| CENA 01 | Continuação do capítulo anterior. Noite. República Universitária Laços de Amizade. Interior. Quarto Maçã. Bruna espera uma resposta de Fabiana que pensa rápido.
FABIANA: (mostrando a folha rapidamente) Isso aqui? Não é nada. É só uma ‘cola’ pra prova de amanhã, amiga.
Fabiana volta a guardar a folha no guarda-roupa antes que sua amiga pedisse pra ver. Bruna não se convence, mas não insiste.
BRUNA: Você sabe que isso é errado, Fabi.
FABIANA: Não tenho escolha, Bruna. Juro que tentei absorver a matéria até agora, mas Antropologia Social é complicado demais pra minha cabeça. Não posso correr o risco de fazer segunda chamada. To exausta. Vou dormir. Vê se não demora pra apagar essa luz.
Fabiana se joga na cama, querendo encerrar o assunto. Bruna puxa conversa.
BRUNA: Eu briguei com o Marcelo. Quer dizer, nós brigamos.
FABIANA: (se escondendo debaixo do edredom) Ai não, Bruna. Agora não, por favor...
BRUNA: (alterada) Por favor, digo eu, Fabiana. Quando você tem problemas com o Luciano, eu to sempre pronta pra te ouvir.
FABIANA: (escondida debaixo do edredom) Tá passando na minha cara, colega?
BRUNA: ‘Cê’ sabe que não.
Fabiana bufa insatisfeita e senta-se na cama, fazendo um gesto para Bruna juntar-se a ela.
FABIANA: Me conta vai.
Bruna desabafa.
BRUNA: Ele disse que tá se sacrificando demais por mim, pelo simples fato de não poder se divertir enquanto eu trabalho. Pode isso? Eu não tenho pai rico, eu preciso desse trabalho. Às vezes o Marcelo é muito imaturo. Sem falar que enquanto eu trabalho na cozinha do bar, ele está lá na pista, livre pra quem quiser chegar.
FABIANA: Mas você sabe que ele não quer ninguém além de você.
BRUNA: E eu não quero ninguém além dele. Mas se ele não tá feliz, acho que nossa relação não tá dando certo.
FABIANA: É amiga... Acho que nós duas estamos na mesma.
BRUNA: Ainda de mal com o Luciano?
FABIANA: (suspira) Sim, ainda. Posso dormir agora?
BRUNA: Sua chata.
Elas sorriem e se abraçam.
| CENA 02 | República Universitária Laços de Amizade. Interior. Quarto Uva. No beliche, Marcelo está na cama de cima admirando o teto, Luciano está na de baixo, com cara de poucos amigos.
LUCIANO: Não to acreditando que tu me acordou pra dizer que teve uma DR com a Bruna.
MARCELO: Ela me disse que precisamos rever nossas prioridades, cara. O que será que ela quis dizer com isso?
LUCIANO: (sonolento) Não sei...
MARCELO: Não é justo comigo, Luciano. Ela só vê o lado dela. Eu tenho que ficar a noite toda plantado numa mesa esperando a Bruna sair do serviço, pow! Eu também quero me divertir... Cê num acha?
LUCIANO: (geme a fala) Hum rum...
MARCELO: Se fosse com você, o que faria nessa situação?
Luciano começa a roncar, dormindo. Marcelo se curva para ver o amigo na cama de baixo, e se frustra ao constatar que ele caiu no sono.
MARCELO: Isso é que é amigo de verdade!
Marcelo joga um travesseiro em Luciano, que não acorda.
| CENA 03 | República Universitária Laços de Amizade. Interior. Quarto Maçã. Luz baixa. Fabiana dorme feito um anjo, enquanto Bruna está com os olhos bem abertos, intrigada com alguma coisa. Ela levanta-se da cama, calça as pantufas, certifica-se de que sua amiga dorme, e vai até o guarda-roupa cautelosamente. Abre-o e procura o papel que Fabiana dizia ser uma cola. Ao encontrar a folha, Bruna se choca.
BRUNA: (aflita) Ela tá grávida...!
| CENA 04 | MÚSICA: “Semente – Armadinho”. Imagens externas da madrugada paulistana. A lua dá lugar ao sol fazendo nascer um novo dia. Exterior. Fachada da República Universitária Laços de Amizade. Interior. Sala principal. Celina e José preparam o café da manhã para os moradores que aos poucos vão surgindo na sala. Valeska já está sentada à mesa, assim como Cláudio e Marcelo. Corta para. Corredor que dá acesso aos quartos. Bruna acabara de sair de seu quarto quando ouve vozes vindas do quarto Uva. Ela se aproxima para ouvir a conversa. Fim da sonoplastia.
