2x08 - Sobre Luta e Luto
de Flavia de Assis e Souza
Naquelas terras distantes,
de alguns alqueires adjacentes, a virtude seguia rumos distintos. Embora sob o
mesmo sol, a cor do céu tinha diferentes tons, sutis ao olhar de um transeunte
errático, concretos aos que por ali se dividiam nos dois núcleos.
Do lado direito da margem
do rio, um azul celeste intenso cobria de harmonia a gleba de terra. Por vezes, borrões de nuvens
atrevidas o invadiam, trazendo chuva que qualquer pedaço de chão necessita para
brotar vida ou cultivá-la.
Do outro lado, as nuvens
se condensavam mais tortuosas
ou frequentemente, como consequência da turbulência que pairava naquele
pedaço de território. Não pairavam dúvidas de que aquele pedaço de terra
carecia de emendas, mais das almas que dos solos.
Francisco habitava o lado
esquerdo do rio. Era esbelto, de estatura mediana e trato externo fino. Tinha
pouco mais de quarenta anos quando decidiu morar na zona rural, o que lhe
permitiu estar mais próximo do cultivo de café e da criação das reses no terreno
rural herdado da avó.
Teve uma infância e
adolescência difíceis, mais por sua índole que pelas provações que a vida lhe
impôs. Apesar de ter perdido os pais em trágico acidente na fase juvenil, seus
traços de caráter já vinham de idade mais tenra.
Solidária ao buraco
infindável que se formou no coração do neto prestes a ingressar na faculdade,
buraco este que também era castigante à sua própria alma, a avó assumiu as
rédeas para trazer novas perspectivas ao rebento do seu rebento.
Francisco escolheu ser
administrador, função eclética que lhe permitiria exercer liderança onde quer
que se instalasse. As terras da avó também eram seu alvo, o qual diligentemente
focou para exercer sua influência e comando, iniciados durante o curso
superior.
Continuou a administração
das terras à distância, enquanto se dedicava fundamentalmente a um trabalho
como assalariado em uma companhia de porte médio. Fora do trabalho, achava
importante ter alguns marcos sociais que posicionassem seu sucesso como mais
amplo e completo. Frequentava a igreja do bairro com assiduidade e reproduzia
com destreza em sua fala os fundamentos de caridade que aprendia. Ao seu
coração, estes fundamentos eram mais inócuos, mas a imagem de conhecedor e
propagador deles o aprazia e iludia.
Já com vinte anos de vida
profissional ativa, família constituída com a esposa, uma filha de oito anos e
uma cachorra de porte médio de raça amistosa e bela, como qualquer animal,
resolveu mudar para as terras da avó, que já eram inteiramente suas, após o seu
falecimento.
Enfrentando dilemas de
próximos ciclos de vida, achou que o contato com a vida rural lhe permitiria
perpetuar valores que o cativaram,
como o comando, a independência para ditar o tom sem visíveis controvérsias e a
diminuta prestação de contas à sociedade em ambiente de densidade demográfica
mínima.
E assim Francisco, esposa,
filha e cachorra se mudaram para o sítio Carvalho.
Na outra margem do rio,
Mercedes caminhava alegremente uma distância de trinta metros da casa central
do sítio Alvorada, rumo ao galinheiro carinhosamente apelidado de Bolinha. O
nome foi inspirado no amor que a família de Mercedes sentia pelos animais e
pela natureza, manifestado em qualquer atitude sem alarde, só na lida diária
das ações e das emoções. Bolinha remetia ao formato dos sublimes pintinhos ao
nascerem e também do objeto da riqueza gerada incansavelmente pelas galinhas,
os ovos.
Atrás de Mercedes, cena
comum no seu dia-a-dia, enfileiravam-se os cães de tamanhos e cores diversas,
uns com mais dificuldade pela idade avançada ou limitação física por partes do
corpo mutiladas, mas todos em latido uníssono e feliz.
Mercedes, o esposo e a
filha resgatavam cães em abandono, independentemente de sua condição física, e
os acolhiam como membros felizes da família. Um a um, humanos e animais desta
união perene, se engrandeciam, sorriam e percorriam cada dia da vida rural com
gratidão e harmonia.
