Parte 3
— Carmen, você está ferida? — Dilson se assusta com a
poça de sangue embaixo da doutora.
Yrina a solta com medo. Armand se aproxima para
examina-la, põe a mão sobre seu pescoço, testa e barriga:
— Ela está abortando.
— O que? — todos interrogam ao mesmo tempo.
Carmen não para de chorar e tremer.
— Desde quando você sabia? — Dmitri grita nervoso.
— Deixe-a em paz, Dmitri! — Yrina a protege.
As batidas nos vidros aumentam, Yrina abraça Carmen, a
colega está em vias de um choque nervoso, Armand tenta achar algum calmante
pela delegacia, mas teme se afastar do grupo. Zhao e Yrina se aproximam de
Carmen:
— Carmen, Carmen, preste atenção, olha pra mim. Tente
se controlar, eles não vão entrar aqui, está bem? As janelas são reforçadas,
estamos seguros.
"Ela está entrando em convulsão."
Zhao sussurra no ouvido de Yrina, a engenheira apenas olha para ele. Dmitri se
afasta das mulheres e fica debaixo das janelas. Armand retorna sem ter
encontrado nada que pudesse administrar para a gestante.
Um gemido do lado de fora causa arrepios dentro da
delegacia. Os cientistas ficam ainda mais confusos. Dmitri comenta com seu
colega:
— Armand, eu não sei tudo, mas, acho que pode incluir
o olfato entre os sentidos do pós-mortem. — olhando com raiva para
a doutora, Dmitri dá as costas e se abaixa perto da janela.
— O que você acha da gente passar no meio deles
abrindo caminho na porrada? — Dilson tenta uma ideia.
— Não dá, já disse, eles são lentos, mas são fortes.
Além do mais, tem as meninas. E... peraí, cadê a Emilia?
— Não a vejo desde que entramos na delegacia. — Dilson
olha em torno.
De repente a biotecnóloga reaparece:
— Pessoal, encontrei esse rádio-frequência, vamos
poder mandar sinal de socorro... o que aconteceu com a Carmen?
— Pô, não faz mais isso, mulher. Temos que ficar
juntos, entendeu? Ou pelo menos avisa antes de se afastar. — Dmitri adverte
desviando a atenção de Emilia.
— Tudo bem, você está certo. Toma Dmitri, tenta ver se
consegue falar com alguém... Mas, Carmen...
— Não se preocupem, eu cuido dela. — Dr. Lee se abaixa
para segurar a amiga.
Dmitri arruma a fonte, mas sem energia elétrica não há
como ligar o rádio. Dilson lembra que, talvez, as baterias dos carros possam
ter alguma carga. Mas a rua está tomada pela estranha multidão. Emilia também
encontrou uma passagem para o telhado. Armand tem a ideia de chamar a atenção das
criaturas fazendo barulho na parte de trás do prédio, isso daria alguma chance
para pegar o que precisassem.
Todos concordam: Yrina, Emília e Armand vão para o
telhado, Dmitri e Dilson aguardam a chance de abrir a porta e correr para os
carros, Zhao ficou abraçado a Carmen. A sala fica cada vez mais escura, e os
zumbis continuam tentando quebrar as janelas. Carmen entra em desespero
imaginando uma fissura no vidro. Zhao tenta tapar os olhos dela.
Um tiro estoura nos fundos do prédio. Os zumbis param
de atacar e começam a se locomover.
— Dmitri, é agora!
— Espera um pouquinho só.
— Esperar o que? Olha, já foram, só ficaram alguns
poucos, a gente dá conta. Vamos! Quero ver se dá pra matar eles só estourando a
cabeça.
— Não, tá maluco? Se a gente começar
a atirar o barulho vai chamá-los de volta e aí, danou tudo. Toma, se precisar
usa machadinha da caixa de incêndio, mas tente não se aproximar muito.
