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Antologia Romance à Vista: 2x03

Conto de Waldir Capucci
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Sinopse: O martírio dos adolescentes que querem experimentar o primeiro beijo para dar satisfação aos amigos é o fio condutor de "Coisas de Adolescentes", um texto com humor e muita pertinácia comum ao mundo adolescente. Venha vibrar, rir e torcer por João Pedro e Carol.

Coisas de Adolescentes
de Waldir Capucci

PARTE I – João Pedro e Carol           

           Na escola, com o passar do tempo e motivos meio semelhantes eles se tornaram os alvos prediletos de comentários e gozações contínuas pelos colegas. Não havia quem não os conhecesse e lhes fizessem troças. Tinham suas peculiaridades, e estas é que motivavam as provocações, atitudes típicas de adolescentes quando alcançam a puberdade, período de modificações profundas no corpo em processo de preparo para a vida adulta.

João Pedro, na plenitude dos seus quinze anos, era um garoto exemplar em todos os sentidos. Sem possuir vícios, religioso, estudioso, respeitador e obediente, sempre fora admirado e merecedor de elogios dos pais e vizinhos, também dos professores pelo fato de ser excelente aluno e referência pelo comportamento em classe e notas que obtinha nas provas. Tantas qualidades não bastavam para neutralizar as gozações.

Querem saber o motivo principal das chalaças? Vou lhes contar.

Era chamado pelo jocoso apelido “boca virgem” em razão dos seus lábios ainda imaculados, ou seja, nunca haviam provado o sabor de um beijo. As troças a que era submetido o deixavam, além de enraivecido, com uma necessidade extrema em dar fim o quanto antes ao infortúnio que a situação lhe causava. Precisava e queria cessar urgentemente as provocações, mas estava ficando cada vez mais difícil enxergar qualquer luz no fim do túnel em que trafegavam seus sentimentos. 

As meninas o evitavam para não se tornarem também motivo de pilhérias, nenhuma delas queira ser conhecida como aquela que tirou a virgindade dos lábios de João Pedro. Para piorar existia outro agravante, esse de responsabilidade exclusiva dele. O jovem já se interessara por garotas, mas o bloqueio pelo excesso de timidez o impedira de se declarar a quaisquer delas.

 Não é que lhe faltassem predicados físicos para “conquistar uma conquista”, muito ao contrário:, era bonito, bem apessoado, destacava-se nas competições esportivas e até causava inveja nos colegas, mas a timidez que o fazia virar o rosto quando alguma garota lhe dirigia o olhar suscitava comentários até maldosos por parte dos companheiros do universo estudantil.

Carol, nossa outra personagem, assim como João Pedro, era recatada e excessivamente tímida, sempre com aspecto merencório. Não possuía atrativos físicos, vestia-se de forma desleixada com as roupas nunca combinando, os cabelos permanentemente presos pela mesma tiara, suas conversas em rodas de estudantes versavam sobre o que acontecera nos capítulos das novelas que assistia assiduamente. Aluna mediana, sem notas exemplares, era apenas uma mocinha sempre a excogitar que um príncipe encantado viesse beijá-la e quebrasse o encanto; quem sabe a levando para seu castelo e lá viveriam felizes para todo o sempre.

Lógico que almejava um namoro, queria viver um romance arrebatador como aqueles que via nas telenovelas e séries, principalmente se o parceiro fosse João Pedro, por quem há muito seus olhares e suspiros apaixonados eram dirigidos, sem reciprocidade. Assim como o pretendido, ela também era uma “boca virgem”, mas o aparelho ortodôntico do qual fazia uso tornara-se um agravante para que os lábios fossem desvirginados. Ele a deixava menos atraente do que já era e suscitava novas zombarias.

Um caso perdido? De forma alguma, como diz o ditado popular: “cada tacho encontra sua tampa”, a história dela iria mudar para melhor, mas nenhum príncipe a buscaria. Esperem que aos poucos saberão como tudo aconteceu.

