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Antologia O Mal que nos Habita - 2x08

Conto de Maya Vendetta
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Sinopse: Ágata, uma alma atormentada pelos sentimentos e amores violentos que experimentou, conta de forma simbólica e metafórica como ascendeu de mera humana para um dos seres mais poderosos do universo: a Morte.

2x08 - As Várias Formas das Morte
de Maya Vendetta

Quem conta esta história, mais que qualquer outra pessoa, é a Morte; que fique dito. Antes de começar, queria deixar claro que todos os meus movimentos, desde que minha racionalidade aflorou, culminaram para que tal fosse meu fim. Àqueles que confiam fielmente no destino, não sei se agradarão minhas palavras; pois, tudo que vejo, planando agora de cima, foram escolhas minhas. Hoje, tomo tais escolhas como parte de meu ser, e não gostaria de ser qualquer outra coisa; nem que me fosse dada a chance de fazer diferente. A diferença entre destino e escolha perpétua é que, no primeiro, entram em seu caminho e te fazem sofrer de propósito apenas para que chegue ao resultado desejado. Já no segundo, as rédeas de meu sofrimento, seja ele qual for, tomo eu. E, se desejo passar por provações vezes e vezes seguidas, é porque sei que jamais daria ao destino esse “gostinho” de entrar no enredo de supetão, agir por si próprio e ainda sair de bom moço, como se fizesse-me um favor; como se soubesse desde o começo o que eu precisava. O resultado de quem sou hoje, não agradeço ao destino. Agradeço a mim mesma. Muito obrigada, Ágata. Muito obrigada por abraçar a Morte.

            Partimos então para meu enredo? Como estou falando de mim mesma, tomei a liberdade de dividir todas as minhas mortes em números e metáforas. Resumir-se em números não as deixam menos dolorosas, dado que foram poucas. Transformá-las em metáforas também pode ser arriscado, mas as tornam palpáveis. Sei bem que há pessoas por aí morrendo muito mais vezes do que eu. Porém, quantas delas tiveram meu final? 

Primeira Morte

            A primeira vez é sempre especial. Além de ser algo completamente novo, que nunca havia provado, ecoou tão profundamente em meu ser que notei, rapidamente, o quão vazia eu era: eu precisava dela. Bateu no limite de minha última célula e voltou, como um estilingue em câmera lenta. Eu o havia conhecido ainda na escola - na selvageria da escola -, e não tardou para que puxasse minha amiga de lado e a confessasse: “Aquele pescoço será meu”. Aqui começa toda a questão de escolha versus destino. Eu o escolhi para mim. Ninguém havia me empurrado até ele, ou insistido para que nos conhecêssemos melhor. Eu simplesmente o escolhi. Até hoje não sei dizer se houve um momento em que me escolheu de volta, mas isso já não importa mais. Se ele permitiu que o destino o fizesse de fantoche, já não é problema meu. Vamos chamá-lo aqui de Matador Um.

Matador Um e eu fazíamos parte do mesmo círculo. Éramos todos aspirantes à arte, e, alguns, realmente são hoje artistas modernos, ou algo do tipo; inclusive, ele foi. Algum momento após minha confissão de interesse, roubei-lhe um beijo. Foi um beijo simples, sem sal; apenas um encostar de bocas. Mesmo assim, eu tinha certeza do que queria. Conforme as semanas foram passando, estávamos cada vez mais conectados, e não houve mentiras em nossa conexão; fora genuína até onde conseguiu ser. Queria-o para sempre - até não querer mais. Ser um estudante próximo da formatura é bastante complicado. Temos a pressão das provas finais, a decisão do que queremos fazer com nossas vidas; e nada disso parecia abalar as estruturas do nosso encanto um pelo outro. Porém, a partir do momento em que eu fui aceita em uma renomada universidade, e ele demorou um pouco mais para conseguir algo bom que coubesse dentro do orçamento da família, pareceu-me que algo virou do avesso. Ele precisava estagiar em uma empresa que pagava mal, enquanto eu podia aproveitar minhas férias. O avesso virou de ponta cabeça, e notei que sua inveja o fez duvidar de sua real importância no mundo, ao mesmo passo em que eu percebi uma tristeza em poder estar numa posição tão mais favorável. Meus privilégios talvez tenham feito com que eu quisesse me colocar em uma situação desagradável, para ser punida. Punida de ser quem sou e estar onde estava.