Dilson acena com a cabeça concordando. Eles dão uma
última olhada pela janela e abrem a porta lentamente. Assim que põe o pé na
calçada, Dilson dispara em direção a um zumbi e, gritando com euforia, desce a
machadinha no crânio dele. Infelizmente, o golpe não foi forte o suficiente
para quebrar a cabeça, o zumbi se volta para ele e o agarra. Dmitri tenta
ajudar o amigo, mas nenhum dos seus golpes abala o agressor.
— Desgraçado, larga meu amigo, larga, anda!
— Fo...me!
Dilson se debate sufocando, apesar de corpulento, o
zumbi-falante levantou-o do chão só com a força do braço e o abocanhou no rosto
arrancando pedaços da face.
— Vo-vocês falam? — Dmitri tenta raciocinar, mas os
olhos sem-vida do bicho o aterrorizam.
— Fo...me!
Pendurado no braço do zumbi, tentando salvar o amigo,
Dmitri percebe seu erro: deixaram a porta da delegacia aberta e vários zumbis
entram. Só foi possível ouvir os gritos de Carmen e Zhao:
— Não, por favor, eu estou grávida, não, não,
nãããã...! — Carmen usa o único argumento que dispõe.
— Carmen, eu sinto muito... aaaaaaaaaaahhhhhhh! — Zhao
não resiste.
O som de ossos quebrando, mordidas e mastigações podem
ser ouvidos de longe.
Desesperado, Dmitri solta o zumbi-falante e corre na
direção da rua, ele ouve gritos e tiros. Assim que vira a esquina, o engenheiro
dá de cara com uma multidão de mortos-vivos, porém não parecem perceber a
presença dele. "Cegos, eles são cegos. Eles se guiam pelos sons."
Mas, suas passadas chamaram atenção. As criaturas se voltam para a direção dele
e se aproximam.
Dmitri fica paralisado, os zumbis passam por ele, sem
importuná-lo. Porém, o medo o faz transpirar excessivamente e o cheiro é
percebido por alguns. Eles param quase em frente ao engenheiro esperando ouvir
qualquer barulho. Mas, Dmitri permanece imóvel e pausando a respiração. A
situação dura alguns segundos, até que mais um tiro é percebido, os zumbis
perdem o interesse e continuam andando.
Epílogo
Uma
pequena luz, vindo da estação do metrô, chama atenção do fugitivo, Dmitri se
aproxima da entrada cautelosamente e toma um susto quando vê uma mulher.
— Vem, anda vem logo. — a mulher sussurra.
— Vo-você
não é zumbi?
— Não,
anda logo, se não eles vão perceber a gente.
Dmitri
arrisca se aproximar. A mulher pega em sua mão e o puxa para a escuridão. Assim
que seus olhos se acostumam, ele pode perceber um grupo de pessoas. Dois homens
atrás dele abaixam as portas de aço.
Outro
homem se aproxima de Dmitri e o encara. Incomodado com a revista, o engenheiro
se pronuncia:
— Com
licença, eu sou o dr. Dmitri Yvanovitch, estávamos na Biosfera. Quando saímos
não havia ninguém e viemos para cá. Agora esse pesadelo, alguém me explica o
que está acontecendo?
— Por que
está falando em "nós", tem mais gente lá em cima? — o homem é o único
que conversa com ele.
— Sim,
nós éramos oito, mas acho que 3 morreram. Quem é essa gente comendo gente?
Uma
mulher o interrompe:
— Não
soube do dia da invasão?
—
Invasão? Não, eu nunca soube de nada disso.
— Vocês
estavam na Biosfera há quanto tempo? — o homem da estação retoma a conversa.
—
Entramos em 2000 e saímos agora.
— Doug,
se o lugar está trancado esse tempo todo é possível que esteja limpo. O que
acha?
— Espera
aí que papo é esse? Ninguém vai a lugar nenhum enquanto eu não entender o que
está rolando.
