Afrodite Moderna
de Edih Longo
O
caminho feito pelo navio parecia desenho de criança. O azul profundo era
singrado pelas linhas tortas em branco. A gaivota se aproximou e colheu o
pequeno pedaço de pão que ela jogou. Quem sabe não seria Pala Athenas e aquele
mar era o chafariz de suas lágrimas ao qual deram o nome de Egeu? Pode ter
brigado outra vez com Poseidon. Via
rugas em sua testa.
Ela
se voltou e ele desviou o olhar. Ela o fixou. Ele ficou cabisbaixo. Era tímido
e aquela viagem era um sonho de muito trabalho. Voltou o olhar para o livro que
fingia ler. Procurou a figura da deusa da guerra, mas aquela mulher não tinha
nada de guerreira. Tinha o rosto doce como uma criança. E meigo. E lindo. À
noite, estava sentada à mesa com um homem.
Sentiu
um peso no peito! Ela ria para ele. Ele acariciava a sua mão. Sentiu ciúmes. Em
apenas dois dias, aquele homem já a conquistara! Sentiu-se o maior dos
incompetentes. Sentou-se o mais distante possível para observá-los como se
fossem dois animais em exposição. Como ele era ridículo com aquele levantar de
sobrancelhas à lá “Clark Gable”!
Definitivamente,
ridículo. Ela, bem... Indefinível! Algo tão lindo, mas indecente pelo que causa
à respiração de qualquer observador. Ninguém devia ser tão belo assim! Olhos de
cor âmbar, sobrancelhas espessas, dentes branquíssimos como as ruas e as casas
pintadas de Mikonos. Ficou perdido
entre a análise e a imaginação de saber o que faria com aquele monumento. Ela
não tinha nada para consertar.
Ainda
bem que fôlegos são recuperáveis! Que pensamento medíocre diante de uma deusa
grega! Assustou-se quando sentiu uma pressão no ombro. O perfume inundou seu
peito como uma enchente em uma chuva de verão que derruba tudo, invade e alaga
casas de pobres mortais, mas deixa um cheiro bom de terra molhada. Ela sentou.
Ele gaguejou.
—Tudo
bem?
—Tudo.
Por que não me paga um drinque ao invés de fazer uma autópsia de mim?
—Não
pensei que tivesse percebido.
—Não
poderia deixar de perceber, tantas foram as vezes que me senti nua.
—Não
quis ofendê-la. Onde está seu companheiro?
—Companheiro?!
Estou viajando sozinha.
—Agora
a pouco estava acompanhada de um homem.
—Estou
viajando sozinha. Se está se referindo ao rapaz que me entregou um papiro, ele
é o Hermes que trouxe um convite de meus avós.
Não
quis insistir, mas tinha certeza que estava acompanhada de alguém mais íntimo
do que um Hermes — o mensageiro —, mesmo porque, pelo menos no livro que está
lendo, ele teria um capacete com asas e asinhas nos pés. O céu estava bordado
de estrelas, pensou, rindo de sua definição tão vulgar. Só pensava no pseudo
Clark. Nessa situação, o que será que diria?
—Então,
o que faz?
—Sou
médico. E você?
—Agora
entendo a perspicaz observação. Sou uma deusa. A do amor: Afrodite. Está vendo
aquela espuminha que aparece entre as ondas quando o navio se move ou quando
morrem afogadas pela areia da praia? Segundo a lenda, Hesíodo conta que Cronos cortou os órgãos genitais de Urano, que era seu pai, e
arremessou-os no mar; e aí eu surgi
da espuma.
Então,
considere-me uma filha de ódio entre pai e filho e não de uma cópula. Homero diz que sou filha de Zeus, o deus dos
deuses e Dione, a deusa das Ninfas. Não dá para ser uma pessoa normal com tal
divergência na minha ancestralidade. Tudo é possível nesse mundo helênico.
—Vamos,
pare de brincar!
—Falo
as línguas universais e, como não sei de onde fui gerada, faço de conta que
meus pais têm várias nacionalidades. Pertenço ao Universo e escrevo a minha
história. Vivo com os avós paternos em Rodes,
a nossa próxima parada. Já esteve em um olival? É uma obra dos deuses, ver que
em terrenos semiáridos nasçam frutos tão deliciosos. Meus avós são fabricantes
do óleo. Quer conhecer este mundo fantástico?
—Sim,
mas qual...
—A
minha profissão? Vivo do amor. Gostei do nome e me dedico a ele de corpo e
alma. Mais corpo do que alma. Sou o que se chama no Brasil: uma garota de
programa, ou mais especificamente, uma puta. Mas, vou avisando que estou de
férias, apesar de sua beleza estonteante. Essa cabeleira, oh céus!
—Nem
passou pela minha cabeça...
—Passou.
Sei reconhecer um cliente.
—Não,
juro que não. Claro que é linda, mas jamais pensaria em ...
—Pagar
para amar?
—E
o homem com que estava, quem é?
—Não
tenho a mínima ideia do que está falando. Só quero um gostoso papo, mesmo
porque em férias, ninguém trabalha.
Ficaram
horas conversando. Claro, que apesar de seu habitat
natural ser bem de acordo com o termo afrodisíaco — o que nos remete ao seu
nome, se esse for verdadeiro —, seria loucura acreditar em sua história que ele
acabara de ler. Era Psicóloga, mas preferia se prostituir. Tinha prazer em
pertencer a muitos homens e ao mesmo tempo não pertencer a nenhum.
