4x14 - Trabalho Noturno
de L.C.Braga
— Tchau pai! Vou ficar com saudade.
A voz de menina de oito anos é sincera. Ela adora brincar
com Zander, seu pai.
— Pode deixar filha! — Ele responde terminando de abotoar
seu casaco preto.
A fechadura é envolvida pela mão com pele surrada e
cheia de cicatrizes.
Antes de abrir, Zander encosta a cabeça na porta, apaga a
luz deixando a casa ser iluminada apenas pela luz do quarto da filha e respira
fundo, facilitando seu pensamento escapar pela boca.
— Eu deveria ficar.
A resposta é uma mão feminina passeando pelas costas
acompanhada de um sussurrando em seu ouvido.
— Também acho. — A
voz é deliciosa de escutar e recheada de carinho.
Um sorriso resolve aparecer, pequeno é verdade, mas ele vem.
— Isso não ajuda.
— Eu sei — Ela dá um beijo em sua nuca. Um arrepio
passeia pelo seu corpo - mas quem disse que quero ajudar?
— Você deveria me convencer a ir trabalhar.
— Eu mesmo não. Você vai porque quer.
Ele sabe que ela tá brincando, mas ao mesmo tempo está
falando a verdade. Aquela situação ambígua em que é errado, mas também não é
certo.
Zander se vira e dá um beijo em sua esposa. Um beijo
apaixonado, ardente, cheio de vontade. E tão rápido como começou, termina.
— Eu te amo, muito. Mas tenho que ir. Infelizmente.
— Infelizmente você me ama? — Ela o provoca com sorriso de
quem sabe a resposta, mas só quer encabulá-lo.
— Não, Marlene! Você sabe que…
Ela o interrompe com o dedo indicador em seus lábios.
— Eu sei. Ponto. Agora vá, antes que eu te amarre.
Zander devolve o sorriso e dá mais um beijo. Finalmente sai
de casa para ir trabalhar durante a noite de Campiago do Sul. Uma cidade do
interior com status de cidade grande.
E como toda cidade grande, esta também não dorme. Só mudam os locais e os atores que interagem.
Enquanto caminha, Zander levanta seu capuz do casaco. Seu
rosto fica mais difícil de ser visto. A iluminação da rua também não ajuda.
Melhor assim. O trabalho deve ser feito de modo discreto.
Mais de três horas de caminhada e finalmente o surge o
primeiro cliente. Um camaro vermelho estacionado na rua está com um casal.
Visivelmente estão discutindo.
Zander para um pouco longe e começa a observá-los. De seu bolso
do casaco tira um mini binóculo e então é possível ver outras cicatrizes além
das antigas já saradas e algumas ainda novas em sua mão.
A mulher abre a porta do carro. O salto alto e o vestido
curto escolhido de propósito atrapalham um pouco a saída, fazendo-a quase cair.
Ela se apoia no teto do carro provocando um grande barulho.
O rapaz se enfurece e sai do carro feito um doberman pra
cima dela. Ele a segura pelos braços e a empurra na lateral do carro, batendo
com a cabeça. Sem dar chance para se defender, ele dá um soco no rosto dela.
Ela cai no chão e isso não basta para o motorista parar desferir golpes em sua
face. Mas basta para Zander.
Ele guarda o mini binóculos e caminha decidido na direção do
rapaz. Do outro bolso ele tira um cilindro. Faltando pouco para chegar perto,
chicoteia o objeto com a mão fazendo-o crescer até virar um bastão de aço com
uma pequena esfera na ponta.
O rapaz percebe a aproximação dele e finalmente para de
bater na mulher.
— Que é? Passa longe e vai embora! — ordena o motorista.
Zander continua até chegar perto o suficiente e sem aviso
começa a bater no motorista com seu bastão. O rapaz tenta se defender por
reflexo levantando o braço. Aço contra osso. O osso perde lógico. A dor é
excruciante.
Com a guarda aberta, Zander executa outro golpe, agora na
lateral do corpo. Provavelmente duas, mas podem ter sido três costelas. O rapaz
fica com dificuldade de respirar. Mesmo assim, suplica para parar.
