2x03 - Duas Vidas
de Maria Aparecida Freire Batista
Parecia
um dia como outro qualquer. 16 de novembro de 2010. Onze horas da manhã. Nossa
mãe foi nos buscar na escola como de costume. No caminho, como habitual,
passamos pela casa de Antônia, amiga de nossa mãe. Sempre ficávamos impacientes
a esperar a conversa findar, pois minha irmã e eu gostávamos de chegar logo em
casa para assistirmos aos desenhos que passavam na tv na época. Mas nesse dia
foi diferente. Lembro-me como se fosse ontem. Talvez não exatamente como
ocorreu, pois (a) nossa mente altera alguns detalhes. Porém, recordo-me como se
estivesse vivendo novamente esse dia memorável. Essa data ficou marcada na
minha memória desde então.
Enquanto mãe e a mulher dialogavam
sobre os problemas das suas vidas e ainda os das outras pessoas, notei algo amarrado
no pé de uma mesa. Era um animalzinho peludo, de corpo branco, com patas, rosto
e rabo marrons, de olhos de um azul muito lindo, como a cor do mar. E este me olhava com semblante triste e
melancólico. Tratava-se
de um belíssimo gatinho, ainda muito novo. Foi amor à primeira vista. Minha
irmã e eu começamos a brincar com ele, e percebemos que ele não parecia feliz
ao estar ali preso, sem poder correr e se divertir. Quando a mãe, resolveu ir para
casa, nós não queríamos mais. A dona, percebendo o fato de termos gostado tanto
do gato, nos propôs:
–
Vejo que gostaram muito dele. O querem para morar com vocês? – E como que
falando para nossa mãe afirmou – É um macho.
–
Queremos – respondemos em uníssono bastante felizes – Deixa mãe – Pedi, sabia
que ela não era fã de animais.
Após pensar e hesitar na
resposta, ela finalmente respondeu:
–
Tudo bem... Mas como vamos levá-lo para casa?
–
Ora, mulher, não se
preocupe com isso, Joaquim vai deixá-lo.
Antônia
queria se livrar do animal, isso era um fato. E estávamos contentíssimas por
isso, o melhor presente que ganhei. Ao longo do caminho, íamos ansiosos para a chegada
da tarde, quando o marido da mulher iria trazê-lo para nossa residência. Por
outro lado, a mãe
vinha pensativa, pois não sabia se tinha feito a escolha certa, mas agora já
estava sem jeito. O gato ia morar conosco e nós iríamos nos divertir muito com
ele.
Quando
chegou a tardezinha, como prometido, Joaquim nos trouxe o belo gatinho siamês.
Ele estranhou um pouco no início, mas por ser ainda pequeno acostumou-se rápido
com o ambiente. Percebi que os olhos dele, estavam mais vivos, mais alegres do que antes. Ou talvez
tenha sido a observação da fantasia de criança, mas guardei essa impressão e
por isso acredito que realmente aquele brilho encontrava-se presente nos seus olhos, quando
outrora não estava. Claro, a primeira coisa que devíamos fazer era colocar um
nome nele. Então, meu irmão escolheu um nome simples e fácil: Miu. Gostamos! E foi dessa forma que o
Miu parou aqui em casa e nos nossos corações.
Contudo,
logo notamos que ele não era um macho, mas sim uma fêmea. Isso significa que,
ou Antônia sabia e por isso queria dar o animal, ou ela desconhecia esse fato e
por algum outro motivo desejava nos dar. Mas enfim, em mim, nada alterou essa
circunstância. Todavia, em minha
mãe, sim pois uma fêmea durante o cio é difícil de lidar e ainda poderia ter o
nascimento de filhotes e minha
mãe jamais ia querer a casa cheia de bichos. Entretanto, continuamos com a
gata, sem castrar, minha
mãe teve de aceitar. Dessa forma, ela já não poderia ser chamada de Miu, devido
a isso mudamos o nome dela para Ninha.
A
Ninha foi crescendo,
alegre e sapeca. Poucos dias depois de sua chegada, apareceu uma gata-preta no quintal da
nossa casa. Muito mansa, alimentamos
ela com frequência, e assim foi-se ficando perto da gente. Ela estava grávida,
e teve três filhotes no nosso terreiro. Contudo, quando os gatinhos já haviam deixado
de mamar, a gata pegou um filhote pela boca, pulou o muro e sumiu. Jamais
voltou para buscar os outros dois. Nunca mais a vimos. Com isso, meu pai levou
um dos gatinhos para o nosso sítio. Enquanto o outro passamos a criá-lo junto
com a Ninha. De olhos amarelos como o sol, e de pelos pretos, tratava-se de um
gato muito bonito. Meu irmão, mais uma vez com suas ideias mirabolantes, criou
o nome para ele de Fuscão Preto. Um nome engraçado até, mas combinou com o
gatinho.
