| CENA 01 | Continuação do capítulo anterior. De tarde. Condomínio Almirante. Interior. Apartamento 210. Cláudio está esparramado no sofá da sala com uma garrafa de cerveja na mão, trajando apenas uma cueca box preta. Na mesinha de centro há uma pizza pela metade. Ele pega um pedaço com a mão que estava livre. Suzana surge na sala vestida com um roupão branco e uma toalha que envolve seus cabelos, na cabeça.
CLÁUDIO: (comendo) Não vai comer a pizza? Tá muito boa.
SUZANA: (ríspida) Não. E acho que já está na sua hora.
CLÁUDIO: (de boca cheia) Como é que é?
SUZANA: Está na hora de você ir.
CLÁUDIO: Mas já? Eu pensei que...
Ela o corta.
SUZANA: Pensou que eu fosse ficar te bajulando até você se cansar de mim. Pensou que eu me apaixonaria perdidamente por você como uma adolescente e que me teria nas mãos a partir de agora... Pensou errado garoto. O que eu queria de você já tive, por sinal, foi ótimo. Mas não pense que vou ficar bancando a vida boa de um universitário pé-rapado. Anda, veste logo tuas roupas. Tenho coisas a resolver.
Cláudio levantando-se joga o pedaço de pizza na mesa, de qualquer jeito, põe também a garrafa de cerveja. Começa a catar a roupa pela sala e a se vestir.
CLÁUDIO: Você é completamente maluca sabia?
Ao terminar de se vestir, Cláudio vai em direção a saída. Suzana já o esperava lá com a porta aberta.
CLÁUDIO: Até logo?
SUZANA: Quem sabe...!
| CENA 02 | Bairro Santa Felícia. Casa de Carlos. Interior. Carlos se encontra sentado no sofá como de costume, com uma cerveja a tira colo. Alguém entra pela porta, de repente.
CARLOS: Pow, até que enfim hein!
LUCIANO: Diz logo o que você quer que eu tenho mais o que fazer.
CARLOS: Isso é jeito de falar com teu pai?
LUCIANO: Sem essa beleza?! Fala logo o que você quer comigo.
CARLOS: Quero saber o endereço da casa do ricaço que a Janaína tá morando. Eu sei que tu sabe.
LUCIANO: E por que eu te diria se sempre fui contra essas sujeiras que você fazia com ela?
CARLOS: Eu preciso falar com a Janaína.
LUCIANO: Falar com as pessoas não faz muito seu perfil. Você deve tá é armando alguma pra cima da coitada. Mas por mim você não vai saber de nada. A Janaína tá muito mais feliz agora, longe da vida de cão que ela levava aqui dentro.
CARLOS: Tu tem que me dizer. Eu sou teu pai moleque!
LUCIANO: Eu não tenho pai. E faz um grande favor pra todos nós. Esquece que a gente existe.
Luciano sai sem dá direito de resposta ao pai, que se altera.
CARLOS: Droga! Isso ‘num’ vai ficar assim... Eu vou te achar Janaína. Eu vou te achar!
| CENA 03 | Música: “Senhor do tempo - Charlie Brown Jr”. Close no céu azul-cinzento da grande São Paulo. Cai a noite. A câmera dá um close na fachada da república e um táxi parando em frente ao local. Interior. República Universitária Laços de Amizade. Todos estão reunidos à mesa de jantar fazendo a refeição com direito ao barulho de sempre.
VANESSA: ‘Me passa’ o suco aí Cláudio, por favor.
CLÁUDIO: Tem mão não, garota? Vem pegar!
MARCELO: Deixa de ser grosso cara. Quê que custa?
Marcelo que estava sentado ao lado de Cláudio, pega a jarra de suco e passa para Vanessa.
VANESSA: (encarando Cláudio) Brigada Marcelo.
BRUNA: O que estão achando do meu “Camarão à Grega”?
FABIANA: Camarão? Isso aqui é camarão?
Close na face de Fabiana, enjoada.
FABIANA: Ai gente. Dá licença.
Fabiana levanta-se da mesa apressada e sobe as escadas mais apressada ainda.
MARCELO: Quê que deu nela?
VALESKA: Essa comidinha de boteco disfarçada de prato chique deve ter feito mal.
BRUNA: (ignorando a fala de Valeska) Será que ela não gostou gente?
LUCIANO: Nem esquenta com isso Bruna. Essa aí anda muito esquisita pra comer ultimamente.
CELINA: La comida está muy exquisita chica!