LUCIANO (off): Já confirmei sua consulta. De hoje isso não passa, Fabiana.
FABIANA (off): Tô com medo, Luciano.
LUCIANO (off): Pensa que depois disso nós teremos de volta nossa liberdade.
FABIANA (off): Às custas da vida de nosso filho?
Bruna se espanta ao ouvir a última frase de Fabiana, mas logo se recupera saindo imediatamente dali.
| CENA 05 | Hospital Regional. Interior. Quarto de Celso. O médico adentra ao local com uma prancheta na mão.
DR. HUMBERTO: Como está se sentindo, Celso?
CELSO: (aflito) Não sinto minhas pernas, doutor.
DR. HUMBERTO: Tendo em vista a gravidade do acidente, isso é normal. O paciente na maioria dos casos deixa alguma sequela. Mas não se preocupe que com a ajuda da fisioterapia você recuperará os movimentos.
CELSO: (receoso) E se eu nunca mais voltar a andar?
DR. HUMBERTO: Celso, você superou um traumatismo. Não devia ser tão pessimista. Agora é fundamental que não se coloque na condição de vítima. É preciso muita força de vontade de sua parte. Até o mais cético dos homens diria que sua recuperação foi coisa de Deus. Em tantos anos de medicina, eu nunca vi nada igual. Mas é preciso que você colabore, rapaz.
CELSO: Tudo bem, doutor. Se eu fui capaz de superar a morte, o que são algumas sessões de fisioterapia, não é?
DR. HUMBERTO: É assim que se fala!
CELSO: Além do mais, eu preciso fazer isso pela Jaque. Eu sei que ela esteve aqui, doutor. Em todos os momentos. E se eu consegui acordar do coma, certamente devo isso a ela. Foi realmente um milagre que me salvou, o milagre do amor.
O médico se engasga com a própria saliva.
DR. HUMBERTO: Ela é sua namorada?
CELSO: Será assim que eu for capaz de amá-la de verdade.
O médico engole em seco.
DR. HUMBERTO: Felicidades ao casal. O resultado dos exames finais sai mais tarde. Espero ter boas notícias. O pior certamente já passou, Celso. Depois disso começamos as sessões de terapia. Quanto antes, melhor.
CELSO: Obrigado por tudo, doutor Humberto.
DR. HUMBERTO: Não há o que agradecer. Eu amo o que faço. Bem, preciso ver outros pacientes agora.
O médico se retira. Celso solta um sorriso esperançoso.
| CENA 06 | Universidade Campelo Costa. Interior. Estacionamento. Marcelo acaba de parar o carro. Valeska, Vanessa e Cláudio, no banco de trás, saem do automóvel. Ao abrir a porta para sair, Marcelo é impedido por Bruna que estava no carona. Ela segura seu braço.
BRUNA: Preciso contar uma coisa.
MARCELO: (sério) Veio calada o caminho todo. Quer falar o quê agora?
CLÁUDIO: (fora do carro) Vocês não vêm?
MARCELO: Vão à frente. A gente vai logo depois.
Valeska e Vanessa já estavam praticamente na saída do estacionamento. Cláudio sai em seguida. Interior do carro.
MARCELO: Se for sobre ontem...
Bruna o corta.
BRUNA: Mais importante que isso.
MARCELO: (irritado) Qualquer coisa pra você é mais importante que nosso namoro. Já reparou?
Bruna evita a discussão por um bem maior.
BRUNA: A Fabiana tá grávida. Ela pretende tirar o bebê.
MARCELO: (incrédulo) O quê?
BRUNA: Eu vi o exame ontem. E hoje de manhã ouvi o Luciano falando com ela sobre tirar a criança.
MARCELO: Meu Deus.
BRUNA: A gente precisa impedir que eles façam essa loucura.
Marcelo liga o carro novamente, dá a marcha ré e dirige em direção à saída do estacionamento. Passam por Cláudio que ainda saia do local.
CLÁUDIO: Safadinhos...!
| CENA 07 | Universidade Campelo Costa. Exterior. Pátio principal do campus. Vários estudantes transitam pelo ambiente. A câmera dá um close nas irmãs Peduzzi que caminham em direção à entrada do prédio universitário. Vanessa está contida, seu semblante é sério.
