Coisas de Adolescentes
de Waldir Capucci
PARTE I – João Pedro e Carol
Na
escola, com o passar do tempo e motivos meio semelhantes eles se tornaram os
alvos prediletos de comentários e gozações contínuas pelos colegas. Não havia
quem não os conhecesse e lhes fizessem troças. Tinham suas peculiaridades, e
estas é que motivavam as provocações, atitudes típicas de adolescentes quando
alcançam a puberdade, período de modificações profundas no corpo em processo de
preparo para a vida adulta.
João Pedro, na plenitude dos seus quinze anos, era um garoto exemplar em
todos os sentidos. Sem possuir vícios, religioso, estudioso, respeitador e
obediente, sempre fora admirado e merecedor de elogios dos pais e vizinhos,
também dos professores pelo fato de ser excelente aluno e referência pelo
comportamento em classe e notas que obtinha nas provas. Tantas qualidades não
bastavam para neutralizar as gozações.
Querem saber o motivo principal das chalaças? Vou lhes contar.
Era chamado pelo jocoso apelido “boca virgem” em razão dos seus lábios
ainda imaculados, ou seja, nunca haviam provado o sabor de um beijo. As troças
a que era submetido o deixavam, além de enraivecido, com uma necessidade
extrema em dar fim o quanto antes ao infortúnio que a situação lhe causava.
Precisava e queria cessar urgentemente as provocações, mas estava ficando cada
vez mais difícil enxergar qualquer luz no fim do túnel em que trafegavam seus
sentimentos.
As meninas o evitavam para não se tornarem também motivo de pilhérias,
nenhuma delas queira ser conhecida como aquela
que tirou a virgindade dos lábios de João Pedro. Para piorar existia outro
agravante, esse de responsabilidade exclusiva dele. O jovem já se interessara
por garotas, mas o bloqueio pelo excesso de timidez o impedira de se declarar a
quaisquer delas.
Não é que lhe faltassem predicados físicos para “conquistar uma conquista”, muito ao
contrário:, era bonito, bem apessoado, destacava-se
nas competições esportivas e até causava inveja nos colegas, mas a timidez que
o fazia virar o rosto quando alguma garota lhe dirigia o olhar suscitava
comentários até maldosos por parte dos companheiros do universo estudantil.
Carol, nossa outra personagem, assim como João Pedro, era recatada e
excessivamente tímida, sempre com aspecto merencório. Não possuía atrativos
físicos, vestia-se de forma desleixada com as roupas nunca combinando, os
cabelos permanentemente presos pela mesma tiara, suas conversas em rodas de
estudantes versavam sobre o que acontecera nos capítulos das novelas que
assistia assiduamente. Aluna mediana, sem notas exemplares, era apenas uma
mocinha sempre a excogitar que um príncipe encantado viesse beijá-la e
quebrasse o encanto; quem sabe a levando para seu castelo e lá viveriam felizes
para todo o sempre.
Lógico que almejava um namoro, queria viver um romance arrebatador como
aqueles que via nas telenovelas e séries, principalmente se o parceiro fosse
João Pedro, por quem há muito seus olhares e suspiros apaixonados eram
dirigidos, sem reciprocidade. Assim como o pretendido, ela também era uma “boca
virgem”, mas o aparelho ortodôntico do qual fazia uso tornara-se um agravante
para que os lábios fossem desvirginados. Ele a deixava menos atraente do que já
era e suscitava novas zombarias.
Um caso perdido? De forma alguma, como diz o ditado popular: “cada tacho
encontra sua tampa”, a história dela iria mudar para melhor, mas nenhum
príncipe a buscaria. Esperem que aos poucos saberão como tudo aconteceu.
Parte II – O plano infalível
Na vizinhança de João Pedro existiam meninas atraentes, mas se beijasse
uma delas não haveria como provar aos gozadores que seu martírio terminara.