E assim, nosso doce começou a azedar, vendo que outras pessoas demonstraram interesse em mim. Eu me encontrava em um ambiente cheio de jovens que estudavam segmentos entrelaçados aos meus, possuíam interesses parecidos e que, apesar de ser horrível o dizer, não me passavam essa inóspita sensação de estar sempre devendo algo, ou vivendo algo que eu não merecia de fato. Em minha defesa, nunca me deixei transpassar para nenhum deles, porém  fato que uma faísca se fez presente e eu notei, em poucas semanas, que Matador Um já não era assim tão interessante. Tentei com todas as minhas forças internas manter o rumo que um dia senti, lembrando de nossas conversas mais íntimas e de nossos sonhos; das canções que cantávamos juntos. Infelizmente, não foi o suficiente. E sua constante presença em minha vida, agora irritava. Não porque não o apreciava mais ali, mas porque já não fazia mais falta. O que me fazia falta era poder ser uma jovem mulher novamente, que não escondia sentimentos de pena no lugar de amor por seu companheiro. E que pensamento mais horroroso, a pena.

Disse-lhe então que eu gostaria de encerrar tais pensamentos; deixá-lo, e não recebi uma reação boa. Sabia que seria complicado, mas não fazia ideia de que, sendo tão próximo a mim, fosse capaz de me machucar por prazer.

Por tempos, fui conhecida em nosso antigo círculo como a louca. Como a menina que não soube ter apenas um “homem” e queria terminar para aproveitar outras camas. Camas mais ricas, banhadas a ouro; quanto exagero. Não fora ele, o próprio, que me fez sentir a necessidade de ser um pouco triste para equilibrar as desigualdades do mundo, ao invés de mostrar como poderíamos equilibrar nossas diferenças? Fez-me sentir como um oceano amando uma lagoa salobra, quando poderíamos apenas focar no fato de sermos ambos água. E todas as águas contidas no rio que criamos juntos enquanto nós compartilhávamos em corpo, quebraram a barragem. Num tsunami, morri afogada. Ele havia expurgado todas as minhas gotas de volta para mim, de uma só vez. Aos poucos, meu corpo subiu à superfície e boiou de volta para casa. Todavia, minha casa já não era mais a mesma. Estava debaixo d’água. 

Segunda Morte

Todos sabem que ficar na água por muito tempo acaba gerando rugas pela super hidratação das células. O que não sabem, são as coisas que aprendemos embaixo dela: aprendemos que o ar é superestimado e que nosso pulmão aguenta muito mais tempo num fôlego só do que pensamos; aprendemos que o silêncio se torna muito mais apreciado. Estranhas criaturas acabam sendo nossas amigas, grudando sob a pele. As cicatrizes das pequenas casinhas que fizeram pelos cantos do meu corpo permanecem lá, para sempre lembrar das companhias; miúdas e de alto valor para alguém como eu: deitada no banco de terra de um rio eterno que corria permanentemente para lugar nenhum. Eu não era mais um oceano, como havia sido dito.

            Então, ele me pescou.

            Matador Dois.

            Eu deveria saber, pelas circunstâncias, que retirar um peixe de sua casa por uma argola não seria um bom começo de forma alguma. Mesmo assim, apesar de não estar procurando por aquilo, fui atraída pelas cores reluzentes e abocanhei a chance de estar seca mais uma vez, apenas uma. Outra escolha minha; Era só isso que eu queria, curar as rugas d’água, usar meu ar para proferir algumas palavras, e lembrar do calor do sol.

            Contudo, ele me deu muito mais que o calor do sol. Ele me aqueceu o coração num clarão de fogueira de São João. E mesmo depois de notar que minha pele havia voltado ao normal, não quis mergulhar tão cedo adentro do meu rio de lágrimas, e deitar serena na terra novamente. Acreditei ali, por um instante, que não precisaria nunca mais voltar ao rio. E que, de certa forma, renasci. Não seria mais um oceano, nem um rio, nem um lago. Seria outra forma da natureza, finalmente. Humana.

Nosso amor era quente, como noites de Novembro, e quando chovia, eram chuvas torrenciais. Havia sempre um abismo entre os dois possíveis estados das coisas: ou eu era feliz, ou era extremamente deprimida. Nunca houve um meio termo em nosso tempo juntos. Aproveitamos cada segundo da calmaria, pois sabíamos que, logo, viria uma tempestade.

