| CENA 01 | Continuação do capítulo anterior. Noite. Bairro Santa Felícia. Casa de Carlos e Janaína. Interior. Sala. Os ânimos começam a se exaltar.
CARLOS: Quê que tu falou, mulher?
JANAÍNA: Eu vou embora dessa casa, Carlos.
CARLOS: Tu não pode fazer isso.
JANAÍNA: Por que não?
CARLOS: A gente tem um trato.
JANAÍNA: Que eu tô desfazendo agora. Chega dessa vida. Chega de ser maltratada e abusada por você. Eu encontrei alguém que me ama. E é com ele que eu vou viver o resto da minha vida.
CARLOS: Ah é? Eu aposto que tu não contou pra esse granfino, o que tu faz pra ganhar a vida.
JANAÍNA: (mentindo) É claro que contei. Ele já sabe de tudo e mesmo assim me aceitou. Ele me compreende. O Darlan é um homem de verdade e não um cafajeste como você!
CARLOS: (irado) Cala essa boca!
Ele dá um tapa em Janaína.
| CENA 02 | Condomínio Almirante. Apartamento 210. Interior. Quarto de Suzana. Ela e Igor estão debaixo do edredom, seminus e rindo à toa.
IGOR: Quem é você, afinal?
SUZANA: Já disse. Uma mulher carente e solitária, que acaba de ser consolada por um menino que mal saiu das fraudas.
IGOR: (ofendido) Mas que soube muito bem dar conta do recado.
SUZANA: Não se ofenda, meu rapaz. Você fez o dever de casa direitinho.
IGOR: Você é nova no prédio, não é?
SUZANA: Sim. Acabei de chegar de Florianópolis. Meu filho sofreu um acidente de carro e entrou em estado de coma. (bufa) Até quando não quer esse menino me dá trabalho. Tive que deixar muitos negócios inacabados por causa da inconsequência desse moleque!
IGOR: Você disse... Coma?
SUZANA: É. Por quê?
IGOR: (desconfiado) Como se chama esse seu filho?
SUZANA: Isso não é importante, garoto. (sarcástica) O importante agora é você ir pra sua casa, está ficando tarde. Hora de criança ir pra cama dormir, senão mamãe dá bronca.
Ele se ofende mais uma vez e levanta-se da cama, bravo. Começa a vestir a calça e volta a sentar na cama para calçar os sapatos em seguida.
IGOR: Ah então é assim? Usa, abusa e depois joga fora?
Ela ri da cara dele.
SUZANA: Mas que dramático! Onde foi parar o seu senso de humor?!
IGOR: Você tratou de acabar com ele.
Ele levanta-se da cama, encaminhando-se para a porta do quarto.
SUZANA: Quando quiser, pode voltar bebê.
Ela continua rindo, enquanto ele bate a porta sem dá resposta.
SUZANA: E eu sei que você volta...!
| CENA 03 | República Universitária Laços de Amizade. Interior. Quarto de Celina. A mexicana está deitada na cama, com sua camisola branca enfeitada com babados de renda no busto e nas pontas. Ela está lendo um livro sob a luz de um abajur, com seus óculos na face. Ela marca a página com uma folha e fecha o livro, tira os óculos e coloca em cima do criado mudo, fazendo o mesmo com o livro. Levanta-se da cama e se dirige até o altar improvisado onde está a imagem de Nossa Senhora de Guadalupe. Após acariciá-la, a mexicana pega o porta-retratos com a fotografia de um homem trajado de mariachi. Ela admira a foto e uma lágrima escorre pelo seu rosto.
CELINA: Te extraño tanto, José! [Sinto tanta falta de você, José!]
MÚSICA: “Paso doble – Agustin Lara”.
Celina abraça-se a foto, inclina a cabeça para o lado, emocionada, e como se ouvisse a música, começa a bailar no ritmo da canção.
| CENA 04 | Fim da sonoplastia. República Universitária Laços de Amizade. Interior. Sala principal. As garotas estão reunidas assistindo a um filme de terror. A luz está apagada. Ouvimos o som da TV e apenas a luminosidade que ela produz. Vanessa e Valeska estão sentadas no sofá verde-limão dividindo uma tigela com pipoca. Bruna e Fabiana, jogadas de qualquer jeito nos puffs e mais próximas da TV, dividem outra tigela também com pipoca. As quatro estão demasiadamente atentas, e vez ou outra esboçam uma reação histérica, assustadas com algumas cenas.
FABIANA: (medrosa) É agora...
VANESSA: Ela vai entrar na casa abandonada. Sai daí garota! (histérica) Você vai morrer!
