Capítulo VIII – 1919 (POSSESSÃO)
Século XX. Ano 1919. Um
jovem casal, Kael e Daciana, mudara-se recentemente para a pequena cidade de
Vewville, condado de Aleweny, U.S.A., vindos da República de Thelarus,
município de Brownski. Kael muito estudara o idioma inglês, para terminar seu
mestrado em ciência política, na Universidade local. Com ajuda de parentes e
bolsa de estudos acabara de alugar um pequeno sobrado, nas montanhas do lugar.
Sonhavam com o primeiro filho, mas teriam que aguardar por estabilização
financeira, até a conclusão do mestrado...
***
Daciana acordou às cinco
da manhã, e a névoa já impedia qualquer visão, além da varanda de seu quarto,
no piso superior do sobrado em que residia só, desde o desaparecimento de seu
marido. Kael sumira repentinamente havia cerca de 18 meses, trazendo
incomensurável sofrimento à nossa protagonista.
No momento em que os
primeiros raios de sol tênue do outono timidamente insinuavam-se pelo nevoeiro,
Daciana se perdia em recordações: como teriam o primeiro filho, planejado para
breve; como o chamariam; como obteriam madeira e alimentos, já que o inverno
vindouro prometia ser rigoroso. As áreas montanhosas onde viviam eram
especialmente inóspitas, quando cobertas pela neve invernal; a lareira
precisaria de lenha... e mais uma boca viria.
O ruído então a trouxe de
volta ao presente. O mesmo ruído... há quase 2 anos a perseguia. Daciana se
exasperava ao ouvir os sons guturais, ora ciciosos, repetindo-se mais e mais, até
que sobreviesse o transe, e cada vez mais frequentes.
Desceu então, angustiada, ao
primeiro piso, em direção ao fogão à lenha, onde já sibilava, insistentemente,
a chaleira do café.
O vilarejo montanhês de Vewville era assolado há meses por misteriosos
desaparecimentos de seus moradores. Dezenas de sumiços atormentavam inúmeras
famílias. Desde jovens pré-púberes até indivíduos maduros, todos homens.
Nenhuma pista. A agonia das perdas inexplicáveis pairava no ar. Várias frentes
de policiais e voluntários, com seus cães farejadores, embrenhavam-se pela
mata.
Nada. Inútil. Nenhum
rastro. Nenhuma novidade. Nenhuma esperança.
Daciana minguava todo dia um pouco, em sua solidão, à espera de notícias. Já
não mais comia ou dormia, mesmo o mínimo necessário. Surpreendia-se, quando em
vez, em vestes rasgadas, com traços de lama e crostas escuras em suas mãos, de
odor azedo. Porque isso? Se perguntava. E, para multiplicar seu sofrimento, a
voz sussurrava constantemente em seus ouvidos:
─
“não basta, é preciso mais... ainda mais... traga-me mais..."
O verão no condado de Alleweny irrompeu naquele ano, trazendo muita
luminosidade e clima ameno, contribuindo para aquecer um pouco mais os sofridos
corações dos habitantes de Vewville. A catarse coletiva, gerada pela descoberta
dos corpos de 23 homens vewvillenses, desmembrados e enterrados em cova comum, manchou
com horror e de forma indelével, a história da antes bucólica cidade.
A investigação, após
necropsias, concluiu pela morte por envenenamento, e levaram à prisão de uma
jovem que havia se mudado há poucos anos, vinda de uma distante região do leste
Europeu. O corpo de seu marido foi encontrado, também horrivelmente
desfigurado, entre as vítimas.
Brownski. Thelarus. Leste europeu. Reportagens de jornais locais haviam
desbaratado recentemente um esquema macabro de cooptações de adolescentes, por seitas
pagãs, com evidências de atuação há mais de 3 décadas, envolvendo hipnose,
sacrifícios humanos e bruxaria.
Houve acusação formal de
assassinatos para vários membros da seita, e os menores aliciados foram
encaminhados para assistência psicológica e psiquiátrica adequadas. Nem todos
porém, foram identificados.
Daciana, inicialmente
detida e transferida para uma cidade vizinha, a fim de escapar do desejo de
linchamento dos moradores locais, foi considerada inimputável por junta
psiquiátrica, por ser portadora de transtorno delirante; foi, então, internada
em manicômio judiciário.
Os funcionários do
hospício sempre a ouviam balbuciar sons ininteligíveis, sussurrados, em meio à
cabeleira ruiva desgrenhada. Um deles conseguiu, com dificuldade, entender e
anotar, com espanto, durante um plantão noturno:
─ Beleth... Beleth ... Beleth...
Max Rocha
Elenco
Direção
Carlos Mota
Bruno Olsen
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