Já bem próxima do Bolinha,
com uma tigela de grãos de milho na mão para salpicar entre os habitantes do
galinheiro faminto, Mercedes colocou a mão na testa, sobre os olhos, para
facilitar o alcance da visão sob o sol forte. De longe, via um carro pomposo,
seguido de um caminhão de mudança, chegando ao sítio vizinho, o qual havia sido
habitado até então somente pelo caseiro e sua família.
Sem titubear, Mercedes se
programou para visitá-los no dia seguinte e oferecer uma compota de frutas da
terra em conserva, preparada em atacado na sua propriedade. Seriam as
boas-vindas do sítio Alvorada aos novos habitantes do sítio Carvalho.
Havia quatro anos que
Mercedes e a família trocaram a vida urbana pela rural. Já no primeiro ano, a
filha mudou-se para uma cidade próxima, onde iniciou seu curso universitário,
sempre visitando os pais nos fins de semana, adepta do valor do aconchego do ninho
onde estão os pais e da pureza do ar e benesses da natureza que a vida no campo
propicia.
O esposo de Mercedes era
um executivo de uma
multinacional com sede na capital do estado. Viajava com frequência, apoiando-se na estrutura
harmoniosa e vigilante que estabeleceram para acomodar este formato da rotina
familiar. O caseiro com sua família, as câmeras instaladas em todos os
ambientes da casa e alguns do espaço ao ar livre e, principalmente, os
companheiros de quatro patas (ou menos, quando mutilados antes de serem
resgatados) faziam com que esta configuração fosse tranquila e prazerosa. A
família de Mercedes sentia falta de uma ocupação cem por cento conectada à
natureza, o que os levou à nova vida. Para viabilizá-la, instrumentou o sítio Alvorada com uma estrutura robusta que
permitisse conforto e segurança.
Os fins de semana para a
família completa e metade dos dias da semana para o esposo eram a programação
certa deste convívio familiar harmonioso e feliz, estendido à natureza e aos
animais que o cercavam.
No dia seguinte, Mercedes
usou o carro quatro por quatro da família para dirigir-se à sede do sítio
vizinho com a compota de frutas e sua oferta de préstimos, caso os
recém-chegados moradores necessitassem de ajuda para a acomodação no novo lar.
Foi Francisco quem abriu a
porta, com um tom sutil de impaciência e sentimento de importunação. Antes que
Mercedes pudesse proferir as palavras de boas-vindas, a esposa de Francisco
também apareceu na porta, meio metro atrás do esposo, acompanhada da filha e da
cachorra Lola. Aliviada pela amenização da primeira figura sisuda que se
posicionou na porta de antemão com a chegada do resto da família, Mercedes
teceu um sorriso largo e gentil, estendeu a mão para dar-lhes a compota de
frutas e proferiu poucas palavras:
- Bem-vindos. Sou
Mercedes. Moro com meu esposo e filha no sítio ao lado. Terei prazer em
ajudá-los no que precisarem.
Com um movimento da cabeça
em sinal de aprovação e de forma monossilábica, Francisco agradeceu a visita
inesperada, demonstrando inquietação para que se abreviasse a uma despedida na
sequência. E assim foi.
Chegando em casa, recebida
aos pulos e latidos corteses dos seus companheiros, Mercedes abaixou a cabeça
em sinal de frustração. Esperava um sorriso, um acolhimento à sua gentileza ou
pelo menos um episódio menos frio. Sem perder mais do que um minuto com este
sentimento de incompreensão, logo se pôs a admirar seu sítio feliz e seus cães
tão amados, todos envoltos por aquela natureza grandiosa e plena.
Em seus pensamentos
amadurecidos pelo alcance virtuoso que já havia atingido, Mercedes simplesmente
lamentou a armadura que o vizinho se impunha, entendendo que cada um tem seu
tempo para encontrar a verdade da vida.
A presença dos novos
vizinhos pouco interferia na rotina do sítio Alvorada, devido ao comportamento
reservado e, de certa sorte, repelente do patriarca da família. Salvo as
fugidas sorrateiras de Tito, o cão de meia idade, de pelo negro reluzente, sem
raça definida, resgatado em uma situação de descarte impiedosa em um parque da
cidade onde a filha de Mercedes estudava, quando um senhor atirou-o, junto com
seu irmão, para fora do carro, jogados ao relento.