É fácil confundir intensidade com toxicidade num sentimento, pois os dois começam de maneira muito similar. Primeiro, somos tomados por uma força externa que nos é prazerosa; depois, nossas entranhas se contorcem e, por último, explodimos em êxtase, num alívio. A diferença entre os dois é que, o alívio do segundo pode ser porque antes havia dor em demasia, ao invés de borboletas. Então, é lógico que, eu, em minha inocência e entrega, confundi tudo, e fui intoxicada.

Sabe quando sentimos um calorzinho no peito por conta de alguém que nos empurra para fora de nossa zona de conforto, e de lá voltamos mais fortes e destemidos? Talvez alguns pensem que tais pessoas queiram nosso mal nos forçando a enfrentar demônios, porém na realidade são justamente aqueles que nos permitem estar sempre confortáveis que nos prejudicam. E nos intoxicam. No conforto, criamos uma dependência. Seja de ações, consumações, ou emoções; e estar emocionalmente dependente de alguém permite que exista um trono, mas você é um súdito. Assim, pouco a pouco, vi minha alma se entrelaçando com a de outra pessoa, achando que estava segura. Saí da cama de barro no fundo do meu rio, do meu aconchego e conformismo, para cair nos braços de quem iria mais uma vez, tirar-me a vida. Segui direto para o olho do tornado. E existe maior traição do que ser engolida por um sentir que, da sua parte, é a mais verdadeira das verdades vividas, quando para o outro, não ?

Tive de lutar para me tirar dos destroços que ficaram após o furacão e expurgar o veneno. Havia, vejam, outras pessoas, presas em seus rios, que também abocanharam o colorido e reluzente da isca. Mas não havia amor. Havia ego. Havia números. Não me amar de volta e fingir tão bem foi um ato tão violento que se personificou e se tornou uma personagem importante na história. Tornou-se uma faca. Entrou e saiu de mim cerca de quinhentas e setenta e duas vezes; eu contei.

Morri esfaqueada. Traída? Não. Esfaqueada. 

 Terceira Morte

            Quinhentas e setenta e duas perfurações me deram uma condição rara. Agora eu era uma pessoa “furada”. Nada parava dentro de mim; escapuliam pelos buraquinhos ao longo do corpo. Comida, água, alma, sentimentos. Tudo escorria pelo chão no final do dia, e eu tinha que ir atrás e recolher coisinha por coisinha, na esperança de algo ficar grudado internamente de alguma forma; mas não ficava. Eu precisava deixar curar; deixar cicatrizar. Precisava deixar o tempo agir, mesmo que fosse devagar, quase parando. Levei anos para me sentir um pouco menos à mostra. Aproximadamente mil quatrocentos e sessenta e dois dias. Mil quatrocentos e sessenta e dois dias sem deixar ninguém encostar em mim novamente. Não voltei para o rio. Sabia que ele fora apenas uma forma que encontrei para "pôr-me em conserva”, como um pêssego que espera para ficar adocicado e tornar-se algo mais aceitável ao paladar da maioria. Agora, não tinha mais ideias para tal e realmente achei que nunca mais ficaria “viva” no paladar de alguém. Até que, algo benevolente, e benevolente em exagero, surgiu no horizonte. Algo com gosto para coisas duvidosas; coisas como eu.

            Sou toda cheia de cicatrizes, e as mostro para quem se aproxima. É como um filtro. Elas afastam quem se assusta facilmente, e mantém aqueles que são fortes o suficiente para as encarar todo dia. O Matador Três não pareceu se assustar. Quis ficar.

            Quis ficar é algo muito amplo. Olhando de perto com uma lupa, eu deixei que ficasse. Tinha agora junto a mim duas sombras, duas mortes. Uma delas era a mágoa, e a outra a desconfiança. Será que aguentaria morrer mais uma vez? De qualquer forma, ainda não estava em meu melhor estado e creio que nunca mais voltarei a ser aquela menina despreocupada e decidida. Deixá-lo entrar mesmo sabendo que não era a escolha mais saudável foi, novamente, uma escolha apenas minha.

            Essas pessoas que aparecem em nossa vida do nada, muitas vezes também evaporam do nada. Resta-nos apenas pagar para ver o que acontece.