VALEKSA: Não falei? Até a Celina estranhou.
MARCELO: “Exquisita” em espanhol quer dizer saborosa Valeska.
CELINA: Exactamente chico! Está muy sabrosa la comida Bruna. No te preocupes.
BRUNA: Ufa! Que bom.
CLÁUDIO: Valeu a tentativa Valeska.
Todos riem dela.
| CENA 04 | Hospital Regional. Interior. Quarto de Celso. O ambiente está pouco iluminado. Os aparelhos que ajudam o rapaz a respirar produzem um bip constante. Close nos pés de Celso, coberto por um lençol verde. A câmera passeia devagar pelo seu corpo até chegar ao rosto do rapaz que lentamente abre os olhos, assustado, não reconhecendo o local onde se encontra. Ele permanece imóvel. Neste momento, uma enfermeira entra no quarto e segue em direção a uma janela aberta, fechando-a em seguida. Ao virar-se na direção ao paciente, quase sofre um desmaio ao vê-lo de olhos abertos. A enfermeira sai nervosa do local.
| CENA 05 | República Universitária Laços de Amizade. Interior. Na mesa de jantar. Todos, exceto Fabiana, seguem fazendo a refeição. Alguém bate na porta.
VANESSA: Quem será?
CLÁUDIO: Mais um pra filar boia de graça!
MARCELO: O cheiro da comida deve ter chegado ao vizinho.
VALESKA: (revirando os olhos) Eu mereço.
CELINA: Voy a abrir la puerta.
Celina levanta-se da cadeira em que estava sentada e dirige-se até a porta. A câmera acompanha seu trajeto e focaliza a porta de entrada, quando ela é aberta close no homem velho, baixo, quase careca, tem um bigode volumoso, barba por fazer e poucos cabelos, ambos quase brancos; olhos cor de mel e vestindo um traje tipicamente mexicano, cuja cor base é o branco, mas enfeitado com muitas outras cores. Ele calça uma bota preta, na cabeça leva um sombrero marrom e nas costas uma viola. Baque em Celina, surpresa e incrédula.
CELINA: No... No puede ser... [Não pode ser]
HOMEM: He dicho que viña Celina. [Eu disse que vinha]
CELINA: (emocionada, olhos marejados) José...!
JOSÉ: Celina!
MÚSICA: “Paso doble – Agustin Lara”
Eles se abraçam emocionados. Os moradores da república correm para a sala para ver o que estava acontecendo. O abraço se desfaz e eles trocam um beijo longo. Fim da sonoplastia.
CELINA: Te extrañé tanto! [Senti tanto sua falta]
| CENA 06 | Música: “Tantinho – Carlinhos Brown”. No dia seguinte. República Universitária Laços de Amizade. Interior. Na mesa do café da manhã, todos estão reunidos, exceto o homem que chegara à noite anterior.
CELINA: Chicos y chicas, ayer las emociones no me permitieron explicar como me gustaria, pero ahora es la oportunidad perfecta. [Meninos e meninas, ontem as emoções não me permitiram explicar como gostaria, mas agora é a oportunidade perfeita.]
FABIANA: Acho que nem precisa Celina...
VANESSA: Tá na cara que o carequinha é o grande amor mexicano da sua vida.
CELINA: Verdad, muchachas. Es verdad! José es y será siempre mi amor. El gran amor de mi vida. Pero ella nos separó. [Verdade, garotas. É verdade! José é e sempre será meu amor. O grande amor da minha vida. Mas ela nos separou.]
MARCELO: Até ontem a noite né.
LUCIANO: Falando nisso, cadê o dito cujo?
Celina levanta-se da mesa, orgulhosa. O tom da sua voz é exageradamente alto.
CELINA: Pero, mas allá de la razón de mi vida, José es el mejor mariachi de México! [Mas, além da razão da minha vida, José é o melhor mariachi do México!]
Neste momento, José, vestido com um traje de charro (roupa típica de mariachi), desce as escadas indo em direção à mesa onde todos estão reunidos. Ele começa a tocar com sua viola e a cantar a música “Cancion del mariachi – Los locos”. Celina começa a bailar ao som da canção. Os republicanos assistem a cena contendo o riso. O casal se empolga e José começa a acelerar o ritmo. Os dois cantam e dançam freneticamente. Os republicanos caem na risada.
VALESKA: Para o mundo que eu quero descer.
CLÁUDIO: Se com uma já era complicado, imagina dois mexicanos sob o mesmo teto!
