívio que vi chegar, finalmente, a guarita do paiol.
Ainda que o posto de vigia consistisse numa diminuta cabine, suficiente apenas
para abrigar um homem em pé, no meio daquela intempérie pareceu-me um convidativo
refúgio.
― Vamos nessa, soldados! ― bradou o
cabo, após a troca da guarda. ― O alojamento da guarda nos espera, vamos sair
da chuva. Cabo também dorme, vamos embora!
Com o revezamento das sentinelas
assumi o posto e vi, com certa angústia, a guarnição afastar-se. A diminuta
legião, tendo à frente o cabo Sugahara, foi sumindo até ser engolida
inexoravelmente pela cerração e pelas trevas do lúgubre caminho.
O abrigo era uma construção em
tijolos, no formato de prisma quadrangular, tendo uma abertura como entrada e
três vãos laterais menores à guisa de janelas.
A parte de trás da cabine era guarnecida por um paredão resultante de um
corte abrupto e íngreme, quase vertical, feito no morro de pedras viscosas, de
onde o aguaceiro vertia em cascata. À frente da cabine um poste de madeira
sustentava uma única lâmpada que mal iluminava os arredores. A luz bruxuleava,
chicoteada pela ventania e pela chuvarada incessante. O estreito caminho de
terra que conduzia ao paiol parecia mais remoto e desolado, com seu isolamento
sendo solene e incessantemente reverenciado pelas árvores balouçantes.
Postei-me no interior da guarita,
retirei a capa de chuva e, de imediato, constatei que o aparelho telefônico,
que deveria comunicar com o Corpo da Guarda, estava com os fios arrebentados.
Estava inoperante, aumentando assim minha sensação de solidão, que já não era
pequena. Pus-me a observar, através das janelas, a imensidão da noite que me
cercava. A neblina noturna, a umidade e o frio dominavam todo o ambiente,
tornando-o melancólico e opressivo. A forte chuva e a parca iluminação
artificial reduziam a visibilidade a apenas alguns metros em torno do posto.
Murmúrios de lamentações eram trazidos na voz do vento intermitente, ora em
sussurros, ora em gemidos de vozes uníssonas. “Estas serão as duas horas mais
longas da minha vida” ― pensei, enquanto respirava fundo. Procurei ocupar meu
espírito com assuntos que fossem do meu vivo interesse, de modo a não me deixar
dominar por aquela atmosfera desolada e deprimente. Como jogava xadrez, armei
mentalmente um tabuleiro e iniciei uma partida, jogando alternadamente os
lances com as peças brancas e as pretas. Costumava fazer isso quando precisava
matar o tempo. Joguei uma, duas, várias partidas, todas curtas e que acabavam
invariavelmente em empate. Era custoso manter a concentração com aquele
ambiente adverso. Tentei outro artifício, procurando relembrar músicas antigas,
com a ideia de cantá-las baixinho; lembrei algumas, mas a atmosfera local era
tão soturna que eu me senti como se estivesse ofendendo a natureza com meu
cantarolar, sendo assim, achei melhor emudecer. Com estes e outros artifícios
mentais consegui arrastar o tempo até três e meia da madrugada.
Estava pensando num outro
subterfúgio para tentar enganar o relógio, quando, pela janela, divisei à
distância o que parecia ser um vulto em meio à neblina noturna. Era uma
silhueta rarefeita, postada imóvel sobre uma pequena elevação do terreno. Seria
gente? Um animal? Uma ilusão de ótica?... Era muito fácil ser traído pelos
sentidos, nas condições precárias daquele ambiente. Mas meus sentidos nunca
estiveram tão aguçados quanto naquele momento. Era, sim, uma sombra vaporosa,
estática entre as outras sombras da vegetação que dançavam ao seu redor,
tangidas pelo vento.
― Quem vem lá? ― gritei, empunhando
o fuzil.
Não houve resposta.
― Quem vem lá, identifique-se! ― e,
ao tempo em que ordenava, engatilhei minha arma com decisão, de modo a que
minha ação fosse ouvida à distância.
Novamente, como resposta, apenas a
lamúria do vento.
“Bem, eu não posso simplesmente sair
dando tiros sem saber em quem” ― pensei.
Apertei os olhos tentando enxergar
através da neblina e tive a nítida impressão de que o vulto nas sombras era o
cabo da guarda. Era um soldado, sem dúvida. Estava com capacete e fuzil
pendurado no ombro direito, e era de uma magreza notável.
― Cabo Sugahara, é você?!... ―
perguntei, em voz alta.
Em vez de pronunciar alguma coisa, o
vulto levantou o braço esquerdo e apontou para mim.