Precisava que fosse um fato com testemunhas, de preferência com alguma colega
da escola, afinal, era naquele ambiente que as provocações aconteciam. E João
Pedro tomou uma atitude para acabar de vez com a facécia sobre sua pessoa; ele
iria quebrar de vez o encanto – ou seria maldição? - dos lábios virgens.
Acompanhem o plano ardiloso que ele fez.
Procurou o auxílio de Vicente, conhecido como o “garanhão da escola”, um
menino experiente que já namorara várias garotas e conhecia como ninguém a arte
de beijar. Sim, se havia alguém que pudesse ajudá-lo não poderia ser outra
pessoa, Vicente era a solução dos seus problemas. Lógico que teve de pagar
pelos serviços, e a mesada do mês não foi suficiente para arcar com o custo.
Para quitar o valor combinado precisou se desfazer de alguns itens pessoais,
vendidos a baixo custo, ou dados ao professor para amortizar o montante que
fora combinado entre eles.
Aluno obediente, seguiu as lições recomendadas pelo mestre beijoqueiro
empenhando-se arduamente – escondido, é claro – nos treinamentos para seu
primeiro beijo. Estranhou o método ensinado, mas na solidão de seu quarto João
Pedro remexia a língua em porções de gelatina, bagaços de laranja e pedras de
gelo colocadas num copo. Foram algumas semanas de treino, sendo que na última
assistiu diversos filmes românticos para pegar o traquejo dos artistas.
Sentindo-se pronto para a tarefa obteve o aval do professor para colocar em
prática o intenso treinamento ao qual fora submetido.
Carol, por sua vez, sem saber o que se passava, continuava assistindo
novelas e séries na esperança de viver um romance com João Pedro; já se
imaginava nos braços ao amado, ambos com os corpos reclinados e trocando um
beijo cinematográfico.
A proposta que veio a receber era o que sonhara por tanto tempo, chegou
a se beliscar para acreditar que era verdade. Quer saber qual foi? Continue
acompanhando nossa história.
Parte III – O convite e o escurinho do cinema
João Pedro realmente estava obsedado para dar cabo ao desejo insopitável
que tanto lhe torturava. Mas precisava de uma parceira para a quebra do encanto
dos lábios virgens, e ninguém mais apropriada que Carol, a colega de classe,
canhestra, sem atrativos e, como ele, muito recatada. Sim, Carol, também
satirizada pelas colegas pelo fato de nunca ter namorado alguém e, como ele,
também uma boca virgem.
O convite foi prontamente aceito pela menina, afinal João Pedro era o
príncipe que ela vislumbrava em seus sonhos, impossível desprezar a proposta
que recebera. Quis saber detalhes da encenação e não se alegrou quando
informada de que dois beijos bastariam para colocar fim a pilhéria dos amigos.
Teve de aceitar que tudo seria uma grande encenação, sem continuidade em
namoro ou qualquer coisa parecida. Iriam ao cinema e trocariam os beijos à
vista dos colegas de escola, assim estaria livres da praga da boca virgem e
teriam paz pelo resto dos anos de estudos.
Ansiosa e desejosa, Carol sugeriu que ensaiassem antes em algum local
reservado onde não seriam vistos, mas a proposta foi recusada de imediato pelo
garoto. No fundo mesmo ela almejava que tudo se transformasse no romance tão
sonhado, mas ele realmente não enxergava nela qualquer predicado que lhe
chamasse a atenção, só a convidara por saber que seria a única capaz de aceitar
a proposta.
Assim, sem qualquer treinamento, no dia combinado deu-se o encontro para
desvirginamento dos lábios do casal no cinema de um shopping. Claro que
monitorados à distância pelo professor beijoqueiro e amigos convocados pelo
garoto para servirem como testemunhas. Seria tudo normal não fosse a surpresa
proporcionada por uma Carol completamente diferente, com aparência louçã. Muito
bem maquiada, trajando roupa moderna e sensual, adornada com brincos e
pulseiras e os cabelos soltos, sem a ridícula e velha tiara. Estava
surpreendentemente bonita e atrativa, nada parecendo com a garota esquisita que
convivia com eles no colégio.
