5x01 - A Benesse do Natal
de Lilian Guinski
As taças se tocaram num solitário brinde.
Tim-Tim! Os irmãos e seus drinques seguiram para a varanda de onde
testemunhavam a cidade. Luzes coloridas, fogos espocando, cantigas natalinas
ressoando. Entediados,
olharam para a própria rua, mas pouco enxergavam. Baltazar voltou à sala e
pegou o drone. Gaspar montou o instrumento, era o mais hábil. Melchior instruía
Gaspar, porém era por ele ignorado.
Voaram num ziguezaguear caótico rastreando o
asfalto, as calçadas e
as portas, mas a
tela do computador revelava apenas a ausência de pessoas.
— O que esperamos ver? Estão em família
comemorando o Natal — concluiu Gaspar.
— Em família! Hoje somos o Grinch, o Scrooge e…
— Baltazar se emudeceu.
— “Mudaria o Natal ou mudei eu?” — Melchior
declamou o verso de Machado de Assis.
Por conta da melancolia, persistiram. De súbito avistaram uma
mulher, que, com esforço, empurrava um carrinho.
Sobressaltados, os irmãos perceberam um velhinho aninhado no veículo.
Aproximando a câmera, notaram que o casal, carcomido pela idade e intempéries
da vida, vestia andrajos e se fazia acompanhar de dois cães tão descarnados
quanto os humanos.
—
Parece Jesus na manjedoura!
Lembraram da casa da infância, plantada no meio
do nada. Pai e mãe
cuidando da lavoura, as crianças manuseando pequenas enxadas, as marmitas
frias. Décadas se passaram. Olhando para a mesa, os três apatacados resolveram
alimentar a dupla com um farnel para temperar aquelas bocas famintas e aliviar
suas próprias solidões e consciências. Gaspar levou as finas louças e cristais;
Melchior conduziu as frutas, carnes e doces; Baltazar carregou as delicadas
bebidas. Os irmãos arrumaram os quitutes sobre uma fina toalha estendida nos
degraus de entrada do prédio e os cinco cearam juntos.
Entre uma garfada de saborosa guloseima e um
gole de delicada bebida, a conversa aflorou. A senhorinha contou uma história,
as memórias do par, enquanto o marido deleitava- se com o rega-bofe e o carinho
dos cães.
— Nossos guris saíram para enricar e daí viver
na terra em que os pinheiros apontam para o céu, como os daqui. Nunca voltaram.
Esperamos um tempão e daí saímos pelo mundo na esperança de dar com nossos
filhos. Andamos por aí mais anos que os dedos que temos juntos. A saudade
espichou e nossa carestia se gravô. A
gente não se apoquenta, segue procurando.
Os anfitriões se emocionaram com a história e
com as recordações que daquela voz brotou. Eles viveram aquela mesma história.
Ainda muito jovens, deixaram a casa familiar em busca de fortuna e aquela
senhorinha trazia entre as rugas o semblante da mãe deles.
Enquanto o trio observava a dupla, a mulher
contou que naquele dia, Dia de Natal, era o aniversário do Seu Natalino, seu
marido.
Com enternecimento cantam parabéns, e, então, apenas para ter certeza
do que já tinham convicção, perguntaram:
— Como se chamam? Seus filhos, como se chamam?
A voz do festejado enfim era ouvida.
— Meus filhos são meus três Reis Magos. Um é o
Baltazar, o outro é o Melchior e o mais novinho é o Gaspar.
— Pai? Mãe? — Balbuciaram atônitos os irmãos. —
Nós procuramos tanto por vocês, tanto!
Os convidados não escutaram o que foi dito e
replicaram: — Quê?
E os quase setentões, como se voltassem a ser
crianças, abraçaram o casal.
— Seu Natalino, nosso pai! Mãe! Dona Jesuína! —
Entre lágrimas, todos se abraçaram.
Dos prédios ao redor surgiram conhecidos e
desconhecidos trazendo iguarias e instrumentos musicais. Todos se somaram numa
grande confraternização. A rua de repente se alumiou com o brilho de uma
estrela-guia que traçou no céu o mapa para a esperança verdadeira e para a mais
pura gratidão.
Bruno Olsen
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
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