VALESKA: Maninha... Tá tudo bem, querida? Você tá esquisita.
VANESSA: Tudo bem.
VALESKA: Ah... Mas me conta. E a noite de ontem? Como foi com o bofe mais velho? Achei que não voltaria pra casa, mas tão grande foi minha surpresa ao chegar e te vê lá dormindo. Quê que foi? O garanhão não era tudo ‘aquilo’ não, é?!
Vanessa fica nitidamente desconfortável e atordoada.
VANESSA: Eu não quero falar sobre isso.
VALESKA: Fala, bobinha. Não pode haver segredos entre irmãs! Me conta tudo. Menos os detalhes sórdidos, claro.
Vanessa perde o controle.
VANESSA: (grita/atordoada) Eu não quero falar sobre isso! Me deixa em paz! Me deixa em paz!
O tom de voz de Vanessa foi tão alto que chamou a atenção dos mais próximos. Ela sai fugida dali. Valeska está passada, põe a mão no peito.
VALESKA: Gente... Quê que deu nessa maluca?!
| CENA 08 | República Universitária Laços de Amizade. Interior. Sala principal. Enquanto José lava a louça do café da manhã, Celina começa a faxina na sala. As tarefas são realizadas ao som ambiente de “Paso doble”. Celina arrisca uns passinhos de dança, vez ou outra. O som da campainha desconcentra a mexicana que vai atendê-la. Ao abrir a porta, close em Janaína.
JANAÍNA: Bom dia.
CELINA: Buenos dias!
JANAÍNA: Você se lembra de mim?
CELINA: Por supuesto! Eres Janaína... La mamá de Brunita, ¿si? [Com certeza. Você é Janaína... A mãe de Bruninha, sim?]
Janaína assente com a cabeça e um sorriso.
CELINA: Entre, por favor. Perdon por la confusión, es que llegaste en la hora de la limpieza. [Desculpa a bagunça, é que você chegou na hora da faxina.]
JANAÍNA: Sem problemas.
Celina fecha a porta e vai até o aparelho de som desligá-lo. Depois vai em direção ao sofá fazendo gesto para Janaína sentar-se. Da cozinha, José fala.
JOSÉ: ¿Quién es, mi amor? [Quem é, meu amor?]
CELINA: Una amiga, mi vida! Bueno... ¿Em qué puedo ayudarte? [Em que posso lhe ajudar?]
JANAÍNA: Na verdade não sei se pode. Mas não tenho a quem recorrer.
CELINA: (curiosa) ¿Qué pasa?
JANAÍNA: Como?
CELINA: (força o Português) O que está acontecendo?
JANAÍNA: Tanta coisa, Celina. A começar pela chegada da Bruna a São Paulo. Você já deve saber o que aconteceu e como ela veio parar aqui. (Celina assente com a cabeça) Depois que ela descobriu meu segredo, eu decidi não mais me submeter às condições de vida que levava e saí da casa do homem que me obrigava a me prostituir. Apareceu outro homem na minha vida, mas este era maravilhoso, e eu me apaixonei... Vivemos um sentimento verdadeiro e intenso até o dia em que ele descobriu que eu fui prostituta, e me expulsou da vida dele. Eu reconheço que errei em omitir meu passado, mas foi por medo de perdê-lo, o que acabou acontecendo do mesmo jeito.
CELINA: Compreendo. Y no tienes que darme explicaciones. [Entendo. E você não tem que me dar explicações.]
JANAÍNA: A verdade é que eu fiquei sem ter onde morar, Celina. Recorri a uma amiga e ela me deu abrigo, mas seus filhos não me aceitaram lá e eu tive que sair. Agora eu realmente não sei a quem recorrer...
CELINA: Díos, que lastima!
JANAÍNA: Eu sei que você não tem nenhuma obrigação comigo, até porque já faz muito pela minha filha e te agradeço por isso. Mas eu não sei mais o que fazer.
CELINA: No te desesperes. Soy capaz de compreender tu sofrimiento y no puedo quedarme ajeno a esto. Además, mi república es como corazón de madre, siempre cabrá uno más! (força o português) Usted puede ficar aqui, Janaína. [Não se desespere. Sou capaz de compreender seu sofrimento e não posso ficar alheio a isso. Além do mais, minha república é como coração de mãe, sempre caberá mais um.]