Sentaram-se numa fileira quase nos fundos da sala e a timidez atrapalhou
um pouco tornando o começo, muito vagaroso. Na primeira meia hora da projeção
aconteceu um leve roçar das mãos, depois os dedos se entrelaçaram para, mais
tarde, os braços dele cobrirem os ombros da menina e a cabeça dela recostar em
seu ombro. Trocaram um selinho quase na metade da película, apenas um leve
toque de lábios. Depois as bocas se aproximaram e selaram o primeiro beijo
lingual, com puro sabor de chiclete, pipoca e Coca-Cola. Animados, continuaram
praticando com sofreguidão. E foi grande a empolgação, especialmente da parte
de Carol que resolveu aplicar tudo que vira nas novelas ao longo da vida.
As testemunhas convidadas ficaram estupefatas, não esperavam que o
motivo da convocação fosse uma exibição explícita de beijos com tamanho ardor e
voracidade.
Ao final da sessão, com
as luzes acesas caminharam em direção aos amigos e o festejo foi geral. No
rosto de ambos as marcas do batom vermelho da moça, rebuscados que estavam os
lábios, faces, queixos e até mesmo os narizes. Prova mais que inelutável do fim
do ciclo imaculado.
Um único detalhe
chamava a atenção: impossível não perceber um leve inchaço nos lábios antes
pueris do garoto. Na falta de prática e na volúpia ardente dos beijos, Carol
não conseguiu conter-se e aplicou diversas mordidas no parceiro causando aquela
saliência na região perioral do rosto do jovem.
Parte IV – Os dias depois do cinema
No dia seguinte, na escola, estava mais evidente ainda e impossível de
não ser notada a tumescência labial de João Pedro. Foi o assunto predominante
entre alunos, professores e funcionários.
A notícia havia se
esparramado como um rastilho de pólvora aceso e reboou por todo o colégio.
Todos tomaram ciência da novidade. João Pedro conseguira seu objetivo e
livrara-se do apelido que tanto o cruciava, mas
recebeu no mesmo dia uma nova alcunha da qual certamente levará um bom tempo
para que fique livre:; todos passaram a chamá-lo
de “beiço inchado”.
Quanto a Carol,
tornou-se a sensação da escola. Fez tanto sucesso que nem quis mais saber de
viver um romance com João Pedro. Agora experiente e requisitadíssima, ficou
impossível enxergar nela a mesma garota de antes.
Decorridos três meses da sessão de beijos, a antes inexpressiva Carol
mantém o novo visual, e totalmente melindrosa faz de conta que se aborrece com o
assédio que sofre dos rapazes, quase todos ávidos para provar o sabor e sentir
a propalada violência de sua boca.
Disputadíssima por jovens de várias idades, é vista atualmente com um
rapaz que vem buscá-la depois das aulas num carro conversível de luxo, e lhe
traz flores e bombons caríssimos. Na verdade, é o quarto romance curto a que
ela se entrega, já que a fila de interessados é grande. E quer conhecer um por
um, sem pressa, e sem mais nenhum interesse de que seja um príncipe encantado
num cavalo branco.
Quanto aos amigos da
escola, ela esnoba o assédio que lhe fazem e diz que ali não existe nenhum
garoto digno da sua atenção, classificando-os
como imaturos e nada interessantes. As outras garotas, que antes a desprezavam, agora a invejam e o fazem de
forma explícita, para divertimento da invejada.
No fundo, todos, meninos e meninas, se deliciam com as picardias
estudantis comuns na atual fase de suas vidas.
Coisas típicas de adolescentes. Quem não guarda saudosas recordações
engraçadas dessa época?
CAL - Comissão de Autores Literários
Bruno Olsen
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
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