No ápice da interpretação de Celina e José, o telefone toca. Todos os republicanos levantam-se ao mesmo tempo querendo chegar primeiro no aparelho e se livrar da tortura do casal de mexicanos. Cláudio é o mais rápido e consegue atender.
CLÁUDIO: Alô.
Silêncio. Todos estão em volta do rapaz, que por um momento gagueja alguma coisa. Nervoso, ele afirma algo com a cabeça inutilmente e desliga logo em seguida.
BRUNA: Quem era?
CLÁUDIO: (afobado) O Celso acordou!
Close no rosto de surpresa de cada um. Mais silêncio. Segundos depois, a gritaria é geral entre os moradores que comemoram a notícia. Felizes da vida.
MÚSICA: “Caiu na Babilônia - Strike”.
| CENA 07 | Imagens da cidade de São Paulo tomam conta da tela. São mostrados monumentos históricos, os aranhas-céu, o trânsito caótico, as pessoas trafegando pelo centro. Corte de cena. Exterior. Fachada do Hospital Regional. Corte de cena. Interior do quarto de Celso. Os moradores da república, exceto Fabiana, estão todos reunidos no quarto que se torna pequeno pra tanta gente. Fim da sonoplastia.
DR. HUMBERTO: Foi realmente surpreendente a melhora no estado de consciência do Celso. O tratamento caminhou bem, mas ele não apresentava grande progresso, não nos dava muitas esperanças. Em todos esses anos de profissão, eu nunca vi nada igual.
CLÁUDIO: Mas ele não fala, doutor!
VANESSA: Nem se mexe...
MARCELO: Será que ele tá escutando a gente?
BRUNA: Ele tá bem mesmo doutor?!
DR. HUMBERTO: Calma pessoal. Ele ainda não fala, mas se move com alguma dificuldade. Essas são consequências normais provocadas devido ao tempo em que o paciente esteve em coma. A fisioterapia deve resolver. O Celso terá de reaprender as habilidades básicas como andar, comer, falar, mas tenho esperanças que isso seja o mais rápido possível, dada as surpresas que ele nos proporcionou até então.
LUCIANO: Ele vai ficar bem galera. O Celso é forte.
CELINA: Gracias a la virgen de Guadalupe, y a usted doctor, nuestro Celso volvió a la vida. Muchas gracias. [Graças a Virgem de Guadalupe, e a você doutor, nosso Celso voltou a vida. Muito obrigado.]
Celina, emocionada, dá um abraço em Humberto.
DR. HUMBERTO: Não há o que agradecer dona Celina. É o meu trabalho. Não há gratificação maior do que a sensação de ter salvado a vida de alguém.
MARCELO: Mas a Celina tem razão, doutor. Você foi um anjo na vida do nosso amigo. Obrigado.
Marcelo aperta a mão do médico. Silêncio momentâneo. Alguém entra pela porta sem cerimônia, é Suzana, que se surpreende ao ver a multidão de gente no quarto do filho.
SUZANA: (esnobe) Mas o que significa isso?
DR. HUMBERTO: Seu filho acordou, dona Suzana.
Suzana está em choque, mas contida. Ela se aproxima da cama do filho, e o observa em silêncio.
DR. HUMBERTO: É melhor deixá-la a sós com ele, pessoal.
CELINA: Es verdad muchachos. Además ustedes tienen que ir la universidad. Y mi José se ha quedado solo em casa. Vamos! [É verdade, garotos. Além disso, vocês têm que ir a universidade. E meu José ficou sozinho em casa.]
Todos concordam sem dizer uma palavra e saem do quarto, inclusive o médico. Close em Suzana que nada diz, apenas observa Celso, imóvel, mas de olhos abertos.
| CENA 08 | Fachada de um consultório médico. Interior da sala de consultas. Fabiana, aflita, está sentada de frente para o médico que segura um envelope. Em silêncio, ele abre o envelope e retira de dentro um papel, o qual examina por um instante.
FABIANA: (aflita) E então doutor? Acaba logo com isso.
O médico lança-lhe um olhar sério.
MÉDICO: Como já imaginava. Deu positivo.
FABIANA: Isso quer dizer que...
MÉDICO: Isso quer dizer que você está grávida, Fabiana.
Close em Fabiana, em pânico com a notícia.
| CENA 09 | Bairro Santa Felícia. Interior da casa de Carlos. Ele entra pela porta deixando-a aberta para que outro homem, logo atrás, entrasse em seguida. Este segundo homem é alto, razoavelmente forte, cabelo preto, assim como seus olhos fundos e de barba feita. Ele veste uma blusa regata listrada, azul e branca; e uma calça jeans azul desbotada. Carlos passa direto pela sala e vai até a geladeira, tirando uma cerveja de dentro dela e entregando ao outro homem.
CARLOS: Tu consegue fazer isso pra mim?
HOMEM: Deixa comigo Carlos. Alguma vez eu já te deixei na mão?
CARLOS: Não. E é por isso que eu conto contigo.
Carlos vai até uma cômoda ao lado da sua cama e abre uma gaveta em seguida, tirando um bloco de anotação e uma caneta de dentro dela. Ele volta para sala a e escreve alguma coisa no bloco.
CARLOS: Vou te passar o endereço da casa do cara.
HOMEM: O cliente que tinha fetiches depravados. O safado gostava de tirar foto de tudo!
Ele ri. Carlos continua sério e entrega o papel com o endereço ao homem.
CARLOS: Procura o ricaço e consegue essas fotos cara. Inventa alguma coisa. Dá teu jeito. Mas consegue essas fotos custe o que custar!
HOMEM: Deixa comigo, Carlos. Mas se me permite a pergunta, o que é que tu vai fazer com essas fotos?
CARLOS: Mostrar ao granfino que tá bancando a Janaína com quem ele tá se deitando toda noite. Aquela vaca vai se arrepender de ter saído dessa casa.
HOMEM: (debochado) Ih já entendi. Isso tudo é dor de corno cara? Esquece essa mulher. A Janaína já se mandou daqui faz tempo, procura outras meninas, de preferência novinhas, cara.
CARLOS: (bravo) Qual foi Ronaldo?! Quê que tu tá querendo?! Isso né ciúme não parceiro. É raiva. A Janaína vai me pagar pelo que ela me fez.
RONALDO: Beleza então. Não tá mais aqui quem falou.
| CENA 10 | República Universitária Laços de Amizade. Interior da sala. Celina e José estão sentados no sofá verde-limão.
CELINA: La casa se queda tan vacia sin mis pupilos. [A casa fica tão vazia sem meus pupilos.]
JOSÉ: Es verdad mi amor! Todavia podemos tomar ventaja hasta la fecha. Aprovechar para namorar mientras tus pupilos no llegan. [É verdade meu amor! Mas podemos aproveitar para namorar enquanto eles não chegam.]
CELINA: (envergonhada) Ay José! No sea tan desvergonzado! [Não seja tão sem vergonha]
JOSÉ: Es que aun te echo de menos Celina. Fue tanto tiempo lejos de ti... [É que ainda estou com saudades Celina. Foi tanto tempo longe de você.]
CELINA: Lo sé mi amor! Lo sé... Pero lo que importa es que estamos juntos outra vez.
JOSÉ: Y desta vez es para siempre.
CELINA: Sí! Para siempre vida mía.
O casal troca uma bitoca apaixonada.
| CENA 11 | Universidade Campelo Costa. Interior. Primeiro andar. Sala do curso de Educação Física. O ambiente está totalmente ocupado pelos alunos, atentos à explicação do professor. No meio da sala, entre as filas de carteiras estão Luciano e Cláudio. Luciano atento, Cláudio disperso como sempre. O toque de um celular desconcentra o professor e todo resto da sala. Todos encaram Luciano entendendo que o celular que tocou é o dele. Cláudio ri da situação.
LUCIANO: Foi mal pessoal. ‘Esqueci de’ por no silencioso novamente.
PROFESSOR: Pela milésima vez. Que isso não se repita, Luciano.
LUCIANO: Desculpa professor.
Luciano percebe que recebeu um sms e verifica seu conteúdo. O professor retoma sua aula.
CLÁUDIO: Quem é?
LUCIANO: Fabiana. Vou lá ver o que ela quer.
Luciano levanta-se da cadeira, ignorando o professor, que faz o mesmo com o rapaz. Ele se retira da sala.
CORTA PARA,
Lanchonete do Campus. Fabiana está sentada em uma das mesas, seu semblante é transparente de preocupação excessiva. Luciano se aproxima apressado.
LUCIANO: Espero que seja urgente mesmo, como você disse na mensagem, pra que pelo menos tenha valido a pena a chamada que levei do professor.
Fabiana dispara a notícia.
FABIANA: (nervosa) Eu to grávida!
Baque em Luciano que titubeia e cai sentado na cadeira, como se levara um tiro.
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