5x08 - O Nome Dele
de Roque Aloisio Weschenfelder
Tinha sete anos, sabia ler um
pouco, e papai se
preocupava que eu também aprendesse a ler em alemão. Sim, ele lia e sabia até
escrever em alemão. Na verdade, eu sabia mais falar em alemão do que em
português. Precisava saber o que significava “Pelznickel”, porque um coleguinha da escola disse que, em
português, esse homem que traz presentes no Natal é um Noé, ou Noel, ainda não consegui
entender bem, quando ele falou.
— Papai, como se chama “Pelznickel”
em português? – perguntei,
falando em alemão.
Meu pai chamou minha mãe e ela também não sabia. Minhas
irmãs e meu irmão eram mais novos que eu, e ainda nem iam à escola. Lá onde morávamos só
tinha aulas de primário, nada de escola infantil ou além do 5º ano.
O jeito foi falar, no dia seguinte, com meus colegas e
aprender de vez o nome do bom velho em português. Nosso professor, um
ex-seminarista, era capaz de também não saber.
Me fala “Pelznickel” em
Português — pedi a outro colega.
— Eu não sei. Só o Ramon, aquele que não sabe bem alemão,
deve te responder isso.
— Ramon, como se chama o homem que traz presentes no Natal?
— Ah, esse é meu pai. Ele e a mãe é que compram e escondem
pra entregar só no dia de Natal!
Poxa!
Essa me pegou de surpresa! Eu sempre acreditei que o “Pelznickel” era alguém real.
Ramon nem queria conversa. Ele já tinha nove anos e estava
no terceiro ano. Os do terceiro não davam muita bola, digo, conversa para nós,
menores que eles e ingênuos.
O que fazer? Eu queria saber, eu tinha de saber o nome do
homem de barba branca e roupa vermelha. Nem dei muita atenção à declaração do
Ramon. Isso não cabia em
meu mundo de
faz-de-conta.
De noite, sonhei que o “Pelznickel”
estava na casa dos vizinhos, a cerca de 250 metros da nossa. Na área rural de pequenas
propriedades, as casas vizinhas não ficam muito perto e nem bastante longe, como é nas fazendas.
Sonhei que ele pedia para as crianças dizerem seu nome em português para ele
entregar os presentes. Fiquei tenso, sabendo que eu não saberia responder. Não
demorou, e o
velhinho bateu na porta
da nossa casa. Papai levantou e perguntou o que ele queria. Logo ouvi que ele
falou “o português”. Então meu coração disparou e eu quis fugir, mas não
conseguia sair do lugar. Comecei a gritar e logo depois acordei, com mamãe ao
lado de minha cama. Eu só disse: “Pelznickel”.
Continuei chorando, mas ela
falou para que eu dormisse, pois não tinha
ninguém incomodando.
Acordei e logo fui até a escola. Não queria voltar sem saber
o que era “Pelznickel” em português.
Imaginei que o sonho era o prenúncio do que aconteceria no dia de Natal, e, se
eu quisesse ganhar
presente, teria de saber dizer o nome do homem – na língua do Brasil!
Voltei sem saber.
Os dias iam passando e meu coração estava o tempo todo
apertado. Muito apertado. Mal conseguia prestar atenção na aula. Sorte que já
sabia ler bem, e
também conseguia escrever palavras, mesmo sem atinar bem o seu significado. Ser
alfabetizado em uma língua
diferente da que se sabe,
é a coisa mais cruel. Isso eu comecei a pensar bem mais tarde.
As férias começaram e a véspera de Natal chegou.
Mamãe falou, de manhã, que hoje todos tinham de ser bem-comportados,
porque, a qualquer hora, o “Pelznickel”
poderia chegar. Ele só entregaria presentes se soubéssemos rezar e deixássemos
toda a casa bem em ordem, sem bagunça, nem mesmo no pátio. Ajudei minha mãe a limpar a
cozinha, a salinha e os quartos.
Uma coisa não me deixava em paz: e se ele perguntar o nome
dele em português?
Ele veio. Sim. Não dava para ver nada do corpo dele. A roupa, o capuz e a barba grande e branca, tudo cobriam.
Eu estava perto de papai, e minhas irmãs agarradas na saia de mamãe – que segurava meu irmãozinho no colo.
Estranhei que o “Pelznickel”
falava um alemão meio estranho. Parecia não
saber falar bem esta língua.
De repente, minha ansiedade me fez dizer, sem antes pensar: “Pelznickel, wie heist du in” Português?
(como é teu nome em Português?)
— Papai Noel!
— Como? — perguntei.
— Pa-pai No-el!
Papai Noel entregou os presentes e saiu logo.
Eu corri e anotei no meu caderno de aulas: “Papai Noel”.
Olhei meu presente: um livro bem colorido — A História de
Papai Noel.
CAL - Comissão de Autores Literários
Bruno Olsen
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
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