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Antologia Contos Contemporâneos da Violência Urbana: 4x04 - Janete

Conto de Cláudia Gomes
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Sinopse: "Janete" é uma dessas histórias que acontece todos os dias em nosso país. A saída da terra natal em busca de melhores condições na grande metrópole revela, cruelmente, à personagem principal, Janete, que nem todos sobrevivem frente à violência.

4x04 - Janete
de Cláudia Gomes


    Janete era a filha caçula da senhora Yolanda. Tinha onze anos e gostava muito de brincar de escolinha com as meninas de sua idade. Estava na grande São Paulo havia quatro anos. Ela, a mãe e o padrasto vieram do interior de Minas Gerais para tentar uma nova vida, um novo emprego havia surgido para seu padrasto.

A mãe havia conseguido também um emprego de auxiliar de almoxarifado em uma grande empresa da capital. Saia sempre às quatro da manhã para chegar no horário em seu emprego. O padrasto, senhor Hamilton, começou a trabalhar de mecânico em uma grande fábrica da ABC Paulista.

A vida para eles parecia que estava se arrumando. Já tinham conseguido um apartamento através do programa Minha Casa, Minha Vida e os três pareciam felizes. Mas Janete, embora parecesse feliz e adaptada à nova realidade, tinha saudades dos seus irmãos, principalmente das suas duas irmãs.

A senhora Yolanda deixou os outros filhos do seu primeiro casamento em Minas. Todos, na verdade, já eram adultos, trabalhavam e seguiam suas vidas. Após se separar do pai dos seus filhos, ela jurou que não se casaria mais, pois não queria aguentar um marido beberrão como era o dela. No entanto, o destino pregou-lhe uma peça: dois anos depois de separada, lá estava a senhora Yolanda casada de novo.

Os filhos, na época, não aceitaram muito bem. Os dois rapazes tinham ciúmes demais da mãe. A filha mais velha, Lígia, até aceitou o padrasto sem reclamar, mas queria que a irmã caçula, Janete, morasse com ela, pois já era casada e tinha uma filhinha quase da mesma idade da irmã mais nova. A outra irmã, Luciana, estava noiva na época em que a mãe se casou e preferiu não dar palpite no relacionamento da mãe, afinal, ela e o futuro padrasto pareciam se gostar.

Dois anos depois da união dos dois, resolveram deixar tudo para trás e buscar melhores condições de vida na grande São Paulo.

Assim foram eles, com a certeza de que viveriam mais felizes com os empregos novos, casa nova e uma cidade cheia de novidades.

Como a mãe de Janete e o padrasto saíam muito cedo para o trabalho, ela aprendeu a se arrumar para ir à escola sozinha, ou melhor, com duas vizinhas. Ao lado do seu apartamento, havia duas colegas que estudavam no mesmo colégio, mas eram de salas diferentes por causa da idade e elas iam e voltavam juntas todos os dias.

Na escola, Janete aprendia tudo muito rápido, talvez o hábito de brincar de escolinha com suas coleguinhas facilitasse o seu desenvolvimento na escola. Sempre era a primeira a realizar a tarefa de sala e os professores a elogiavam bastante.

Quatro anos naquela cidade e a mãe dela ainda não tinha a levado em um parque famoso que tinha a montanha russa mais alta do mundo, segundo suas vizinhas. E para a felicidade de Janete, naquele final de semana, ela iria conhecer e brincar nos aparelhos mais desejados de sua geração.

Desejou que a semana passasse logo, que chegasse logo o final de semana. Contava os dias. Dormia feliz e acordava alegre. A felicidade transbordava do rostinho daquela menina cheia de saudade.

A mãe juntou durante uns seis meses os trocados do mercado e alguns outros que o marido dava para ela. Janete sabia que era um parque caro, por isso nunca pediu para a mãe levá-la, mas sempre que passava na TV alguma propaganda sobre este mundo fantástico de brinquedos gigantes, seus olhinhos pretos brilhavam como diamantes.

