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Antologia Contos Contemporâneos da Violência Urbana: 4x05 - Laura, Eu te Amava

Conto de Orquidea Marques
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Sinopse: Um homem desmemoriado enfrentando uma figura assustadora em seu apartamento. Figura esta que quer respostas, e não vai sair de lá sem elas.

4x05 - Laura, Eu te Amava
de Orquidea Marques


         De repente alguém bateu à porta.

Ele não queria ver ninguém. Estava nervoso. O coração, em um ritmo elétrico no peito, fazia tremer sua face alva e redonda. A boca, respingada de saliva, semiaberta e ébria, congelou-se incapaz de emitir qualquer som. Suspirou, enchendo o pulmão, ainda que com dificuldade e decidiu: Abriria a porta. A mão suarenta alcançou o trinco e ele limpou o suor que descia em sua testa.

- Onde está Laura?

Perguntou-lhe o estranho, e ele mal abrira a porta. Naquele instante a demência parcial de um choque assustou todos os escassos pensamentos. Como podia ser possível: um rapaz que ele jamais vira na vida, chegando à sua porta, para uma visita de razão ignorada? Quem era Laura, afinal? Como e por que ele deveria saber o paradeiro de uma desconhecida?

- Quer entrar, senhor?

Foi a única coisa que pôde dizer. Sentia que não conversava com ninguém há muito tempo. O visitante, em trajes negros, soltando um cheiro de suor, cigarro e perfume amadeirado, circulou com imponência na sala. O rosto encoberto pelos óculos escuros, era para o anfitrião, apenas uma mácula branca sob a massa dos cabelos negros. Parecia uma miragem negra, um soturno andarilho, ou então uma entidade. Um espírito maligno que viera confundi-lo, e que ao invés de enxofre exalava um aroma mortal. De um porte gestual mais do que frio, recusou o convite em silêncio e não mostrara nenhum momento que se sentiria à vontade; ainda assim, outro convite fora feito:

- Deseja café? Chá?

- Desejo saber onde está Laura?

O homem acuado baixou a vista. Já não podia ver através das lentes de seus óculos embaçadas do vapor de sua respiração. O suor quente manchava toda sua camisa alva. Agora sua expressão era mortificada, como se de súbito notasse que o estranho não estava ali ao acaso. Foi a primeira vez que o visitante o olhou com piedade.

- Deus, não pode me pressionar. Não sei quem era ela. Deixe-me em paz! – choramingava o dono do apartamento.

- Acho que você sabe quem era ela.

- Acredite em mim! Falo a verdade. Pare de me torturar!

- Como explica então o fato de estar com a foto dela no bolso de sua camisa?

Estarrecido, pôs a mão no bolso: Era a foto de Laura!

- Ela era prostituta! Fazia programas e só! – gritou, subitamente, rasgando a foto de seu bolso.

O choro foi inevitável. E o desconhecido, ali de pé diante dele, o atingia implacavelmente com perguntas que lhe pareciam sem nexo. Até que as paredes se distorceram. Dissolviam-se. O apartamento, antes branco e cru, agora girava, os móveis se transformando. Gritava de novo. Sua mente o traía. Parecia ter sido transportado a um lugar diferente. Nesse instante, os móveis, os retratos, os pertences tinham um nome, um cheiro, e uma lembrança. Sim, Laura esteve ali. O toque feminino dela simplesmente apareceu. Cada espaço fora meticulosamente arrumado por ela, com uma dedicação que somente uma mulher apaixonada poderia fazer.

- Eu não me lembrava dela. Lembro agora.

O estranho, assistindo a toda aquela reação, não mostrou se estava crente, ou se duvidava do que seu anfitrião veementemente dizia. Fitou o carpete e deu-lhe às costas, dizendo:

- Você e Laura. Moravam aqui por um longo, longo tempo.