Ele era como um sol à meia noite. Brilhava. E eu comecei a orbitar ao seu redor, pouco a pouco desejando pousar sobre seu solo mesmo sabendo que derreteria completamente. Uma atração que me levaria, numa certeza, para lugares escuros.

            Ao mesmo passo que éramos conectados por essa estranha sensação magnética e fascínio pelos mistérios um do outro, divergíamos em tantas outras questões. Num primeiro momento, porém, tal fato não se fez tão presente.

            Fui marcada por seu beijo distinto e toques efervescentes. Fui tocada por algo além de sua pele; sua alma. Fui jogada na fogueira para arder em desejo, e apenas isso.

            Queimada. Deixou-me pegar fogo e virar brasa. Então foi embora.

            Deixou-me em carne viva. Todos os meus músculos à mostra. Dolorida e sem conseguir receber um carinho que fosse, pois, em ferida aberta, até carícia machuca. Tão efervescente quanto seus toques, eram suas vontades. 

Três vezes eu morri. Agora eu tinha três sombras da morte: a mágoa, a desconfiança, e a reclusão. Número sagrado; santíssima trindade. Foi o que bastou, creio eu, para que a quarta morte fosse a última: a verdadeira. Digo verdadeira pois essa viria de mim. Verdadeira pois me tiraria deste plano. Eu estava grudada ao solo do meu quarto, enraizando junto ao cimento, puxando toda a água na terra e mofando. Estava juntando forças para finalmente, passar para o outro plano e nunca mais voltar. Clamei por todos os Deuses conhecidos e desconhecidos. Pedi que me levassem e não me deixassem mais “morta” andando pela Terra. Não há coisa pior do que morrer e permanecer viva. Nenhum deles me escutava; eu teria de fazer isso sozinha. Nenhum de meus matadores teve coragem o suficiente para rasgar-me a garganta e fazer a dor passar; não. Eles quiseram que fosse sofrido.

Ali, ao chão, eu tive meu último pensamento humano. Quando levantei e andei até a cozinha, já não era mais inteiramente humana. Quando cortei minhas veias e deixei sangrar até a última gota, com certeza, não era mais um ato humano. Era divino.

Ah, aquela última gota…caiu tão lentamente. Caiu, caiu, e nunca pousou no chão. Parou no tempo. Cessou-se a gravidade. 

“Tenho uma proposta para você.” Escutei ao fundo, ecoando em meus ouvidos, ressoando nas paredes, e voltando de encontro ao meu corpo, envolvendo-me no gélido suspiro do ar se movendo enquanto as palavras eram pronunciadas. “Todos eles merecem sentir o que você sentiu. Todos eles merecem morrer do jeito que te mataram. Não gostaria de se vingar antes de ir embora?”

Olhando para aquela gota de sangue parada no ar, lembrei de minhas metáforas. Todas as minhas mágoas. Toda a minha amargura. Seria certo me vingar? Não fora eu, pois, a pessoa que foi atrás de tudo isso? A dona do meu próprio “destino”? A pessoa que tomou a frente e as rédeas? Não era eu a única que poderia ter culpa nisso tudo?

“Aceite minha proposta, e farei de você a mais poderosa de todas as forças do universo”. Escutei mais alto, e vindo mais de perto que da última vez. 

O que você quer em troca? Sempre há algo em troca. Eu sei bem disso. Disse. 

Você quer tanto morrer, quer tanto ir embora, mas esquece do que te espera do outro lado. 

O que me espera do outro lado? Diga-me! Já que veio, diga-me! Aqui já estava enfurecida. 

Ainda há vida do outro lado. Porém, eu posso te oferecer uma vida regada à morte. Palavra que tanto te agrada. 

Morte não me agrada. É uma palavra curta, grossa, e dolorosa. Porque eu gostaria dela? Não estava entendendo o que me era oferecido. 

Você conta sua história como se tivesse morrido três vezes. No entanto, permanecia viva o tempo todo. Talvez morta nos níveis interiores e limbo de sua carne, mas viva na pele à mostra. Vingue-se comigo, e poderá viver em plenitude, sabendo que nada há de conseguir arrancar teu último suspiro. Nada. Enquanto você, querida, poderá destruir tudo que quiser em um estalar de dedos. Uma atitude à altura de tudo que te fizeram passar, diria. 

Por que está me oferecendo tal posição? Por que eu? Por que não outras pessoas mais adeptas? Eu apenas queria descansar de uma vez. 