Era tudo muito estranho. Tentei
raciocinar, incomodado pelo arrepio gelado que subia pela minha espinha. Se era
o cabo, por que ele tinha voltado, após ter conduzido o trenzinho até o
quartel? Deveria, isso sim, estar descansando para seu próximo turno. Estaria
ele testando meu desempenho em serviço? Afinal, sentinela alguma conseguiria
dormir com aquela tempestade barulhenta e com aquela angústia constante, por
estar sozinho no meio do nada...
Poderia ser o ronda, sentinela itinerante que fiscalizava cada posto de guarda,
ao longo da madrugada. Mas o ronda, ao chegar, interpelava cada sentinela fixa,
perguntava e anotava nome, número, destacamento... não ficava estático e mudo,
apontando para algum lugar.
Só havia uma maneira de saber: vesti
a capa de chuva, empunhei meu rifle e resolvi sair da guarita. Afinal, com medo
ou sem medo, era meu dever guardar o caminho do paiol e estar à cavaleiro de
tudo o que ocorresse no local durante meu turno de duas horas. Deixei meu
abrigo e caminhei, vagarosa e cautelosamente, em direção à elevação onde o
vulto se encontrava. Ele continuava lá, parado sob a chuva, braço estendido,
apontando, na verdade, para o morro situado atrás da guarita. Tive, mais uma
vez, que enlamear meus coturnos e sentir a friagem nas pernas e nos pés,
molhados pelas corredeiras de água fria, argila e detritos, que não cessava de
deslizar em seu caminho fluido ladeira abaixo. A vegetação rasteira era outro
obstáculo, eu ia, praticamente, num voo às cegas, até chegar à parte mais alta
do percurso. Com dificuldade, lutando contra a chuva de vento, a lama, a pouca
visibilidade e o aclive em meio à vegetação densa, cada vez mais cerrada à
medida que eu subia, consegui chegar próximo do local onde o soldado estava. Ou
melhor, deveria estar. Não havia ninguém! Mas o local era aquele mesmo, eu
tinha certeza. Lá em baixo ficara a guarita. Eu estava cercado pelas altas
árvores, a uns trinta metros de distância e num nível de quase dez metros acima
da cabine, que, de onde eu me encontrava agora, parecia desamparada e
vulnerável.
Olhei em torno à procura do cabo
Sugahara (era mesmo ele?,,,), mas ele havia desaparecido. Era difícil
distinguir alguém em meio àquele temporal, com a visão prejudicada pela névoa e
pela escuridão.
Tudo aconteceu num segundo: a
aparição surgiu repentinamente a poucos metros de mim, apontando para o posto
da guarda, quando um gigantesco trovão ribombou, ensurdecendo-me
momentaneamente. Só tive o reflexo de olhar para a cabine de onde eu tinha
vindo e, horrorizado, deparar com uma enorme pedra precedendo uma avalanche que
se desprendia do morro atrás da guarita. O enorme pedregulho, seguido de uma
enxurrada de barro, galhos de árvores, pedras e escória, atingiu em cheio o teto
da construção, pondo-a abaixo e carregando seus destroços na enchente
avassaladora que se formou. Parte do morro veio abaixo, encharcado que estava
pelas águas infiltradas, o que comprometeu sua sustentação, causando o
desmoronamento. O dilúvio devastador arrastou tudo que estava no seu caminho,
numa forte aluvião que alcançou uma altura de mais de dois metros.
Quando me recobrei do susto o vulto
do soldado tinha sumido.
Levou algum tempo até que eu
tentasse processar tudo o que havia ocorrido. Quando dei por mim os relâmpagos
já rareavam, longínquos, e a chuva dava sinais de afrouxamento. Sem muita
escolha, abriguei-me debaixo de árvores na elevação onde eu estava. Meu turno
de guarda já estava chegando ao seu término. Fiquei contemplando, perplexo, bem
aos meus pés, o estrago protagonizado pela natureza em revolta, da qual eu
escapara por pouco. Tentei rememorar e entender a sucessão de fatos ocorridos
desde minha chegada ao posto de guarda até aquele momento. Ainda conjecturava
sobre os acontecimentos, quando ouvi uma voz, chamando:
― Ei, soldado da guarda! Onde está
você?!
Novo sobressalto, mas era apenas o
cabo condutor do trenzinho, que acabava de chegar. Olhei as horas, eram quatro
da manhã.
― Soldado, você está aí?!... ― o
cabo dirigia seu chamado para o local arrasado, onde antes existia um posto de
guarda.
Senti o alívio da tropa quando me
viu surgir de entre as árvores. Apresentei-me, era um cabo de outra companhia,
eu não o conhecia. A chuva diminuíra bastante.
― Caramba! ― disse o cabo ― Que
estrago! Parece que passou um terremoto por aqui, até tivemos que vir por outro
caminho. Como foi que você escapou dessa?... Milagre?!...
― Agradeço ao Sugahara ― falei,
enigmático.