 

Parte II – O plano infalível

Na vizinhança de João Pedro existiam meninas atraentes, mas se beijasse uma delas não haveria como provar aos gozadores que seu martírio terminara. Precisava que fosse um fato com testemunhas, de preferência com alguma colega da escola, afinal, era naquele ambiente que as provocações aconteciam. E João Pedro tomou uma atitude para acabar de vez com a facécia sobre sua pessoa; ele iria quebrar de vez o encanto – ou seria maldição? - dos lábios virgens. Acompanhem o plano ardiloso que ele fez.

Procurou o auxílio de Vicente, conhecido como o “garanhão da escola”, um menino experiente que já namorara várias garotas e conhecia como ninguém a arte de beijar. Sim, se havia alguém que pudesse ajudá-lo não poderia ser outra pessoa, Vicente era a solução dos seus problemas. Lógico que teve de pagar pelos serviços, e a mesada do mês não foi suficiente para arcar com o custo. Para quitar o valor combinado precisou se desfazer de alguns itens pessoais, vendidos a baixo custo, ou dados ao professor para amortizar o montante que fora combinado entre eles.

Aluno obediente, seguiu as lições recomendadas pelo mestre beijoqueiro empenhando-se arduamente – escondido, é claro – nos treinamentos para seu primeiro beijo. Estranhou o método ensinado, mas na solidão de seu quarto João Pedro remexia a língua em porções de gelatina, bagaços de laranja e pedras de gelo colocadas num copo. Foram algumas semanas de treino, sendo que na última assistiu diversos filmes românticos para pegar o traquejo dos artistas. Sentindo-se pronto para a tarefa obteve o aval do professor para colocar em prática o intenso treinamento ao qual fora submetido.

Carol, por sua vez, sem saber o que se passava, continuava assistindo novelas e séries na esperança de viver um romance com João Pedro; já se imaginava nos braços ao amado, ambos com os corpos reclinados e trocando um beijo cinematográfico. 

A proposta que veio a receber era o que sonhara por tanto tempo, chegou a se beliscar para acreditar que era verdade. Quer saber qual foi? Continue acompanhando nossa história.

 

Parte III – O convite e o escurinho do cinema

João Pedro realmente estava obsedado para dar cabo ao desejo insopitável que tanto lhe torturava. Mas precisava de uma parceira para a quebra do encanto dos lábios virgens, e ninguém mais apropriada que Carol, a colega de classe, canhestra, sem atrativos e, como ele, muito recatada. Sim, Carol, também satirizada pelas colegas pelo fato de nunca ter namorado alguém e, como ele, também uma boca virgem.

O convite foi prontamente aceito pela menina, afinal João Pedro era o príncipe que ela vislumbrava em seus sonhos, impossível desprezar a proposta que recebera. Quis saber detalhes da encenação e não se alegrou quando informada de que dois beijos bastariam para colocar fim a pilhéria dos amigos.

Teve de aceitar que tudo seria uma grande encenação, sem continuidade em namoro ou qualquer coisa parecida. Iriam ao cinema e trocariam os beijos à vista dos colegas de escola, assim estaria livres da praga da boca virgem e teriam paz pelo resto dos anos de estudos.

Ansiosa e desejosa, Carol sugeriu que ensaiassem antes em algum local reservado onde não seriam vistos, mas a proposta foi recusada de imediato pelo garoto. No fundo mesmo ela almejava que tudo se transformasse no romance tão sonhado, mas ele realmente não enxergava nela qualquer predicado que lhe chamasse a atenção, só a convidara por saber que seria a única capaz de aceitar a proposta.

Assim, sem qualquer treinamento, no dia combinado deu-se o encontro para desvirginamento dos lábios do casal no cinema de um shopping. Claro que monitorados à distância pelo professor beijoqueiro e amigos convocados pelo garoto para servirem como testemunhas. Seria tudo normal não fosse a surpresa proporcionada por uma Carol completamente diferente, com aparência louçã. Muito bem maquiada, trajando roupa moderna e sensual, adornada com brincos e pulseiras e os cabelos soltos, sem a ridícula e velha tiara. Estava surpreendentemente bonita e atrativa, nada parecendo com a garota esquisita que convivia com eles no colégio.