Tito, serelepe e feliz,
curado das chagas do abandono do antigo tutor, era um dos cães mais ativos e
curiosos do sítio Alvorada. Não perdia a oportunidade de acompanhar Mercedes ou
qualquer membro da casa a uma caminhada, sempre buscando expandir suas
fronteiras, sedento pelo presente que a natureza nos impôs a todos, desde os
remotos vestígios de vida animal, a liberdade.
Por vezes audaz, Tito
seguia algum trajeto por conta própria, trazendo preocupação momentânea aos
seus tutores, quando percebiam sua ausência. Mas Tito sempre voltava, com o
olhar vitorioso de quem descobriu um pouco mais do que a vida tinha a
desvendar.
Em suas andanças, não
resistiu à tentação de visitar a nova cachorra do sítio ao lado, com quem já
correspondia latidos à distância desde que ela chegou. Havia descoberto um
atalho que percorria com precisão pelo faro de que detinha, até encontrar a
nova e interessante amiga Lola. Os dois tiveram uma simpatia mútua de imediato
e os encontros diários faziam parte da sua nova rotina.
Embora despercebido por
Francisco, sua filha era cúmplice da maior parte dos encontros, sentindo
alegria pela alegria que o encontro puro dos animais emanava. Tito aproximou-se do sítio
Carvalho era um evento, apreciado enormemente por Lola e a garota.
Depois de um tempo se
acostumando na nova lida rural, Francisco começou a observar melhor a família,
interessado em avaliar o nível de acomodação do novo ciclo à esposa e à filha.
Caso encontrasse alguma contravenção ao que entendia ser o novo ritmo no seio
familiar, não saberia exatamente como agir com o coração e, provavelmente,
deixaria prevalecer seu lado tosco e pouco elaborado de comando, mais que de
empatia e compaixão.
Com alívio, o patriarca
percebeu que a filha brincava feliz todos os dias, junto a Lola ou à mãe. Esta,
por sua vez, omissa e resignada por própria atribuição, sem ter se libertado
das amarras que pudessem expandi-la como ser único, com suas próprias vontades
e talentos, simplesmente se abduzia pela nova rotina, o que também trouxe
tranquilidade a Francisco, pois que era o mesmo tom de vida que ela sempre lhe
imprimiu. Diagnóstico concluído, atestou que estava tudo sob controle, como
deveria ser.
Em uma tarde de céu mais
escuro que o de costume, Francisco voltou mais cedo para a sede do sítio, sendo
surpreendido por um borrão preto que logo avistou ao fundo da casa. Era um dos
cães do sítio vizinho, andando livremente pela sua propriedade, corrompendo a
rotina feliz e previsível da filha com a cachorra.
Franziu a testa, em
atitude rude de comando absoluto, e dirigiu-se ao cão invasor, ameaçando-o com
pisadas fortes e palavras curtas de desprezo para afugentá-lo. De natureza doce
e livre, como qualquer animal que ainda carrega os instintos que o ser humano
raleou, Tito manifestou descontentamento com um latido defensivo, e bateu em
retirada ao seu lar feliz, visando a não prolongar esta cena patética às amigas
Lola e a criança.
A partir daquele dia,
Francisco foi enfático ao
dizer à filha que não permitiria que ela tivesse contato com o cão
pulguento e impertinente do vizinho.
A menina que abria
sorrisos com frequência os adormeceu, acatando a ordem do pai, enquanto tolhia
suas aventuras vespertinas com os amigos de quatro patas. Pelo menos ainda
havia Lola, com quem sempre brincava.
Para não estender a ira do
pai à inocente e menos visada Lola, fazia vista grossa às novas visitas do
Tito, apenas afastando-se do quintal quando isto acontecia, para que eles
pudessem se divertir. Ao escutar o ronco do carro majestoso ou a cavalgada mais
célere no cavalo que Francisco comandava, Tito já saía imediatamente para não
ser pego em flagrante novamente.
O convívio de Lola e Tito
foi coroado de encontros triunfais
e divertidos, cerceados por uma força maior que pairava sobre sua liberdade,
mas encontraram um espaço onde podiam vivê-la, ajustada às condições.
Envolto por uma onda de
procurar razões para extravasar suas frustrações de ser humano, o intransigente
Francisco ficou à espreita na sede do sítio um dia inteiro, delegando os
afazeres da terra aos seus funcionários. Como de costume na segunda onda de
convívio entre Lola e Tito, o cão se aproximou discretamente do quintal vizinho
e se encontrou com a cadela. Em um rompante, Francisco apareceu vociferando,
atirando gravetos de forma violenta contra Tito, que prontamente fugiu para seu lar.