Os soldados entreolharam-se,
desconfiados, sem entender.
― Você está falando do cabo
Sugahara, que está dormindo lá no Corpo da Guarda desde duas horas da manhã? ―
questionou, incrédulo. Diante das expressões dos soldados, ansiosos por uma
explicação, decidi apenas desconversar, afinal, nem eu mesmo tinha certeza de
coisa alguma. A experiência por que eu acabara de passar tinha características
totalmente estranhas. Seria muito fácil, caso eu a narrasse, ser objeto de
descrédito e chacota.
― No alojamento eu comento, vamos
cair fora daqui e sair da chuva ― finalizei, não dando chance para mais
perguntas.
A volta do trenzinho foi um trajeto
dominado pelo silêncio e pela pasma contemplação da ruína que a tempestade
deixara atrás de si. A chuva amainara, mas nem por isso o percurso deixou de
ser penoso.
Ao chegarmos ao alojamento do Corpo
da Guarda, o cabo informou ao sargento Clemente sobre a situação que
encontrara, especialmente no posto número seis, sendo que o sargento chamou-me
à sua presença:
― Então, soldado Vieira, parece que
você escapou de uma boa, hein!... Pode me contar o que foi que aconteceu?
Não precisei pensar muito para
decidir se narraria ou não, os fatos da maneira como aconteceram, segundo minha
ótica. Era uma sensação muito incômoda, aquela da qual eu estava tomado, sem
respostas lógicas e plausíveis. E o sargento era um sujeito de mente aberta, e
eu não queria guardar aquela carga de dúvidas e mistério só pra mim. Resolvi
contar, sem me importar com a possível reação de descrença.
― Bem,
sargento, ― comecei ― por volta de três e meia eu vi um vulto numa elevação
próxima da guarita, apontando para mim. Tive a nítida impressão de que era o
cabo Sugahara. Pedi que se identificasse, não houve resposta, então resolvi
sair do abrigo e investigar. Quando cheguei à elevação onde o vulto estava, não
tinha ninguém. De repente um espectro apareceu ao meu lado, apontando para o
barranco, que despencou numa avalanche e destruiu a guarita, carregando tudo de
roldão. Depois da enxurrada, nem vulto, nem guarita, não tinha mais nada.
Cheguei a pensar que estava tendo um pesadelo, ou ficando meio doido, era tudo
muito surreal!
― Bom, senta aí e se acalme. Vou
contar-lhe um fato sobre o qual poucos conhecem, porque nós, os mais antigos,
evitamos falar dele. ― E eis o que o sargento Clemente, com uma voz pausada e
grave, contou:
― Há cerca de cinco anos aconteceu
uma tragédia no posto número seis. A sentinela que montava guarda no turno da
madrugada, de duas às quatro, era o irmão mais novo do cabo Sugahara. Numa
noite de tempestade, igual à que ocorreu hoje, uma pessoa que se aproximava da
guarita não atendeu à voz da sentinela para que se identificasse. Fosse pelo
ambiente sombrio e sinistro daquela madrugada, ou pelo sobressalto e temor do
soldado, nós nunca saberemos ao certo, o fato é que ele, levando as ordens às
últimas consequências, abriu fogo contra o vulto. Ao se aproximar da vítima
moribunda, ainda ouviu suas últimas palavras. Era um humilde morador local que
utilizava o caminho do paiol para chegar à sua casa, depois do seu trabalho
noturno. O soldado, em desespero, correu ao telefone da guarita e pediu socorro
ao Corpo da Guarda, narrando o terrível acidente. Quando a ambulância do
quartel chegou ao local deparou com a aterradora tragédia, não de um cadáver
apenas, mas, dois. O soldado cometera suicídio, disparando o fuzil contra o
próprio peito.
― Caramba!... ― foi tudo o que
consegui balbuciar.
― Desde então ― continuou o sargento
― aparições inexplicáveis, principalmente em madrugadas ou ocasiões mais
hostis, tem acontecido esporadicamente. É como se o espírito do soldado ainda
guardasse o posto seis, protegendo o local e suas sentinelas. Depois, os
acontecimentos são comentados, ampliados e esquecidos, virando simples
ocorrências de lenda urbana ou folclore entre os soldados, como se fossem histórias inventadas,
meros boatos da soldadesca para assustar os novos recrutas.
Depois da narrativa, na mudez que se
abateu sobre nós, eu e o sargento sabíamos que nada mais teríamos a dizer.
Nossos pensamentos elevavam-se numa tácita prece em memória ao espírito em
desassossego do soldado fantasma.
No aposento contíguo, podia-se ouvir
o ronco do cabo Sugahara, dormindo a sono solto desde pouco mais de duas da
manhã.
Devia estar sonhando, alheio a tudo...
Conto escrito por
CAL - Comissão de Autores Literários
Produção
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
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