— O que foi que eu te fiz? Pare por favor!
O rapaz cai no chão e se encolhe como uma criança. Zander
continua batendo no corpo como se estivesse espanando uma almofada.
Finalmente Zander para.
O rapaz, no chão, vira-se para Zander, a camisa de seda
caríssima toda rasgada, mostra os hematomas.
— Por quê?
Zander aperta o maxilar tentando controlar o resto da raiva
ainda dentro de si. Ele olha para garota. Um belo corpo, jovem. No entanto, a
cara está deformada com a violência do motorista. O rapaz o percebe
encarando-a.
— Por causa dela? Ela é uma prostituta! Pode ficar com ela.
Ele vira-se levantando o seu bastão. O motorista, machucado,
com ossos quebrados, levanta os braços com muita dor e pede desesperado.
— No rosto não!
Zander para e se espanta com o pedido. Observa o rosto do
energúmeno. Ainda está limpo. Sem uma ferida. Olha para a moça desmaiada e o
semblante é o total oposto.
Zander solta o maxilar e libera toda sua raiva no rosto do
rapaz. Sangue espirra na face de Zander. Uma catarse o faz sentir prazer com
aquilo. Acabar com um desgraçado sem qualquer empatia com a mulher e valendo-se
de sua força para descarregar sua frustração nos mais fracos.
A mulher abre os olhos e vê Zander com seu capuz sombreando
o rosto e dando socos no motorista. Não demora muito e ele não se mexe mais.
Nem mesmo respira. Ela se levanta assustada e sai correndo desengonçada por
causa do salto alto. Zander observa a vítima fugindo e desaparecendo na
esquina. Retorna sua atenção para o infeliz. Ele só será reconhecido pela
arcada dentária provavelmente.
Com um botão ele recolhe o bastão e guarda-o de volta no
bolso, levanta-se e vai embora. Seu trabalho da noite terminou. Hora de voltar
pra casa.
O Dia está querendo chegar, porém a noite da madrugada ainda
reina quando Zander entra em casa. Assim que tranca a porta sente a mão de sua
esposa apertá-lo no ombro, fazendo massagem de relaxamento
— Ainda está acordada?
— Esperando por você.
Ele sorri e resolve dar-lhe um beijo. A sensação é maravilhosa
e quando termina, abre os olhos e acende a luz.
A sensação boa vai embora e imediatamente surge em seu lugar
um desespero profundo ao ver o corpo de sua mulher empalhado em pé ali na sala.
Nas paredes, várias reportagens antigas de jornais, algumas
impressas da internet. Todas com manchetes
variando sobre o mesmo tema: “pai de família perde esposa e filha para
estuprador do parque São Jorge”; “polícia descobre que estuprador era filho do
dono das indústrias nórdicas”; “estuprador é solto após cumprir um sexto da
pena e agora está em liberdade condicional”; “filho de magnata vai morar no
exterior para cuidar das filiais europeias”.
Zander puxa os cabelos. Ele quer gritar, mas não
consegue. Corre para o quarto da filha e
a encontra também empalhada e deitada na cama.
— Nãaaaaaao! Não,
não.
Ele desliga as luzes da casa e foge pro seu quarto.
— Não. Isso não pode ter acontecido.
Na escuridão, a voz feminina volta a consolá-lo.
— O que meu amor? O que não pode ter acontecido?
— Marlene, é você mesmo?
— Claro! Quem mais seria?
Ela faz Zander deitar na cama, ficando em conchinha com ela
o protegendo.
— Pensei que tivesse perdido vocês hoje.
— Não, você não perdeu. Nós sempre estaremos com você.
Zander se encolhe como um feto na barriga da mãe. Marlene
continua acalmando-o
— Foi só um susto. Amanhã será um outro dia e você vai
trabalhar de novo. Esse trabalho novo que você arranjou tem ajudado muito você.
Não é?
— É…
Zander concorda e em seguida pega no sono para descansar e
poder continuar seu trabalho mais tarde.
L.C.Braga
Bruno Olsen
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
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