— É o
seguinte... — o homem senta antes de continuar — logo após o ano 2000,
aconteceu uma tragédia num gerador, lá na Europa que permitiu a entrada de
vários organismos na Terra. Um desses vírus se misturou a água e contaminou
praticamente todo o planeta quase instantaneamente. Logo depois todos que
tiveram contato com as águas do mar faleceram. Depois, a própria evaporação do
mar se encarregou de espalhar o vírus. Mas, uma coisa muito estranha aconteceu:
os mortos voltavam a se mexer, porém, não eram mais as mesmas pessoas, perderam
a visão e atacaram quem estivesse próximo, parece que o fato de comer elimina
uma dor que eles sentem ininterruptamente.
— Mas, e
vocês, como estão sadios?
— Nós
estávamos isolados, quando soubemos dos ataques, alguns tiveram tempo de se
prevenir.
— E esses
mortos-vivos são sensíveis a luz?
— Não sei
dizer, o que eu sei é que precisamos ficar escondidos e sobreviver.
— Por que
não vimos mais ninguém quando chegamos na cidade?
— Eu te
disse, 95% da população mundial morreu.
— Meu
Deus! — Dmitri sente fraqueza nas pernas.
— Olha,
essa Biosfera, pode nos ajudar, ficaremos lá protegidos e podemos reorganizar
as coisas...
— Não,
vocês não entendem, lá não comporta muita gente. Não sei se seria melhor
procurarmos outro...
Uma
mulher se aproxima dele e coloca a mão em seu ombro, depois desce tateia suas
pernas como se estivesse examinando a saúde de Dmitri:
— Onde
estão seus amigos? Eles estão seguros?
Dmitri
faz uma pausa, a menção do restante da equipe o abala pela primeira vez.
— E-eu
não estou certo... Nó-nós estávamos na delegacia, tentando contato, até que...
— Hei,
meu amigo, eu sei que a situação é terrível, mas pense que podemos nos ajudar.
De
repente Dmitri se lembra da ideia do grupo:
— Vocês
têm um rádio, um telefone, qualquer coisa para fazermos contato?
— Temos
sim, Théa, traga aqui aquele seu telefone celular. Mas, já adianto que não há
ninguém para atender a sua ligação.
— Talvez,
mas não custa tentar... Hei, isso aqui está sem bateria! — Dmitri começa a
perder o controle.
— Dmitri,
nos diga a Biosfera está aberta?
— Ah,
sim, está. É só seguirmos pelo deserto, a uns 60 km daqui. — o russo aponta a
direção.
—
Obrigado amigo. Pessoal, vamos lá! — o homem se levanta repentinamente.
— Hei,
espera aí. Ninguém sai daqui enquanto eu não conseguir falar com alguém. —
Dmitri se assusta com a atitude inesperada.
— Você
pode ficar o tempo que quiser.
A porta
de aço é aberta, uma multidão de zumbis está parada bem a frente da entrada.
—
Fo...me!
Todos
correm para os túneis. Dmitri se levanta para segui-los, mas suas pernas estão acorrentadas.
Os zumbis o cercam e atacam rapidamente.
— Não,
por favor, me ajudem, eu imploro, não, não. Aaaaaaahhhhhh! — Os gritos
alucinados se perdem na madrugada. Dmitri foi usado como isca-viva.
— Yrina,
ouviu isso?
— Sim,
Armand, ouvi. — Yrina abaixa a cabeça entristecida.
No
telhado da delegacia, Yrina, Armand e Emilia sobreviveram ao ataque e ficaram
protegidos até o raiar do dia. Eles pensavam que seus companheiros haviam
morrido quando o prédio foi invadido.
— Parecia
o Dmitri. — Emilia comenta sussurrando.
— Voltem
a dormir, eu fico de guarda. — Armand empunha a arma apontando para a porta de
aço que dá acesso ao telhado.
Grunhidos
e arrastos ecoam de dentro da delegacia. Mas, as criaturas não alcançam o
telhado. Os tiros ouvidos anteriormente foi a tentativa de salvar os amigos.