VALESKA: Cala a boca, Vanessa. Assim não dá pra ouvir o filme!
Por trás das garotas, descendo as escadas a passos lentos e delicados, vem três sujeitos cobertos cada um por um lençol branco. Eles se aproximam lentamente. Nesse momento, a cena no filme mostra um fantasma em ação. Close no rosto das quatro meninas, apavoradas.
VANESSA: Ai gente. Passa essa parte que eu tenho horror a fantasma. Se aparecesse um aqui agora nem sei o que eu faria.
Valeska lança aquele olhar mortal para a irmã.
VALEKSA: Você nem parece que é minha irmã, sua medrosa!
Nesse momento, os três sujeitos reproduzem o tradicional som oriundo de fantasma. Valeska troca um olhar apavorado com Vanessa; e Bruna com Fabiana. Ambas, ao mesmo tempo, dão o maior grito de suas vidas. Um dos três sujeitos corre para acender a luz, é Marcelo, rindo a toa. Os outros dois, Luciano e Cláudio, tiram o disfarce enquanto caem na gargalhada. Celina desce as escadas, furiosa.
CELINA: Qué pasa, chicos?
| CENA 05 | Bairro Santa Felícia. Casa de Carlos e Janaína. Interior. Sala. Ela está com a mão sobre o rosto, sua expressão é de muita raiva.
JANAÍNA: Essa foi a última vez que você encostou essa mão suja em mim.
CARLOS: Você mereceu essa bofetada. Pra aprender a me respeitar.
JANAÍNA: Que respeito, Carlos?! Quem é você pra falar de respeito?
CARLOS: (apontando o dedo para Janaína) Eu não vou ‘deixar tu’ sair dessa casa.
JANAÍNA: Eu vou embora amanhã mesmo.
Ele se aproxima dela, e a segura com os dois braços.
CARLOS: (olhos fixos nos dela) Escuta uma coisa, Janaína. Se tu sair dessa casa. (grita) Eu te mato!
Ele a empurra com força e sai batendo a porta, deixando-a amedrontada.
| CENA 06 | República Universitária Laços de Amizade. Interior. Sala de estar.
CELINA: Alguien me puede explicar que pasó? [Alguém pode me explicar o que aconteceu?]
VALESKA: Esses idiotas quase nos matam de susto.
LUCIANO: Foi só uma brincadeira, Celina. Nada demais.
FABIANA: De muito mau gosto, se quer saber.
Luciano sai de cena indo a direção a cozinha.
MARCELO: Desculpa, é que a gente não resistiu. Vocês aí acreditando piamente que o filme era real. A gente tinha que tirar uma onda.
BRUNA: Isso é coisa que se faça gente?!
VANESSA: Eu podia ter morrido, sabia?!
CLÁUDIO: (irônico) Nossa, ia fazer tanta falta!
VANESSA: Estúpido!
Celina perde a paciência e começa a tagarelar um portunhol daquele jeito, tão rápido que nem dá tempo de respirar.
CELINA: (estressada/furiosa) Ya está! Llega de peleas! Vamos a dormir que mañana es lunes y tienes que estar en las classes demasiado pronto. Qué estan esperando? Ya! Ya! Ya! A sus habitaciones, inmediatamente. Ya! [Já chega! Chega de brigas! Vamos dormir que amanhã é segunda e vocês têm estar na aula bem cedo. O que estão esperando? Já! Já! Já! A seus quartos mediatamente. Já!]
CLÁUDIO: Se você falar mais devagar pode ser que a gente entenda.
Luciano reaparece na sala com um copo d’água na mão e o oferece a Celina.
LUCIANO: Calma Celina. Você tá se estressando à toa. Como eu disse, foi só uma brincadeirinha pra descontrair. Toma essa água pra você ficar mais calma. Bebe e respira fundo.
Ele e Fabiana trocam um rápido olhar em cumplicidade. Inocente, Celina aceita a água e ingere o líquido de uma vez só. Respira, e solta a voz.
CELINA: (forçando o Português) Todos em sus quartos, AHORA! [Todos em seus quartos, AGORA!]
CLÁUDIO: Pow, Celina. Tá cedo ainda...
CELINA: (grita) Ya!
Os moradores obedecem, mas sob protesto.
| Cena 07 | Condomínio Almirante. Interior. Apartamento 209. Na mesa de jantar, Isabel e Jaqueline terminam de fazer a refeição. Igor entra pela porta da casa, desconfiado.
ISABEL: Quê que houve meu filho? Você saiu daqui pra ir à vizinha, que, diga-se de passagem, é aí na frente. Por que tanta demora?
JAQUELINE: A gente até já jantou.