Como ela havia feito onze anos recentemente, aquele final de semana seria a comemoração do seu aniversário, o presente de sua mãe para ela. Este seria, na verdade, o primeiro presente, porque o segundo seria viajar para ver seus irmãos quando tivessem melhores condições financeiras.

Havia quatro anos sem vê-los, sem ir à sua terra natal. A mãe também prometia levá-la em algum Natal ou época de férias do seu trabalho. Mas o financiamento do apartamento não a deixa ainda fazer uma viagem grande dessa.

Da sexta para o sábado, Janete não dormiu direito. Estava ansiosa com o passeio. Viu a hora em que o padrasto saiu para o trabalho, viu a hora que o caminhão do lixo apitou na esquina e ainda ouviu, em plena madrugada, um grupo de cachorros brigando por causa de alguma cadela. Olhou no despertador ao lado da cama: 05h13min. Virou para o outro lado da cama tentando dormir mais um pouco.

__Janete! Filha, acorde, nosso dia será longo!

A voz da mãe parecia bem distante e ouvindo de novo as mesmas palavras, ela deu um pulo da cama.

__ Calma, menina! A mãe sorria ao ver a felicidade da filha em seu rostinho.

__Nós vamos perder o ônibus?

__Claro que não! Mas se você demorar muito acredito que não conseguirá brincar em tudo que desejar.

Rapidamente, a menina já havia tomado banho e se arrumado. O macacão amarelo de listrinhas brancas combinava com as duas grandes presilhas que prendiam seu cabelo para trás. O tênis branco revelava que o dia seria de pura diversão.

E foram elas, mãe e filha, de braços dados para o ponto de ônibus em busca de um dia feliz. Um dia leve, com horário para sair de casa, mas sem horário para voltar.

Já estavam no segundo ônibus e Janete queria ver tudo pela janela. As grandes construções eram rapidamente trocadas por morros de casas amontoadas e desordenadas.

O trânsito naquela região estava parado. Não havia movimento dos carros. Os passageiros olhavam pelas janelas, preocupados. A mãe abraçou Janete puxando-a para perto dela.

A voz do motorista cortou a aflição de todos:

_ Pessoal, peço que todos fiquem sentados e os que estão em pé, por favor, se abaixem.

Um murmurinho surgiu dentro do ônibus até que um grupo de pessoas fardadas passou correndo do lado de fora. Gritos de “Pare”, “Pega ele”, “Atira” ecoaram na mente de Janete. Ela fechou os olhos e colocou a cabeça no colo de sua mãe que estava com as mãos suando.

De repente, Janete abriu os olhos e se deparou com o motorista do ônibus com as mãos para cima. Parecia que ele estava falando algo, mas ela não ouvia o que era. Aliás, o choro das pessoas em sua volta não deixava que ela ouvisse a conversa do motorista com o cara que lhe apontava a arma.

Janete agarrou ainda mais a mãe e as duas ficaram ali por longos minutos que pareciam uma eternidade.

O estrondo se misturou com os gritos dos passageiros. As pessoas não sabiam se tinha sido a mãe ou a pequena garota que fora atingida pelo criminoso. O barulho era intenso.

__ Desçam, desçam!! Gritava um policial entrando no ônibus enquanto outros dois seguravam um garoto franzino que há pouco tempo estava com uma arma na mão.

       O último passageiro a descer foi Yolanda pisando os degraus do ônibus como se fossem nuvens de algodão manchadas pelo sangue de sua Janete.

      Talvez em outros tempos, outras épocas, essa mãe desesperada pela perda de sua filha repensasse se valeria a pena ir para uma cidade grande. Talvez se ela imaginasse que isso pudesse acontecer... Talvez! O tempo não sussurra nos ouvidos a hora de parar ou de seguir, mas naquele momento, um nó em sua garganta travou. Talvez fosse a hora de retornar.

       


Conto escrito por
Cláudia Gomes

CAL - Comissão de Autores Literários
Francisco Caetano Gisela Lopes Peçanha Liah Pego Lígia Diniz Donega Mercia Viana Pedro Panhoca Rossidê Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


REALIZAÇÃO



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