Sentaram-se numa fileira quase nos fundos da sala e a timidez atrapalhou um pouco tornando o começo, muito vagaroso. Na primeira meia hora da projeção aconteceu um leve roçar das mãos, depois os dedos se entrelaçaram para, mais tarde, os braços dele cobrirem os ombros da menina e a cabeça dela recostar em seu ombro. Trocaram um selinho quase na metade da película, apenas um leve toque de lábios. Depois as bocas se aproximaram e selaram o primeiro beijo lingual, com puro sabor de chiclete, pipoca e Coca-Cola. Animados, continuaram praticando com sofreguidão. E foi grande a empolgação, especialmente da parte de Carol que resolveu aplicar tudo que vira nas novelas ao longo da vida. 

As testemunhas convidadas ficaram estupefatas, não esperavam que o motivo da convocação fosse uma exibição explícita de beijos com tamanho ardor e voracidade.

            Ao final da sessão, com as luzes acesas caminharam em direção aos amigos e o festejo foi geral. No rosto de ambos as marcas do batom vermelho da moça, rebuscados que estavam os lábios, faces, queixos e até mesmo os narizes. Prova mais que inelutável do fim do ciclo imaculado.

            Um único detalhe chamava a atenção: impossível não perceber um leve inchaço nos lábios antes pueris do garoto. Na falta de prática e na volúpia ardente dos beijos, Carol não conseguiu conter-se e aplicou diversas mordidas no parceiro causando aquela saliência na região perioral do rosto do jovem. 

 

Parte IV – Os dias depois do cinema

No dia seguinte, na escola, estava mais evidente ainda e impossível de não ser notada a tumescência labial de João Pedro. Foi o assunto predominante entre alunos, professores e funcionários.

            A notícia havia se esparramado como um rastilho de pólvora aceso e reboou por todo o colégio. Todos tomaram ciência da novidade. João Pedro conseguira seu objetivo e livrara-se do apelido que tanto o cruciava, mas recebeu no mesmo dia uma nova alcunha da qual certamente levará um bom tempo para que fique livre:; todos passaram a chamá-lo de “beiço inchado”.

            Quanto a Carol, tornou-se a sensação da escola. Fez tanto sucesso que nem quis mais saber de viver um romance com João Pedro. Agora experiente e requisitadíssima, ficou impossível enxergar nela a mesma garota de antes.

Decorridos três meses da sessão de beijos, a antes inexpressiva Carol mantém o novo visual, e totalmente melindrosa faz de conta que se aborrece com o assédio que sofre dos rapazes, quase todos ávidos para provar o sabor e sentir a propalada violência de sua boca. 

Disputadíssima por jovens de várias idades, é vista atualmente com um rapaz que vem buscá-la depois das aulas num carro conversível de luxo, e lhe traz flores e bombons caríssimos. Na verdade, é o quarto romance curto a que ela se entrega, já que a fila de interessados é grande. E quer conhecer um por um, sem pressa, e sem mais nenhum interesse de que seja um príncipe encantado num cavalo branco.

            Quanto aos amigos da escola, ela esnoba o assédio que lhe fazem e diz que ali não existe nenhum garoto digno da sua atenção, classificando-os como imaturos e nada interessantes. As outras garotas, que antes a desprezavam, agora a invejam e o fazem de forma explícita, para divertimento da invejada.

No fundo, todos, meninos e meninas, se deliciam com as picardias estudantis comuns na atual fase de suas vidas. 

Coisas típicas de adolescentes. Quem não guarda saudosas recordações engraçadas dessa época? 


Conto escrito por
Waldir Capucci

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima
Gisela Lopes Peçanha
Pedro Panhoca
Rossidê Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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