- Sim. Éramos casados. – Os soluços cortavam sua voz confrangida – Mais do que isso. Fomos apaixonados um pelo outro um dia. Mas tudo acabou. E eu descobri da pior maneira! Sabe quando se descobre pelas marcas no corpo dela que pertenceu a um outro? Ela não teve vergonha de me confessar. Dizia que gostava e que não ia parar. E hoje, eu cheguei em casa. Encontrei as malas prontas! Laura, eu te amava...

O choro continuou mais alto. O sujeito, friamente, retirou os óculos escuros e disse.

- Senhor Hermes!

O marido lamuriante assustou-se. Fora chamado pelo nome. Como poderia o estranho saber?

- Sabe meu nome? Mas, como?

- Hermes, não faz meia hora, que um homem, da sua idade, deste mesmo local, atirou a esposa do décimo terceiro andar, da janela do próprio apartamento.

- Não. Eu não faria isso... Ah, meu Deus. O que eu fiz?

O borrão que dantes era sua mente se esvaneceu. Lembrou da briga, de como tentou fazê-la não ir embora. Até o fatídico momento no qual a encurralou diante da janela e a empurrou para a morte. O choro irrompeu descontrolado, como uma criança ele encobria o rosto com as mãos.

- Eu vim aqui prendê-lo. Sou inspetor da polícia. E o senhor tem direito de permanecer calado. Tudo que disser será usado contra sua defesa no tribunal. Caso não tenha um advogado, o estado lhe fornecerá um.

Estendeu silencioso as mãos para a algema, ainda atordoado entre o choro e a culpa. Aguardaram silenciosos até a chegada da viatura, enquanto lá embaixo, o pátio seguia isolado. Somente o olhar dos curiosos na janela cercavam o palco da tragédia amorosa. A sirene da viatura acusou que o fim da liberdade do assassino chegara ao fim. Entre suspiros e lamúrias, ele dizia que merecia tal fim, que Laura era seu anjo loiro adorado, e que pagaria pelo feito eternamente arrependido.

O apartamento ficou só. E nele, também solitário, o inspetor desaba. Um grito abafado por sua própria mão, mas lapsos de sua voz escapam, dizendo:

- Oh, Laura... Eu sinto muito!

Lágrimas inesperadas caíram de sua face, dantes fria, paralisado como se tudo dantes fosse parte de uma rotina congelada. Agora, contorcia-se de dor, como um infarto irrompendo em seu peito – também apaixonado. O inspetor escorou-se na parede e desceu de costas até o chão, sentindo o baque como se houvesse levado um tiro à queima-roupa. Laura, ela ainda estava ali! Olhou para o sofá, onde fizeram amor pela última vez e onde ele jurou que iria embora com ela. No canto da sala, as malas prontas ainda estavam ao seu aguardo. Ela o esperava, todavia, um atraso, o trânsito caótico fez com que ele não chegasse a tempo. Laura não o encontrou, mas encontrou um companheiro inconformado com o fim. Horrível também foi seu fim. Ser arremessada do alto do prédio, gritando desesperadamente, até cair no estacionamento. Estacionamento este, onde ele deixara o carro momentos antes, crente que sairia dali com ela. Se não tivesse chegado atrasado, claro.

Se não se atrasasse, estariam juntos, livres. E ela viva.

- Laura, eu te amava!

Chorou amargamente, amaldiçoando sua sorte. Olhou da janela e deparou-se com a visão derradeira de Laura. O rosto fixo no céu, os lábios manchados de sangue e batom. As pupilas perdiam o brilho, como se dissessem adeus, conformando-se que a espera pelo seu amado não teria o fim sonhado pelos dois, por conta de míseros minutos.

       


Conto escrito por
Orquidea Marques

CAL - Comissão de Autores Literários
Francisco Caetano Gisela Lopes Peçanha Liah Pego Lígia Diniz Donega Mercia Viana Pedro Panhoca Rossidê Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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