5x10 - Véspera de Natal
de Lilian Menenguci
Num
shopping da cidade, centenas de pessoas apressadas tropeçavam em sacolas e mais
sacolas de presentes. Uma ansiedade descomunal em cada uma das pessoas, desenhava o
comportamento coletivo naquela tarde de véspera de Natal. Ansiedade manifestada
tanto por parte daquelas pessoas que desejavam comprar os últimos presentes,
quanto por aquelas que precisavam vender e bater suas metas comerciais.
No meio disso tudo, parei para comer. Recentemente,
confesso, aprendi a comer comida
japonesa. Alguns pratos ainda me causam um certo estranhamento, um nojinho
inaugural. Outros, contudo, já ganharam minha extrema simpatia. Depois que isso
acontece, tenho chances de me apegar, tanto, e de tal modo que consigo
pedir sempre a mesma coisa.
Antes
de montar o prato, observei o que estava exposto para que, então, a partir do
meu gosto, pudesse escolher o que comer na tarde dezembrina. Senti falta do
salmão, iguaria que me deixa de água na boca. Então, reclamada a sua ausência,
decidi esperar pela reposição do peixe para poder, finalmente, servir-me.
Sentei-me
numa das mesas da praça de alimentação. Dela, vez ou outra, lançava meu olhar
na direção do restaurante com a intenção de ter confirmada a providência. Tomei
o celular nas mãos – e não foi para ligar,
ler, mandar mensagens ou acompanhar o movimento das
redes sociais, mas – para justificar, contemporaneamente, a agonia da
espera.
Entretida
com o aparelho, fui surpreendida por duas crianças, de olhos castanhos, e
fundos, que, subitamente, se achegaram apontando e anunciando: — aquela tia lá, disse que era para a gente sentar aqui, com você, para
esperá-la. Olhei e vi que a tia à qual se referiam era uma amiga cuja amizade
computa quase uma década. E, elas, continuaram: — A gente tá com
fome, com muita fome, tia!
Imediatamente,
e sem negar surpresa, tirei os olhos da tela luminosa para reparar naquelas
criaturinhas. Ele, mais falante, estava metido numa camisa (esgaçada) esgarçada do flamengo. Ela,
franzinamente tímida, ostentava uma blusa temática de Frozen. Ambos descabelados, sujos,
rastros de catarro seco no rosto e famintos.
Começamos a nossa conversa. Nela, descobri que ele tem 11 e ela 8 anos. São irmãos.
Outros quatro ficaram em casa. A mãe, desempregada, está grávida de uma menininha.
O pai é porteiro. Moram longe. Vieram passear no shopping, pulando as roletas
do ônibus, em companhia dos primos mais velhos.
Enquanto
segui na conversa com os dois pequenos, constato, ao redor, a incomodação das pessoas que,
de alguma forma, observavam-nos. Colecionamos, além de olhares tortos,
desconfianças. Era visível o desconforto delas, das pessoas, em relação ao
nosso movimento.
Eis que a tia que havia indicado que as crianças se sentassem comigo, se
aproximou com a sua bandeja de comida. Sem cerimônia, abandonou-a sobre a mesa
sob minha responsabilidade. Chamou as crianças pelas mãos e lá se foi, rumo ao
restaurante de fogão à lenha. Nele, acompanhou cada uma delas
servindo-se.
Marcos,
entre alface, arroz, coxa assada de frango, farofa, feijão e maionese,
serviu-se de um quilo de comida. Lorraine, que se declarou amante de batata
frita, brócolis, carne branca, couve-flor e tomate, não deixou muito a dever ao
irmão. Logo que retornaram, soube, pela amiga, o quanto os clientes da casa
demonstraram seu descontentamento com a presença das crianças por lá.
Elas,
contudo, retornaram à nossa mesa, na praça de alimentação, com um olhar
brilhante descomunal. Sentaram-se apressadamente. Respiraram fundo, diante de
seus pratos, e deram a primeira garfada. Era possível contar quantas vezes
mastigavam, apesar da fome por engolir. E, comeram. Comeram tudo. Declararam: — Estamos cheios!
Depois
disso, minha amiga voltou,
delicadamente, ao prato dela. Nesse meio tempo, a gerente me chamou dizendo que o salmão já havia
sido reposto. Do meu canto, com um riso miúdo no rosto, respondi: — Estou satisfeita por hoje!
CAL - Comissão de Autores Literários
Bruno Olsen
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
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