E
assim eles foram crescendo, brincando, brigando, andando pelos muros e
telhados. Apesar de criados juntos, na hora da comida sempre brigavam. Ela miava alto, ele baixo. Ela era mais agitada, ele
calmo. Ela era mais desligada, ele atento. Ela vivia passeando, ele em casa.
Eram diferentes e lindos cada um à sua maneira. O Fuscão parecia que sempre
teve medo de não fazer parte da família. Se fechasse a porta e ele estivesse do
lado de fora da casa, ficava louco para entrar, mal saía de casa, nem pedia
muito, era do tipo de esperar.
Fui
crescendo com eles. Acompanharam-me na minha passagem de criança para
adolescência. Sempre ao meu lado. Brincávamos muito, ao vê-los sumia qualquer
tristeza que eu tivesse sentindo. A Ninha chegou a engravidar, mas seus
filhotes não cresceram por muito tempo. Então, durante esse período era somente
eles dois. Apenas eles dois. Ao passo que eles foram envelhecendo, ficaram mais
caseiros. Dormiam
em todo canto que deixassem. Ela amava descansar em um canto da cozinha, ao
lado da porta, e perto dos degraus. Ele gostava de dormir na cozinha, perto do
banheiro. De jeitos bem distintos, amavam-se a seus modos, e nós sempre proporcionamos muito
carinho...
Hoje
já faz cinco anos que o Fuscão morreu. Foi um dia muito triste para mim. Antes
de sua morte, ele havia passado uns três dias fora de casa, estranhei esse
acontecimento. Algo me dizia que tinha alguma coisa errada. Quando ele reapareceu estava muito mal e faleceu
nesse mesmo dia. Era um dia de
semana e tive que
ir para a aula, embora não quisesse. Quando cheguei já tinha falecido. Chorei
bastante. Sinto tantas saudades dele...
Hoje faz dois anos que a
Ninha morreu. Ela ia fazer dez anos. Assim como a do Fuscão, ela havia passado
alguns dias fora de casa, por volta de quase uma semana. Eu estava
preocupadíssima com o sumiço dela. Fazia um tempo que ela estava se alimentando
mal, comia pouco e emagrecia cada vez mais. Ela reapareceu em um sábado à noite, lembro-me como
se fosse ontem. Ninha
estava na cozinha bebendo água. Quando a vi senti uma pontada no meu coração.
Ela estava magérrima, triste, fraca, quase sem forças para miar. Insisti para
que comesse um pouco
de ração, mas rejeitou. E olhar para ela daquela maneira me doía demais. Foi
impossível conter as lágrimas. Minha irmã e eu choramos copiosamente. Eu sabia que ela ia morrer,
eu via isso, eu sentia que a morte já era inevitável. Porém, mesmo assim
afirmava para minha gata que ia ficar boa. Infelizmente isso não aconteceu. Fui
dormir chorando. Nunca mais a vi. No dia seguinte ela já havia ido embora e
jamais voltou. Sei que ela faleceu. Por volta de uma semana depois sonhei com a
Ninha. Ela estava bem como nos tempos de antigamente, alegre e com brilhos nos
olhos. Minha irmã também sonhou com ela, assim como todos os outros da casa. E
sei que ela veio se despedir de cada um de nós. Ainda me doí sua morte, e choro muito quando me
recordo. Sinto tantas saudades dela...
Foram anos maravilhosos os
que vivi ao lado dos meus queridos gatinhos. E às vezes me pego pensando como minha vida
teria sido diferente, pacata e sem brilho se eles não tivessem entrado nela. A saudade que sinto
deles é tamanha, que nem
consigo pôr em palavras. Agradeço aos céus por aquele dia 16 de novembro de 2010, termos ido à
casa da amiga da minha
mãe. E por aquela gata-
preta ter dado cria no quintal de casa e ter deixado o gatinho. Uma coisa eu
afirmo, Ninha e o Fuscão
sempre estarão ao meu lado.
“Foi um dia memorável, pois ocorreram grandes
mudanças em mim. Mas isso se dá com qualquer vida. Imagine um dia especial na
sua vida e pense como teria sido seu percurso sem ele. Faça uma pausa, você que
está lendo, e pense na grande corrente de ferro, de ouro, de espinhos ou flores
que jamais o teria prendido não fosse o encadeamento do primeiro elo em um dia
memorável.”
(Grandes Esperanças)
Charles Dickens
Desenho
Maria Aparecida Freire Batista
CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima
Francisco Caetano
Gisela Peçanha
Liah Pego
Lígia Diniz Donega
Mercia Viana
Rossidê Rodrigues Machado
Bruno Olsen
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
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