Nada de Natal
de Lara Machado
O Natal supostamente é uma época de festa, amor, união,
comidas típicas, perdão, comemoração do nascimento do Salvador. Para mim não
tem nada disso, a civilização me cansou e eu resolvi morar em uma cabana
localizada em uma serra desabitada. Nem pense que vou dizer onde é, sinto
dizer, mas não te quero perturbando minha paz solitária, basta dizer que fica
localizada no Brasil. As pessoas ditas normais conseguem achar paz no meio de
outras pessoas, porém eu não me encaixo nisso e está tudo bem, com exceção das
goteiras que teimam em aparecer por mais que eu as conserte. Você deve achar
estranho uma pessoa como eu compartilhar registros escritos; me deixe explicar:
eu sinto necessidade de deixar minha vida marcada de alguma forma, só não quero
mais marcas de outros na minha vida. Quando eu convivia com meus semelhantes,
percebi que a maioria das pessoas nem se preocupavam se eu estava bem ou mal;
outras queriam me ver na pior por simples prazer; algumas me amavam, e adivinha
só! As que me amavam foram as que mais me magoaram e não ficou nada bem. Eu não
sou um homem barbudo e forte, como deve estar imaginando. Meu nome é Leticia,
tenho estatura mediana, cabelos cor de mel, rosto e corpo simétrico. Quando era
criança, pensava que uma mulher ser bonita era tudo de necessário para viver um
lindo conto de fadas, só que amar não é algo simples. Por muito tempo, eu quis
viver um romance digno de um best seller, porém, não se pode forçar a
correspondência, nunca fui corajosa para mostrar meus sentimentos nem encontrei
alguém que fizesse isso antes de mim. Eu acho que ninguém nunca se apaixonou
por mim, ou apenas sentiu uma faísca fraca e foi melhor esperar uma chuva para
apagar o calor do que se incendiar por completo e aquecer minha existência.
Minhas amigas queriam me dizer como viver, minha família sempre foi boa, mas eu
precisava seguir meu destino. Um dia simplesmente fui embora e apenas deixei
uma carta para os de casa, lembro bem o que escrevi. Resumindo apenas disso,
que precisava sumir para encontrar e que não sentissem minha falta, porque, com
o tempo, descobririam ser a minha ausência mais valiosa do que uma presença
triste. Agora eu vivo um conto de fadas com a natureza, sou vegetariana, então
posso afirmar com toda a convicção nunca ter destruído um casal feliz do mundo
animal para pôr no meu prato.
A minha vida é calma
e interessante. Eu me comunico com o vento e recebo como retorno lindas
melodias. A harmonia existe em todo lugar no qual a humanidade ainda não
despertou interesse. Felizmente não tenho vontade de interferir maldosamente no
ecossistema, sou mais um animal daqui. Usar minha inteligência para dominar e
estragar tudo seria péssimo. Eu preciso de paz e para isso preciso doar paz.
Não sinto tédio, a rotina só existe para quem não repara nos detalhes e eu sou
muito detalhista. Hoje as nuvens não estão com formatos que remetem ao mundo
físico, elas estão numerosas e pequenas como bancos. Quando eu era criança e
via o céu assim, dizia que os anjos estavam em reunião.
O dia amanhece feliz
com a canto dos pássaros e risadas. Nunca tinha percebido que os pássaros,
quando cantam, parecem rir, um deles diz até:
— Cuidado, Luiz,
desse jeito você nem vai conseguir apreciar a vista.
— Para de me dar
lição de moral e me ajuda a levantar, torci feio meu pé, vou precisar de apoio.
Eu me levanto
assustada e vou espiar pela janela. Para meu terror, vejo um grupo de
aventureiros do lado de fora: três casais e um cara sorridente que nem parecia
se importar de ficar de vela.
— Olhem! Uma cabana!
Achei que ninguém morava por aqui, vamos ver se o morador nos deixa descansar
enquanto seu pé melhora.