Como um estopim, Francisco
não deixaria barato a intromissão do cão fétido. A filha já não convivia mais
com o delinquente, mas sua cachorra, branquinha, limpinha e de raça, não
poderia tampouco ser aliciada por ele. Foi tirar satisfação com o sítio
vizinho.
Foi sua primeira visita
oficial à sede do sítio Alvorada. Com palavras curtas e grossas, quando
atendido amavelmente por Mercedes, ordenou que mantivessem seu cão em sua
propriedade, ameaçando não haver tolerância sob nova invasão.
Sem permitir que ao menos
Mercedes digerisse a indignação manifestada pelo perturbado vizinho, ele saiu
com cara fechada e tom resoluto.
Mercedes respirou fundo,
buscando reequilibrar a paz que a acompanhava, após a vibração negativa trazida
pelo vizinho. Ligou para o esposo, que estava em viagem e, junto com ele, decidiram deixar a poeira
baixar. Talvez tenha
sido apenas um dia ruim para
o vizinho. Que a vida seguisse com a liberdade que a zona rural
propicia, sob o respeito preconizado para o bom convívio entre os seres.
Tito ainda teve uma nova
investida e foi visto pelo funcionário de Francisco nas redondezas de seu
sítio. Instruído pelo chefe a delatar o flagra, Francisco foi informado da
visita indesejada.
No começo daquela noite, a
segunda e derradeira visita de Francisco ao sítio vizinho aconteceu. O esposo
de Mercedes quem o atendeu, o que fez com que Francisco amenizasse o tom de voz
que sentia liberdade de proferir a uma mulher, tida como mais frágil pelos seus
enviesados valores. Pediu
ao vizinho que impedisse a ida do cão ao seu sítio.
O esposo de Mercedes, de
bom coração e um senso de justiça destacado, rebateu a colocação do vizinho e
disse que também não toleraria intolerância, e que ele revisse seu posicionamento hostil contra um
convívio harmonioso de cães.
Sem entrar em um consenso,
Francisco simplesmente virou-se e dirigiu-se ao seu carro para voltar à sede de
seu sítio.
Temerosos das represálias
que Tito pudesse sofrer, como uma medida temporária de contingência, e visando
à própria proteção de Mercedes que ficava só alguns dias na sede do sítio, ela
e o esposo resolveram deixar Tito retido no canil, preso com o auxílio de uma
coleira, para limitar sua locomoção.
Os dias seguintes à esta
decisão foram tristes, mas situações extremas exigem medidas extremas. Lola sentia falta de seu
companheiro. Mercedes e o esposo trafegavam entre a culpa e a proteção nos seus
corações. E Tito, o espírito livre e feliz do cão que refez sua vida pautado no
amor, agora com a liberdade cerceada, sentia os dias mais longos que o de
costume.
Mercedes acordou na manhã seguinte com um
aperto no peito. Já fazia três dias que Tito estava na condição de cárcere boa
parte do dia. Quando poderia libertá-lo? Ele buscaria Lola na sequência?
Certamente que sim. O vizinho de coração duro e pensamentos anuviados seria
hostil novamente? Certamente que sim. Fazia sentido ceder à ameaça de um
vizinho inconsciente? Certamente que não. Fazia sentido deixar um dos cães
amados sem gozar da liberdade que lhe é de direito? Não. Com certeza não.
Como um pastor ou pastora
de ovelhas que não desiste de nenhuma de seu rebanho, Mercedes estava resoluta
que soltaria Tito novamente. Assim que lavou o rosto e tomou um gole de café
quente, ela foi em direção ao canil para o encontro com o amado Tito, olhar nos
olhos dele e resgatar-lhe a liberdade pela segunda vez. Mal podia esperar para
fazer o certo, contando com a ajuda de uma força maior para que a animosidade
do vizinho intolerante se esvaísse.
Com passos apressados para
executar o veredito da liberdade, Mercedes chegou ao canil. Olhares tristonhos
dos seus outros cães amados a receberam. Onde estava Tito? Mirando ao fundo com
um olhar que não queria acreditar no que via, constatou o que o coração negava
a aceitar.