Janaína abre um largo sorriso.
JANAÍNA: (aliviada) Você jura, Celina?
CELINA: (sorrindo) Por la virgenzita! [Pela Virgenzinha!]
As duas se abraçam felizes, sob o olhar de José que assistia a cena, satisfeito pelo bom coração que tem sua amada.
| CENA 09 | Hospital Regional. Interior. Quarto de Celso. Impaciente, o rapaz torce para receber uma visita e ao ouvir a porta se abrir, se anima, mas logo fecha a cara ao perceber de quem se trata.
CELSO: Veio fazer o quê aqui?
SUZANA: (irônica) Visitar meu filho querido?!
CELSO: Boa tentativa. Mas não me convenceu.
SUZANA: Por que você tem de ser tão ríspido comigo hein garoto? Eu sou sua mãe. Eu larguei minha vida em Floripa só pra saber como você estava. Isso é jeito de me tratar?
CELSO: Bom, veio porque quis. Ninguém te obrigou.
SUZANA: Por que você me odeia?
CELSO: Me diz você...
SUZANA: Eu realmente não sei a resposta.
CELSO: Ah não?! Você sempre foi ausente na minha vida. Tudo e todos estavam acima de mim, eu sempre fiquei em segundo plano. Acha pouco ou quer mais motivos?
SUZANA: Você sempre teve tudo que quis. Nunca te faltou nada.
CELSO: O quê? Uma vida de ilusão? Brinquedos caros e roupas de marca?
SUZANA: E o que mais você queria?
CELSO: Algo mais importante que qualquer presentinho caro. CARINHO DE MÃE! E isso sempre me faltou, dona Suzana.
SUZANA: (desconcertada) Toda mãe ama seus filhos. Mas cada uma à sua maneira!
CELSO: Não me venha com esse papo. Você nunca quis me ter, mãe. Você sempre foi egoísta, só pensava em você. Eu não passava de um estorvo na sua vida, não é?! Você deu graças a Deus quando resolvi vir estudar aqui. E quer saber? Foi a melhor coisa que eu podia ter feito. Vivi muito bem esse tempo todo sem você.
SUZANA: Percebe-se que você está muito bem mesmo sem mim, entrevado nessa cama de hospital.
Celso não tem resposta.
SUZANA: Você só saiu de casa pra me desafiar. Aliás, isso era o que você fazia de melhor: me tirar do sério.
CELSO: Eu só queria sua atenção! Eu só queria que você olhasse pra mim. Que me amasse como toda mãe ama seu filho!
Silêncio momentâneo.
SUZANA: Acho melhor eu ir. Não quero que sua recuperação seja prejudicada por discussões desnecessárias. Eu volto outra hora.
Enquanto Suzana pega sua bolsa e se retira.
CELSO: Não precisa voltar. Eu me virei até hoje muito bem sem você sim. E agora não será diferente.
Suzana se retira.
| CENA 10 | Em algum bairro de classe médio-baixa da grande São Paulo. Fachada de uma casa com aparência velha. Um carro estaciona na calçada. Interior da casa. Sala. O local não aparenta ser um lar de família, mas sim uma sala de espera improvisada de um hospital abandonado. Fabiana e Luciano estão sentados em um sofá mal cuidado. Outras mulheres também estão ali à espera de serem chamadas. Fabiana está visivelmente aflita, Luciano não está menos que ela, mas não deixa transparecer.
FABIANA: Eu to com medo, Luciano.
LUCIANO: Fica tranquila. Vai dá tudo certo.
Uma mulher velha, vestida com uma roupa branca, aparece na sala, vinda de uma espécie de consultório, mas que provavelmente é um quarto de dormir. Ela chama:
MULHER: Fabiana Solimões?
Fabiana troca um olhar desesperado com Luciano. Ele mantém a aparência.
LUCIANO: É ela.
MULHER: Chegou sua vez. Me acompanhe.
FABIANA: Meu Deus...
Luciano segura a mão da namorada e a levanta do sofá conduzindo-a na mesma direção em que a mulher de branco seguia. Neste momento, um barulho de porta se abrindo violentamente assusta todos no local. Marcelo surge no local, seguido de Bruna.
BRUNA: Não faz isso, Fabiana!
Close em Fabiana, assustada e aliviada ao mesmo tempo.
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