O dia
amanhece, o trio desce, perambulam pelas ruas desertas, encontram comida e
testam carros. Yrina consegue uma bateria para alimentar o rádio, põe para
funcionar e passa para Armand. Emilia apanha revistas, mas a data é anterior a
janeiro de 2000. Armand roda o botão de dial até sintonizar qualquer som que
signifique alguma resposta. Emilia tenta se distrair:
— Já
reparou uma coisa Yrina?
— O que?
— O ar
está mais gostoso de respirar. — Emília fecha os olhos e enche os pulmões.
Yrina
também aproveita o doce sabor do oxigênio livre de poluição.
—
Pessoal, venham, consegui! — Armand chama entusiasmado.
"Aqui
é Guilherme, do Rio de Janeiro, onde vocês estão?"
— Rio de
Janeiro? Isso é onde, América do Sul?
"Sim,
Brasil."
— Nós
estamos em Tucson, Arizona, Estados Unidos. Você sabe nos dizer o que está
acontecendo? A cidade está vazia e tem umas pessoas canibais e cegas rodando a
noite.
"Vocês
são da América do Norte? Pensávamos que estavam todos mortos. Não sabem de
nada?"
— Estamos
perdidos nesse caos, pode nos explicar?
"Bom,
resumindo: por ganância de poder, grupos de políticos desenvolveram uma arma
química para usar contra seus inimigos, depois perderam o controle e acabaram
dizimando quase a população inteira. Nós estamos reunindo sobreviventes para
recomeçar."
— E como
encontramos vocês?
"Vocês
têm algum lugar seguro que possam ficar até chegarmos aí?"
— Sim,
temos a Biosfera, no deserto.
"Você
disse Biosfera?"
— Isso
mesmo, nós estávamos confinados na Biosfera desde 2000.
O
silêncio no rádio preocupa.
— Alô?
Alô? Câmbio! Vocês estão aí, respondam. — Yrina toma o microfone.
"Sim,
estamos te ouvindo. É que tivemos um impasse aqui. Vocês são considerados
responsáveis de toda essa tragédia."
— Nós?
Isso é impossível. Ficamos confinados todo esse tempo, totalmente isolados. Que
maluquice é essa? — Yrina está quase histérica.
Armand
toma o microfone de volta e pede que Emilia afaste a colega.
— Olha,
amigo, nós não temos a menor ideia de como podem nos acusar...
"A
criação da arma química, só foi possível, porque vocês provocaram uma falha no
sistema e abriu uma janela espacial. Um organismo extraterrestre foi
aproveitado por cientistas e deu no que deu."
— Não,
não, não! Isso não está certo, nós ficamos totalmente isolados... eu...
Emilia
toma o microfone de Armand:
— Olha
aqui Guilherme, talvez você estejam se precipitando, mas se forem cristãos como
dizem que os brasileiros são, dê-nos a chance de nos defender. Por favor,
ajude-nos!
Novamente
silêncio, a espera é enervante. Yrina não aguenta mais um instante sem
resposta, até que a voz ressurge:
"Sinto
muito, vocês estão por conta própria. Não vamos ajudar quem ferrou o mundo,
vocês precisam pagar pelo que fizeram."
Dessa vez
é Armand quem fica histérico.
—
Malditos, todos vocês, sejam malditos, nós não temos culpa de nada!
Emilia
tenta ganhar tempo:
— Pelo
menos confirmem que estamos seguros à luz do dia.
"Não,
quem disse isso a vocês?"
— Um dos
nossos colegas...
"Onde
ele está?"
— Por favor,
ajudem, tira a gente daqui! — Yrina suplica chorando.
Súbito, a
entrada do prédio é tomada por centenas de mortos-vivos. Cansados, fracos e sem
esperanças, não houve resistência de nenhum deles.
Personagens
Direção
Carlos Mota
Bruno Olsen
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