Metade do corpo estirado
ao chão, metade pendente por uma corrente que havia dado voltas. Ali jazia
Tito, que até três dias atrás era a expressão da pureza livre e feliz,
resgatada do abandono e acolhida com toda deferência para sorrir imensamente
com o sorriso canino todos os dias, até seu último dia.
Que a morte é destino
certo para qualquer ser vivo, Mercedes bem entendia. Outros cães amados já
haviam feito esta passagem, trazendo dor, que pouco a pouco se transformava
numa saudade gostosa. A morte sem ter vivido a plenitude até o último momento é
o que açoitou seu coração. Havia três dias que Tito não sorria, havia três dias
que não era inteiramente livre. Tudo para protegê-lo da intolerância. E esta
proteção o sucumbiu.
Na tentativa de voltar para a vida livre que lhe era de direito,
Tito se enroscou na corrente, que de tão temporária na intenção extrema da
proteção ficou permanente na sua história de luta. Um espírito livre, que se
deu a chance duas vezes de alcançar esta liberdade.
Aos olhos tristes dos seus
irmãos de sítio, e ao ar incrédulo da sua tutora amorosa, uma brisa de ar
invadiu o ambiente. A alma livre de Tito subia ao céu. Mesmo com uma dor
invisível que se apoderava do seu coração, Mercedes sentiu paz. Uma paz que
trazia uma ponte entre os que haviam seguido ao céu e os que ainda na Terra
ficavam. Como que refletindo o delicado equilíbrio da vida e seus turnos.
Seu esposo foi invadido
por apática incredulidade ao saber da despedida de Tito. Ao finalmente
concatenar seus sentimentos e providências, decidiu buscar ajuda profissional
para processar judicialmente o vizinho. Seria importante trazer um certo nível
de justiça terrena como desdobramento da intolerância humana, que culmina em
desfecho extremo.
Francisco era o tipo de
indivíduo que se balizava em marcos para seu progresso (ou retrocesso) e auto
afirmação social. Não matava (gente), não roubava (exceto sonhos), trabalhava
com honestidade (aos seus valores), frequentava a igreja (para reproduzir
sofismas), era visionário (para perpetuação do seu poderio). Ter um marco
judicial poderia (ou não) provocar uma reflexão involuntária sobre seus valores
e escolhas.
No fundo, Francisco não
amava sua terra, amava apenas o que ela lhe representava. E assim era com as
benesses que o cercavam. Francisco sequer merecia seu nome amoroso de padroeiro
dos animais. Ser uma pessoa melhor requer emendas, o que não se sabe ao certo se foi um novo ciclo
que buscou.
A indenização obtida com o
fatídico desfecho de vida de Tito foi direcionada a dois lares temporários de
cães resgatados, ajudando-os em mantimentos alimentares e medicamentosos. A
vida dispara círculos do bem, às vezes com intersecções tortuosas.
Tito ressuscitou. No
coração de Mercedes, de sua filha, do seu esposo, de Lola e no da filha de
Francisco. Em cada pensamento que trazia a pureza aos animais, aí estava Tito,
no semblante de cada cão ou ser humano que se insere neste círculo harmonioso da
vida plena. Com seus percalços, que fazem os corações chorarem e as mentes
titubearem, mas sempre plena.
Dois meses após a partida
de Tito, Mercedes voltava com o esposo no carro quatro por quatro da família.
Tinham visitado a filha na cidade universitária e se regozijaram com a bênção
de constituírem esta família feliz e amorosa, habitantes do sítio Alvorada.
Ao entrarem na estrada de
terra, margeando o lado direito do rio, Mercedes abriu a janela do carro, mesmo
sendo implacável o nível de poeira que ali adentrava. Esticou seu braço direito como que
saudando o vento e olhou para o céu. Teceu um sorriso discreto quando avistou
uma nuvem que parecia um cão feliz, serelepe, saltitante no céu. Ao chegar em casa, abriu o
porta-malas e convidou:
- Vem, Tato, conhecer seus
irmãos!
E agora ele não precisava
mais estar preso a uma coleira.
CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima
Francisco Caetano
Gisela Peçanha
Liah Pego
Lígia Diniz Donega
Mercia Viana
Rossidê Rodrigues Machado
Bruno Olsen
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
REALIZAÇÃO
Copyright © 2023 - WebTV
www.redewtv.com
Comentários:
0 comentários: