2x03 - Ecos de uma Guerra
de Augusta Scheer
Fazia frio e caía uma garoa fina no centro de Curitiba.
Caminhando, Ana percorria lentamente a Rua Ubaldino do Amaral, procurando o
endereço que lhe haviam indicado, onde, às 16h30, teria uma entrevista de
estágio. Saíra cedo de casa e não tinha pressa. Observou, distraída, os
transeuntes – eram mulheres com sacolas de compras, estudantes do colégio
estadual próximo, alguns idosos e crianças, todos abrigados sob guarda-chuvas.
Ela virou à direita, tomando a rua Conselheiro Araújo. Observou a
movimentação nos estabelecimentos naquelas primeiras quadras da via: na porta
do salão de beleza, uma mulher bem-vestida lutava para abrir sua sombrinha sem
estragar as unhas recém-pintadas; sob uma marquise à frente do hotel, dois
homens fumavam e conversavam; no saguão do pequeno edifício comercial, o
carteiro chegava para entregar um pacote. Assim, Ana percorreu os olhos pela
paisagem da rua, absorvendo as trivialidades – até que seus olhos pousaram
sobre o casarão abandonado, na esquina com a Rua Padre Camargo.
A casa abandonada tinha um estranho magnetismo, e Ana sentiu que
não conseguia desviar o olhar da edificação. Havia algo de irresistível nas
linhas aprumadas do imóvel que devia ter sido, um dia, uma bela residência. O
estilo das janelas denunciava que a casa teria sido construída em algum ponto
do século XIX. Mas, como é o caso de muitas construções históricas brasileiras,
estava em péssimo estado de conservação. O telhado parecia despencar, e a
madeira das janelas estava apodrecida, evidenciando ainda mais a decadência da
fachada, em que perduravam resquícios de uma pintura cor-de-rosa.
Ana se detinha no exterior da casa quando viu algo que fez seu
coração saltar: parecia haver alguém lá dentro. Através de uma grande fresta
entre as tábuas que cobriam a janela lateral, ela pode ver um movimento rápido
e brusco de uma silhueta de forma humana.
Sentindo uma atração que a puxava em direção à casa, Ana não
respondeu mais por si. Seus pés ganharam vida própria e, ignorando o bater
acelerado de seu coração, ela se aproximou do casarão abandonado, espremendo os
olhos para tentar distinguir alguma coisa na penumbra impenetrável do seu
interior. Trêmula, ela aproximou lentamente o rosto da fresta entre as tábuas,
para tentar distinguir quem ou o quê se movera ali alguns instantes antes… Suas
narinas foram tomadas por um cheiro ocre que ela não conseguiu distinguir.
No interior da casa, uma cena desoladora se desenrolava: ajoelhada
no chão, uma mulher chorava e soluçava, o corpo inteiro tremendo em espasmos de
pesar e sofrimento. Diante dela, estendido no chão sobre uma poça de sangue, o
cadáver de um jovem, vestido em trajes militares.
Ana sentiu um mal súbito e suas pernas cederam ao peso do corpo.
Ao se apoiar nas tábuas que cobriam a janela, derrubou-as, fazendo um barulho
que atraiu a atenção da mulher enlutada – que, num sobressalto, se voltou para a invasora.
Ana jamais se esqueceria do olhar gélido e penetrante que a mulher
lhe dirigiu. De repente, sentiu todo seu corpo formigar, e sua boca seca foi
tomada por um gosto horrível que lhe era desconhecido. Sua visão escureceu e
ela mal conseguiu discernir quando a mulher se ergueu e se pôs a caminhar em
sua direção, ainda chorando, com o braço estendido como se pedisse ajuda.
Em pânico, Ana tentou correr, mas suas pernas estavam moles e não
a obedeciam. Um frio intenso e repentino tomou conta de seu corpo, e a última
lembrança dela antes de desmaiar era a
de um rosto fantasmagórico contorcido de angústia e tristeza.
***
Ao acordar no pronto socorro do Hospital de Clínicas, algum tempo
depois, Ana ainda se sentia fraca e gelada. Seu corpo estava rígido e dolorido,
e ela mal conseguia mexer o pescoço para olhar ao seu entorno. Tomou um
sobressalto ao ouvir uma voz estridente e alegre que a abordou mesmo antes que
ela tivesse tempo de processar onde estava.
– Acordou, minha flor? – A voz era de uma médica
idosa, baixa e roliça, que trajava um jaleco cor creme e óculos de
bibliotecária.
Ana aceitou o copo de água que a médica lhe oferecia e bebericou o
líquido gelado enquanto a mulher lhe explicava que ela havia sofrido uma queda
de pressão.
– Você teve muita sorte –
disse ela, num tom sombrio que contrastava com a alegria de momentos antes. Ana
não entendeu o que ela quis dizer e tentou pedir que explicasse, mas descobriu
que estava sem voz –
como se tivesse gritado a plenos pulmões por horas a fio. Desesperada por não
conseguir se comunicar, Ana pigarreou e tentou de todas as maneiras falar, mas
a voz não lhe saía.
– Acalme-se, tudo vai
ficar bem – disse a médica, que não parecia ter ficado surpreendida com a
afonia de Ana. – O
rapaz que passou mal na semana passada recuperou a voz dentro de algumas horas.
Interessada neste último comentário, Ana se endireitou na maca
para ouvir melhor, e a médica compreendeu que a jovem cobrava explicações. Sem
dizer nada, ela se levantou e fechou a porta da enfermaria, como se quisesse
privacidade.
– Você os viu, né? – perguntou a médica, com
muita urgência na voz.
Ana pensou na visão que tivera e sentiu seu sangue gelar. Pelo tom
da conversa, ela entendeu que a médica se referia ao casal que Ana vira dentro
do casarão. Sem conseguir articular palavras, fez que sim com a cabeça.
– Pobre menina, deve ter
sido apavorante! –,
disse a velha médica, pegando mais água para Ana. É muito comum
atendermos emergências como a sua aqui no Hospital de Clínicas: semana passada,
um rapaz passou mal e tivemos que lhe aplicar calmantes, porque, quando sua voz
finalmente voltou, ele não parava de berrar que estava sendo perseguido por uma
mulher chorando. Dizia que ela estava ao lado dele, como um encosto,
perseguindo-o aonde quer que ele fosse.
Ana sentiu um calafrio ao escutar as palavras da médica. A menção
a uma mulher chorando a fez lembrar do olhar fantasmagórico da senhora que ela
vira dentro da casa, e seu corpo foi tomado de novo pela sensação de terror que
aquele olhar havia lhe causado.
Aquela casa na frente da qual você foi
encontrada está ligada a todo tipo de desastres e fatalidades. Moro nesse
bairro desde que nasci e já testemunhei muita coisa horrível relacionada àquele
casarão. Há alguns anos, um caminhão de fertilizantes se chocou contra um poste
bem na frente da construção antiga. Antes de morrer, o motorista teve tempo de
nos contar que vira a figura de um homem todo ensanguentado no meio da rua, e
que sua colisão com
o poste fora uma tentativa de desviar do misterioso homem machucado, que sumiu
sem deixar rastros.
Ana ponderou as palavras da médica. Ela também vira um homem
ensanguentado, mas ele aparentava estar morto, estirado no chão do interior
escuro do casarão. Tentou proferir essas palavras, mas ainda não havia nem
sinal de voz.
Na década de 1990, tentaram destruir o casarão
abandonado,
continuou a idosa, sem se importar com as tentativas de Ana de vocalizar algum
som. Houve um grande desastre: o homem que pilotava a
escavadeira enlouqueceu, atropelou sete pessoas que passavam na rua e destruiu
o telhado de uma casa vizinha, matando a família que estava lá dentro.
Ana ouvia atentamente as palavras da médica. Seus olhos estavam
arregalados de medo diante da revelação de que ali, em pleno centro de
Curitiba, havia uma casa amaldiçoada responsável por tantas desgraças. A médica
suspirou antes de continuar seu relato.
Na minha juventude, uma moradora de rua tentou
ocupar a casa: entrou, sem saber que ali habitavam almas atormentadas. Uma viga
de madeira caiu sobre o pé dela, e ele teve que ser amputado. A médica interrompeu seu
relato, olhando fixamente o rosto de Ana. Por isso eu disse que você
teve muita sorte. O seu Caio, porteiro do prédio que fica logo em frente ao
casarão, viu você caída a tempo de lhe trazer ao hospital.
Ana estava zonza. Pelo que a médica estava contando, realmente ela
tivera muita sorte. Aparentemente, conseguira escapar ilesa de uma terrível
maldição, que já havia feito muitas vítimas.
Ainda sem conseguir falar, olhou para o relógio: 17:12. Havia perdido a
entrevista de estágio e já se mobilizava para ligar à recrutadora pedindo
desculpas, quando a médica interrompeu seu alvoroço com palavras
tranquilizadoras, pedindo que ela aguardasse, pois logo passaria o estado de choque e ela
recobraria sua voz.
É importante respeitar o seu tempo
de recuperação, disse a médica, com um ar cansado. Então, com um movimento
lento, a velha médica enfiou uma mão na gola da blusa verde que trajava sob o
jaleco, retirando debaixo do tecido uma corrente na qual estava pendurado um
pequeno crucifixo dourado. Por alguns instantes, ela observou o crucifixo, que
segurou nas pontas dos dedos grossos, antes de tirar a corrente e oferecê-la a
Ana.
-
Nunca mais circule por essa região sem isso –
disse ela, num tom muito sério, uma sobra de medo nos olhos.
***
Alguns dias depois, Ana, já com a voz restaurada, ainda não
conseguia tirar da cabeça a visão da mulher chorando diante do cadáver do
militar ensanguentado. Quando se deitava na cama para dormir, escutava
novamente o choro desesperado dela e se perguntava, comovida, quem teriam sido
aquelas pessoas que lhe pareciam tão sofridas.
Numa tarde, no intervalo das aulas da faculdade, ela tomou novamente o rumo do casarão abandonado. Sem perceber, seus pés a levaram, em questão de minutos, mais uma vez à rua Conselheiro Araújo e ela se viu diante da velha casa.
Era um dia nublado e frio; as árvores que cresciam no quintal
detrás da casa balançavam ao sabor do vento gelado. Havia uma inquietação no
ar, e Ana apertou com toda força o crucifixo que pendia de seu pescoço desde o
dia do desmaio. O casarão exercia sobre ela a mesma atração estranha de dias
antes, e era como se ela ouvisse sussurros no ar, que lhe diziam
insistentemente: entre! Entre!
Ana engoliu em seco e correu os olhos pela fachada. Na extremidade
da lateral da casa, havia um portão de metal que dava para um corredor, que
parecia conduzir ao quintal nos fundos da construção. Sem pensar muito, Ana
estendeu a mão e tocou o metal gelado do portão, que cedeu ao seu toque,
abrindo-se com um rangido estridente.
O portão revelou uma estreita passagem tomada pelo mato. Com muita
dificuldade, conseguiu abrir caminho entre a vegetação, que crescia selvagem,
impondo um obstáculo que teria sido suficiente para coibir qualquer invasor
menos incauto que a jovem universitária.
Quando chegou ao quintal da casa, Ana teve que cobrir o nariz,
pois emanava de lá o mesmo cheiro ocre que sentira no outro dia. Havia todo
tipo de lixo espalhado por ali: restos de móveis, pedaços de madeira
apodrecendo, uma bicicleta antiga enferrujada, uma pilha de panelas e louças
quebradas, uma montanha de roupas e tecidos imundos. Ana teve certeza de ter
visto uma família de ratos abrigada no interior oco de uma poltrona estragada,
corroída pela chuva e pelo tempo.
Imóvel, observou o ambiente encardido durante alguns instantes, o
estômago embrulhado diante de tanta sujeira. Era um local desagradável, e ela
já estava dando meia volta, decidida a sair dali, quando viu um vulto:
atravessando o quintal, rumo a uma porta que levava ao interior da moradia
abandonada, Ana viu a figura de um homem vestido em trajes militares.
Sentiu seu coração disparar. Parecia ser o mesmo homem que vira
caído no chão alguns dias antes. Um calafrio percorreu toda sua espinha dorsal
e seus dedos ficaram brancos de tanto apertar o pequeno crucifixo dourado.
Apavorada, contemplou o andar fantasmagórico do soldado, e quando este abriu a
porta e entrou no interior escuro do casarão, os pés de Ana, que novamente
pareciam ter assumido vida própria, a fizeram seguir no encalço do fantasma do
jovem militar.
O interior da casa era escuro e úmido, e, lá dentro, o cheiro ocre
tornou-se quase insuportável. Ana não viu nenhum sinal do homem em trajes
militares, mas tinha certeza de que ele entrara na casa. Decidida a
encontrá-lo, começou explorar o inóspito casarão. Uma grossa camada de poeira
cobria o piso de madeira antiga, cujas tábuas rangiam conforme Ana caminhava.
Havia teias de aranha por toda parte e Ana, mal conseguindo enxergar na
penumbra, sacou da bolsa o celular, cuja lanterna acionou.
Revelou-se um cômodo amplo e espaçoso, no qual não havia móveis.
Do teto, pendiam tábuas soltas, que perigavam despencar a qualquer momento. Ana
sabia que corria risco de que a casa desabasse sobre ela, mas não conseguia
conter sua curiosidade. No interior do casarão, o magnetismo sentido por Ana
era ainda mais intenso, e ela sabia que já não havia como voltar atrás.
Uma porta na outra extremidade do aposento chamou sua atenção – parecia estranhamente conservada, ao contrário do resto da casa, que apodrecia a olhos vistos. Era uma pesada porta de madeira com uma maçaneta esférica, adornada com enfeites de metal.
Aterrorizada,
Ana constatou uma luz amarelada, visível pela pequena fresta que separava a
porta e o chão.
Seu coração deu um salto. O que quer que estivesse assombrando
aquela casa, parecia estar ali, atrás daquela pesada porta de madeira. Ana
sentiu que seu corpo não a obedecia mais: suas pernas carregaram-na, contra a
sua vontade, em direção à portada e, quando ela percebeu, seus dedos já se
fechavam sobre a maçaneta metálica, girando-a gentilmente para que revelasse o
interior do misterioso aposento iluminado.
Era como se Ana tivesse viajado no tempo. Diante dela,
apresentou-se uma bonita alcova decorada com antigos móveis de madeira escura e
alumbrada pela luz de dezenas de velas distribuídas pela sala. Na parede à
esquerda de Ana, havia um grande espelho com moldura dourada e ornamentada e,
no outro oposto da sala, uma enorme cama com dossel vermelho.
– Você veio – disse uma
voz serena. Cativada pelo mobiliário e decoração antigos, Ana demorou a se
voltar para a pessoa que falava.
Era uma mulher bonita, de tez negra e lábios grossos. Seus cabelos
crespos estavam presos num coque no topo da cabeça e ela usava um longo e
volumoso vestido azul-escuro. Aproximando-se de Ana, ela lhe dirigiu o mesmo
olhar fantasmagórico de dias antes. Tomada pelo terror, Ana sentia os dedos
doerem de tanto apertar o crucifixo que pendia de seu pescoço. Suas pernas
estavam bambas e não lhe obedeceram quando ela tentou ordenar-lhes que
corressem.
– Não precisa ter medo –
disse a mulher negra, num tom piedoso. – Quando vi você, no outro dia, senti que, ao
contrário dos outros, seu coração é bom e generoso. Talvez você possa me ajudar.
– Que… quem é você? - Foi
só o que Ana conseguiu dizer.
– Meu nome é Rosa de Souza
e vivi nessa casa há mais de 150 anos. – respondeu a fantasma. Eu nasci em 1836 na capital do Império. Sou filha de um casal de
escravos alforriados que, contrariando todas as adversidades, abriu uma
quitanda na Praça do Comércio e prosperou.
Quando cresci, trabalhei como costureira para as
damas da corte do Imperador. Aos 23 anos, eu era considerada a mais talentosa e
hábil em meu ofício. Eu adaptava as modas francesas ao calor do Império e fazia
muito sucesso entre as senhoras de boa família.
Nunca me casei porque eu acreditava que as
uniões deveriam ser por amor, e não por conveniência. Demorei a encontrar meu
par, mas, um dia, vi Marcos no cais do porto. Ele era terno e carinhoso. Em
seus braços, vivi os momentos mais magníficos de minha vida. Durante alguns
anos, fomos muito felizes, nos mudamos para Curitiba para levar uma vida mais
simples que na capital. Aqui, construímos esta casa, disse ela, olhando em seu entorno.
Até que Marcos teve que regressar ao seu país de
origem, o Paraguai, por conta da guerra com o Império, que estourou em 1860.
Fiquei três anos sem ter notícias de meu Marcos. Uma noite, fui despertada por
batidas desesperadas na porta: era ele, ferido. Havia desertado do exército
paraguaio e conseguira retornar para casa, estava muito machucado, e precisei
cuidar de suas feridas.
Por algum tempo, consegui escondê-lo dos
vizinhos. Mas a situação foi ficando insustentável: as pessoas da região
começaram a estranhar a quantidade de unguentos que eu comprava na Botica Central. A saúde de Marcos foi piorando na mesma
medida em que aumentavam as suspeitas contra mim.
Uma noite, a guarda imperial veio até a casa:
havíamos sido delatados. Machucado, Marcos nem conseguiu se esconder quando os
guardas chegaram. Mataram-no na minha frente e, algum tempo depois, fui
executada na forca por acobertar um inimigo do Império.
Desde então, nossas almas não tiveram descanso.
Estamos presos a essa casa, e as pessoas da sua época, disse ela, apontando para Ana,
são frias e indiferentes. Mas não você – no outro dia, pude ver nos seus olhos
compaixão por meu sofrimento. Por isso, trouxe você até aqui – para lhe pedir
ajuda.
Sem perceber, Ana começara a chorar durante o relato da mulher. De
fato, aquelas pessoas tinham sofrido muito em vida; seu coração se encheu de
tristeza pelo casal apaixonado que fora separado por conta da natureza bruta e
cruel do ser humano.
– Como posso lhe ajudar? -
perguntou Ana, sentindo o lábio inferior tremer.
– É muito simples… peço-te apenas que conte nossa história. Se as pessoas souberem da crueldade com que fomos tratados, nossas almas finalmente terão algum descanso – respondeu Rosa, o olhar fantasmagórico agora carregado de gratidão.
***
Ana
alisou, orgulhosa, a capa de seu TCC, relendo pela milésima vez o título da
pesquisa que levara meses – Rosa de Souza e Marcos Hernandez: uma tragédia
de amor curitibana.
Sua graduação em História chegava ao fim e ela havia recebido todos os louros e
homenagens por bom desempenho. Seu TCC, inclusive, fora premiado e estava em
vias de ser publicado como livro.
Num dia ensolarado, Ana caminhava pelas ruas do centro de Curitiba,
quando percebeu que seus pés a levavam por um caminho familiar: os antigos
prédios residenciais intercalados com pequenos comércios denunciavam que ela
estava novamente na Rua Conselheiro Araújo. Tranquila, Ana foi olhando o
movimento da rua- reparou no salão de beleza e na senhora que entrava, levando
pela coleira um cachorrinho; no hotel, onde chegava, apressado, um táxi
alaranjado; no pequeno edifício comercial, do qual saía uma moça carregando um
tapetinho de yoga.
Por fim, Ana olhou para o casarão abandonado. Se antes havia um ar
de inquietação e medo, agora a casa projetava apenas uma paz imperturbável.
Seus lindos traços do século XIX estavam mais evidentes agora que a maldição
fora quebrada.
Ana contemplou a casa por alguns momentos, até que viu, à
distância, uma figura familiar se aproximando. Os óculos de bibliotecária
refletiam a luz do sol, que também repercutia em seus cabelos grisalhos. Era a
médica do Hospital de Clínicas, que também ficava nas redondezas. Contente pelo
reencontro, Ana foi até ela.
– Que bom rever a senhora
– disse Ana. –
Estava mesmo precisando lhe falar. A médica olhou para Ana com um olhar
inquisitivo.
– Agradeço-lhe muito – disse Ana, enfiando uma mão na gola da camiseta que trajava e tirando debaixo do tecido o crucifixo dourado que a médica havia lhe dado. – Mas não vou mais precisar disso.
Devolvendo o
pequeno amuleto à médica, Ana se despediu e continuou subindo a rua, sentindo
no rosto o calor do sol de verão.
CAL - Comissão de Autores Literários
Bruno Olsen
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