IGOR: Claro que eu não tava na vizinha até agora. Eu fui dá um rolé no quarteirão. Encontrei um colega e a gente aproveitou pra comer qualquer coisa na lanchonete da esquina. Algum problema?
ISABEL: Em se tratando daquela espelunca que você chama de lanchonete da esquina, certamente tem problema sim. Se a vigilância sanitária fiscaliza aquilo ali, fecha as portas num piscar de olhos.
IGOR: Não começa, dona Isabel. O sanduba de lá é ‘dahora’ e é tudo muito limpinho tá?! Tô indo pro meu quarto que eu ganho mais. Boa noite.
ISABEL: Boa noite, então.
Igor se retira.
ISABEL: Ele tá esquisito, não tá?
JAQUELINE: Mãe, seu filho (enfatiza) É esquisito.
| CENA 08 | República Universitária Laços de Amizade. Interior. Corredor que dá acesso aos quartos da casa. Celina faz a sua vigilância noturna. Ela caminha com sua bengala, de uma ponta a outra o corredor, inspecionando minuciosamente o ambiente. Vencida pelo cansaço, a mexicana decide sentar-se na poltrona encostada no fim do cômodo, e imediatamente começa a cochilar, com direito a ronco. Corta para. Quarto Morango. Interior. Vanessa está sentada na janela, enquanto sua irmã sai do banheiro, vestida com seu baby doll rosa chiclete e escovando seu cabelo liso e loiro.
VALESKA: Quê que foi? Por que tá com essa cara de azeda?
VANESSA: Você viu o jeito que aquele imbecil do Cláudio me tratou?
VALESKA: Surpreendente mesmo seria se ele utilizasse de gentileza pra tratar alguém né irmãzinha. Aquilo lá é um ogro travestido de homem.
VANESSA: (desembucha) Mas será que ele não percebe que...?
Vanessa se dá conta que falou demais.
VALESKA: Mas será que ele não percebe que...? (deduzindo) Ah não Vanessa. Isso não! Você ainda é a fim desse cara?
VANESSA: (confessa) Desde o dia em que a gente ficou no bar do Chad.
VALESKA: (irônica) Você quer dizer desde o dia em que ele te embebedou pra se aproveitar de sua nobreza né, queridinha. Eu nem preciso dizer pra você esquecer esse garoto ok?! É perca de tempo amore. Ele não passa de um idiota. Procure alguém mais interessante e que te mereça.
Vanessa fica pensativa.
| CENA 09 | República Universitária Laços de Amizade. Interior. Quarto Uva. Marcelo e Luciano conversam próximo da porta.
MARCELO: Você gosta de correr riscos, não é? Quero ver como vai fazer pra chegar ao quarto delas com a Celina fazendo a ronda aí fora.
Luciano, ao invés de responder o amigo, abre a porta lentamente. Coloca a cabeça para o lado de fora e volta rapidamente.
LUCIANO: Primeiro, uma correção: não sou eu quem vai, é a Fabi que vem. Segundo, eu dei meu jeito cara. O sonífero já fez efeito. O caminho está livre.
MARCELO: Que sonífero? (deduz) A água... Cara, como você foi capaz?
LUCIANO: Foi um caso de extrema necessidade, Marcelo. Eu sei que você como homem é capaz de entender isso. Além do mais tu também tá sendo favorecido ué, não tem do que reclamar.
MARCELO: Favorecido, eu?
LUCIANO: Claro, cara. É tua oportunidade de avançar o sinal com a Bruna ô seu medroso. Mas agora chega de papo.
Luciano tira o celular do bolso e digita um sms rapidamente. Close no celular dele e o conteúdo da mensagem: “tá limpo, pode vir”. Ele envia logo depois. Em seguida, abre a porta do quarto. Corta para. Interior do corredor. Observamos Celina dopada e a porta do quarto Maçã sendo aberta. Fabiana põe a cabeça para fora, desconfiada. Marcelo sai do quarto Uva, como se tivesse sido empurrado por alguém. Fabiana e Marcelo se cruzam no curto percurso.
FABIANA: Boa sorte, garanhão.
Marcelo se desconcerta. Fabiana não perde tempo e adentra ao quarto Uva, a porta é fechada logo em seguida. Marcelo fica estático no meio do corredor, dá uma olhadela para Celina, até que cria coragem e entra no quarto Maçã. Corta para. Interior. Quarto Uva. Fabiana que estava coberta por um roupão de seda, vermelho, desata o laço e se exibe para o namorado, que coça a cabeça.
LUCIANO: Uau...! Que visão do paraíso!
FABIANA: Vai ficar aí parado só olhando?