Veja bem amor, te observo há todos esses anos enquanto apodrecia por dentro e entendia da morte muito melhor que a Morte em si. Preciso de alguém que entenda o que ela realmente significa. Preciso de alguém que seja a própria Morte, e me substitua por cem anos. 

Substitua? A Morte? Eu não poderia estar conversando com a Morte, poderia? 

Sim, querida. Eu vim pois sua hora ainda não chegou, mas você a forçou. Sou eu sua adorada que há tantos anos joga o nome por aí. Sou quem sou, e quero compartilhar de minha glória com você, pois apenas alguém extremamente corajosa me enfrentaria dessa forma. Aceitaria? 

Por cem anos? E então o que acontece depois? Enlouqueci de vez, pensei. 

Trocamos. E aí então descansa por mais cem anos, da forma que lhe convém. 

            Antes de julgamentos, precisam entender que eu nunca, jamais, teria imaginado que tal situação poderia me ocorrer. Nunca havia pensado em vingança. Sempre engoli minhas lágrimas e nunca as deixei expostas para que soubessem o quanto estava despedaçada. Mostrava minhas cicatrizes, mas lágrima? Nunca. Todavia, ali ouvindo o que Ela tinha a me dizer, notei como fui tola. Notei como fui passiva de deixar perpetuar um ciclo em que apenas uma pessoa se machuca realmente. Eu nunca quis me tornar a vilã da minha própria história. Mas a tentação era um banquete para meu coração faminto e água em abundância para minha sede repentina. Minhas mortes eram metáforas que criei para torná-las mais bonitas de serem contadas e lembradas por mim, mas mentiria se dissesse que não eram, de fato, formas da morte. Ergui então meu braço direito, seco de sangue quase por completo, mas naquela última gota que ainda não havia caído, vi a força necessária para aceitar que me ajudasse a levantar, e, quando de pé, tornei-me algo novo. Fechei os olhos forçosamente por sombras e ventanias negras que tomaram conta do ambiente e, quando cessaram e pude enxergar novamente, o vi. Matador Um.

            Deitado em uma banheira enquanto desfrutava de um banho acolhedor de espuma e sais de banho; sua companheira dormindo na cama. Eis que ouço, “afogue-o”. E assim se fez.

            Névoa negra. Ventos fortes. E de repente, Matador Dois se faz visível. Cozinhando um cheiroso jantar para sua linda noiva; “grande pedra em seu dedo anelar”, pensei, “será que tem algum sentimento real ali”? E então, pairando em minha mente veio: "esfaqueia-o”. E assim se fez.

Repetiu-se da mesma forma, e Matador Três estava lá, como o Leão que era, cuidando de seu corpo, na sauna quente de um Spa caro.

“Queime-o”. Soprava uma voz. E assim se fez. 

No dia seguinte, quatro notícias circulavam pelo mundo. O jovem acidentalmente afogado na banheira. O jovem que escorregou e caiu sobre a faca de cozinha. O jovem que ficou preso na sauna desregulada. E a jovem que tirou a própria vida.

Tudo mentira. 

Planando agora de cima, não gostaria de ser qualquer outra coisa; nem que me fosse dada a chance de fazer diferente. Ganhei asas, ganhei joias. Uma nova casa e companhias fiéis. Ganhei tudo que me fora negado, e vivo na Morte uma plenitude viva jamais alcançável se não a fosse. Onde moro, onde como, onde durmo, são coisas que ser humano nenhum poderia saber. É um segredo pleno e eterno, de onipresença e onisciência que tantos céticos por aí deixariam o queixo cair ao chão. Não sei bem que ano é para você que lê. Não sei se serei eu ou outra Morte que te buscará quando chegar teu momento. Mas saiba, querido meu que sentou e leu minha história: minha vingança foi feita, e você junto com todos os outros são apenas ócios do ofício.

            Não é engraçado que, agora, a única coisa que poderia de fato, me matar e me anaquilar do universo, sou eu mesma? Em todas as suas formas, creio que esta seja, a mais bela de todas as formas da Morte: aquela em que apenas nós mesmos somos capazes de nos anular.

Conto escrito por
Maya Vendetta

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima
Francisco Caetano
Gisela Lopes Peçanha
Lígia Diniz Donega
Mercia Viana
Pedro Panhoca
Rossidê Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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