Meu corpo treme
inteiro quando escuto baterem à porta. Será que abro? Depois de tanto tempo,
acho que minha natureza humana, lá no fundo, sentiu falta de gente, porque me
vejo abrindo a porta sem raciocinar.
— Desculpe
incomodar, meu nome é Luiz, estes são Carla e Rafael e Amanda e Ricardo.
Observo os
exploradores com admiração. Luiz é alto, com cabelos negros, olhos pretos,
pálido e de rosto quadrado. Carla é baixinha, loira, olhos verdes e de rosto
angelical. Rafael é de altura mediana, rosto oval e cabelos castanhos. Amanda tem altura mediana, cabelos pretos,
olhos castanhos e rosto redondo. Ricardo é de baixa estatura, cabelos cor de
cobre, olhos azuis e rosto oval.
— O que vocês fazem
por essas bandas?
— Somos cinco loucos
apaixonados por aventuras.
— Podem ficar até o
pé do Rafael melhorar.
Rafael me olha com
surpresa.
— Você viu quando
torci meu pé?
Eu respondo sem
pensar nenhum pouco, acho que o tempo em reclusão me deixou sem filtro social.
— Eu espiei porque
estava com medo de ser vista.
Amanda me diz com
doçura:
— Qualquer pessoa
ficaria assustada com cinco pessoas vagando em um lugar supostamente
desabitado. Você mora aqui ou veio visitar?
Eu me irrito.
— Moro aqui, não
gosto de ser interrogada.
Todos me olham com
certo espanto.
Me arrependo da
dureza e tento ser mais amigável. Então digo com um sorriso forçado:
— Podem ficar à
vontade. Vou preparar algo para vocês comerem.
Preparo uma salada
de frutas e cozinho espinafre com batatas no fogareiro. Os convidados comem com
vontade, certamente por estarem com fome, culinária nunca foi meu forte. Nós
começamos a conversar, me sinto tão envolvida que acabo contando minha
história. Todos ficam espantados.
Luiz me procura
enquanto cuido da minha horta e pergunta se quero ajuda. Eu aceito.
— Sabe, Leticia, eu
sou o oposto de você.
— Como assim?
— Você se isolou
porque se sentia sozinha no meio das pessoas. Já eu tenho horror de ficar só.
Aceitei até vir desacompanhado em uma viagem de casais para ser preenchido
pelos outros.
— Você poderia ter
chamado uma moça para te acompanhar, certamente não seria difícil para um rapaz
tão lindo.
— Não sabia que
anjos reparavam em características externas.
— Eu sou mais humana
do que você pensa. Você está mudando de assunto. Me responda, por que não
chamou alguém?
O rosto de Luiz fica
triste e pensativo.
— Eu prefiro ficar
só do que ter algo vazio.
Meu coração dispara
e sou obrigada a transmitir em palavras as palpitações.
— E eu preferiria
ter algo verdadeiro do que ficar só.
E foi assim que meu Natal que tinha tudo para não ter nada de Natal virou tudo que eu sempre quis. Estou planejando voltar com Luiz para a civilização, também espero reencontrar meus pais, espero que eles me perdoem. Também espero viver um best seller com meu aventureiro preferido, só que esse romance só nós dois vamos viver e saber por completo. Agora tenho mais do que certeza de que Jesus me ama e de que milagres acontecem. O pequeno tempo que passei com esse grupo de pessoas maravilhosas me fez entender que amar implica sentir dor, mas que não amar é um vazio imenso. Eu sei que vou rir, chorar, me alegrar, me decepcionar, também sei que tudo na vida faz sentido. Eu neguei por muito tempo, mas preciso de outras pessoas perto de mim. Nem preciso dizer que a pessoa que meu coração mais pede é o Luiz, né? A nossa história de amor não será perfeita, teremos brigas, raiva e frustrações. Só que o tanto que o amo sempre tornará suportável conviver com ele, um sonho cheio de rosas e alguns espinhos.
Bruno Olsen
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
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