MÚSICA: “O que é que eu faço pra tirar você da minha cabeça? – Ivo Mozart”.
Luciano se aproxima de Fabiana e agarra em sua cintura lhe dando um beijo quente. Abraçados, eles caminham em meio a troca de beijos e carícias até chegarem à cama debaixo do beliche. Luciano tira sua camiseta branca e volta a beijar Fabiana que retribui apertando-se contra o corpo do rapaz. Ele se afasta por um instante colocando a mão em seu bolso e tem uma surpresa desagradável. Sonoplastia baixa.
FABIANA: Que foi?
LUCIANO: Tô sem camisinha...
FABINA: (frustrada) Sério?
Ele se levanta do beliche e vai até uma cômoda bagunçando tudo que estava dentro da gaveta. Frustrado ele olha Fabiana balançando a cabeça negativamente.
FABIANA: Então acho melhor a gente parar por aqui.
Fabiana tenta se recompor e levanta-se da cama indo em direção à saída. Luciano a impede segurando-lhe com força.
LUCIANO: ‘Cê’ num vai me deixar assim, vai...?
FABIANA: Mas...
Sonoplastia alta. O beijo dele cala a boca de Fabiana. O casal decide se entregar ao desejo.
| CENA 10 | Fim da sonoplastia. República Universitária Laços de Amizade. Interior. Quarto Maçã. Marcelo e Bruna estão sentados com as pernas esticadas na cama de cima do beliche. Ambos envergonhados e com cara de paisagem.
BRUNA: Você não podia estar aqui.
MARCELO: Eu sei.
BRUNA: Esses nossos amigos não têm jeito mesmo.
MARCELO: O Luciano não presta. Coitada da Celina. Tão boa com todos nós. Não merecia ser passada pra trás dessa maneira. Ela tem lá as suas regras malucas, mas é tudo pensando no bem estar da galera.
BRUNA: Eu não acho as regras malucas.
Ele ri. Os dois se olham e logo desviam o olhar, envergonhados. Silêncio. Lentamente, Marcelo põe sua mão direita na perna esquerda de Bruna, ela se assusta.
MARCELO: O que foi?
BRUNA: (desembucha) Eu não tô pronta pra isso. Desculpa.
MARCELO: Mas eu não to fazendo nada demais...
Ela o corta prontamente.
BRUNA: Eu sou virgem.
Bruna põe as mãos no rosto, MUITO envergonhada. Marcelo engole em seco a revelação da namorada.
MARCELO: Sério?
Bruna salta da cama para o chão.
BRUNA: É claro que é sério. Eu nunca... Bom, você sabe!
MARCELO: Na verdade, eu não esperava...
BRUNA: Você deve tá me achando uma ridícula, né?
MARCELO: (pulando da cama e se aproximando dela) Não. Claro que não. Mas é que eu não imaginava. Fui pego de surpresa. Não é muito comum hoje em dia. Mas quer saber? Eu acho digno de sua parte e respeito seus princípios.
Marcelo segura o queixo de Bruna, olhando-a fixamente em seus olhos.
MARCELO: A gente não precisa fazer nada agora. ‘Te dou’ o tempo que for preciso.
BRUNA: (sorrindo/aliviada) Obrigada.
MARCELO: Eu que te agradeço por ser tão especial.
Ele a envolve em um abraço apaixonado.
| Cena 11 | “MÚSICA: Senhor do tempo – Charlie Brown Jr”. Nasce um novo dia na grande São Paulo. Do céu nublado e cinzento começam a cair gotas de chuva. Bairro Santa Felícia. Interior. Casa de Carlos e Janaína. Esparramado na cama em meio aos lençóis bagunçados, Carlos acorda com o barulho ensurdecedor de um trovão. Ele rola na cama, e dá por falta de Janaína. Levanta-se num reflexo, esfrega os olhos e levanta-se, perturbado. Fim da sonoplastia.
CARLOS: Cadê essa mulher!
Ele recorda-se dos acontecimentos da noite anterior.
FLASHBACK
JANAÍNA: É isso aí. Tô indo arrumar minhas malas. Vou morar na casa de quem realmente me ama.
FIM DO FLASHBACK
CARLOS: Não pode ser...
Carlos começa a gritar o nome de Janaína procurando-a pela casa, sem sucesso. Ele vai até o guarda-roupa e ao abri-lo se dá conta de que apenas suas roupas estão lá, no lado esquerdo, e o lado direito está vazio, nenhuma peça feminina. Close em seu rosto, com ódio. Ele soca a porta do móvel.
CARLOS: Eu te avisei, Janaína... EU TE AVISE!
Close na expressão diabólica de Carlos.
autor
Diogo de Castro
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