Achava
natural a sua opção. Gostava do sexo pelo sexo e pelo dinheiro, mais nada. Confessou que fazia sexo até com mulheres.
Tinha uma cultura fantástica e todo o dinheiro que ganhava, gastava em viagens.
O dinheiro era o seu deus. Ele foi feito para o mercado e, deveria circular de
mão em mão por isso ela o adorava. Adorava tudo o que o dinheiro podia lhe dar.
Luxo, beleza. Confessou ter feito cinco plásticas.
Gargalhando
diante de seu ar perplexo, disse-lhe que só o rosto era dela. O resto, era da
medicina. Conhecia música brasileira como poucos e dedilhava bem o violão que
foi buscar na cabine. A voz era límpida, apesar de fumar um cigarro após o
outro e beber uísque como se fosse água. Era, sem dúvida, um produto inconteste
dos tempos modernos. Sentiu-se atraído ainda mais por ela.
Apesar
de curioso como qualquer viajante de férias, não afirmou se iria ao olival dos
avós quando ela convidou. Não conseguiu dormir. Quando viu, o dia estava
clareando e era hora do café da manhã. O navio atracaria em Rodes onde os turistas fariam um
passeio. Sentia-se vazio, como se algo houvesse lhe escapado do peito. Pensou
até que o dinheiro usado naquela viagem era um desperdício.
Procurou-a
com os olhos e quase gritou quando a viu com o mesmo homem da noite anterior, rindo
e se acariciando. Tentou se aproximar, mas o movimento das pessoas que
procuravam o seu café nas bancadas expostas o impediu de chegar a tempo. Quando
percebeu, a mesa onde ambos estavam era um vazio cheio de interrogações e
dúvidas. Estava com os pensamentos
revoltos e se pudesse, ficaria no navio; mas era norma todos saírem para que a
limpeza geral fosse feita quando atracavam em terra firme e, cabisbaixo, desceu
as escadas. Sentou-se no banco do ônibus indicado pelo guia, estremecendo ao
ouvi-la:
—Então,
o que está achando da viagem? Vai adorar Rodes, apesar de que; cá entre nós,
não conte nada aos historiadores, mas o tal Colosso nunca existiu, sabia?
—Parece
que as coisas aqui são todas lendárias. Onde está o homem?
—De
novo?
—Eu
vi vocês no café da manhã!
—Já
disse que viajo sozinha. Por que então, ele não estaria comigo?
—Ora,
você já chegou ao seu destino.
—Muito
bem, vamos fazer uma coisa. Assim que chegarmos ao centro da cidade, pegamos um
táxi e você conhecerá os meus avós, topa?
—Sério?
Mas, não posso ficar sem o ônibus.
Acabou
indo. Os avós existiam, graças a Zeus! Eram dois simpáticos gregos que recebiam
como ninguém. A casa era de pedra, onde a coisa que mais chamava a atenção era
uma espécie de prensa também de pedra que estava exposta em um pedestal como se
fosse uma estátua em um Museu. O avô se
aproximou.
—
Na antiguidade, as azeitonas eram esmagadas sob os pés. O esmagador usava
sandálias de madeira, ou com pilão e almofariz, usando um rolo de pedra, ou em
prensas. Essa é uma prensa que herdei
dos meus avós. Foi a primeira mecanizada e veio da Turquia. Há séculos usavam
um raio ancorado a uma parede e um peso de pedra para aumentar a pressão e a
eficiência da prensa. Hoje, existem processos modernos de se extrair o azeite como o método de
centrifugação.
—Pensar
que acabei de comprar uma máquina italiana que faz o azeite como se fizéssemos
um bolo em uma batedeira. Você deveria adquirir uma, vovô.
—Mas,
onde teria o prazer de colher as minhas olivas de uma árvore? Ainda é mais
fácil pegá-lo da gôndola de um supermercado, evidente, mas o prazer é
inexistente.
Ela
gargalhou e ele ficou bebendo tanta beleza. Parecia agora fazer parte da lenda
antiga e a imagem de uma colhedora de olivas. Uma mortal como outra qualquer.
—Sabia que a produção
de azeites no Sul de Minas, estado de seu país — que em se plantando,
tudo nasce — desponta como uma das tendências do agronegócio no
estado? A região da Serra da Mantiqueira concentra cento e sessenta produtores
em oitenta cidades, e a atividade impulsiona a economia local. Como a produção
ainda é pequena, os fabricantes vendem para restaurantes e empórios.
Ele estava envergonhado de conhecer tão
pouco sobre o seu país. Reservou a vergonha para pesquisar sobre a fabricação
do azeite no Brasil mais tarde e escondido de todos os olhos inteligentes que
houvesse por perto. Voltou a se concentrar na exploração da casa e de seus
arredores. Foi para o jardim. Afrodite fora providenciar o cardápio do almoço.
Um detalhe que o surpreendeu, seu lado caseiro.
Várias
plantas e flores tornavam a casa mais ainda acolhedora. Um momento pensou ver o homem que a
acompanhara no navio. Foi atrás do rapaz e ele apressou tanto o passo que
parecia fugir dele. Antes de entrar em uma fileira cheia de plantações de
oliveiras, viu que o homem se voltou e correu ziguezagueando entre as árvores.
Voltou para casa e perguntou se poderiam ir aos olivais.
Os
avós se mostraram felizes pelo interesse. No olival, a maioria era de mulheres
com cestos feitos de junco e vime onde depositavam os frutos para serem
encaminhados às fábricas. O casal tinha dois barracões onde em um fabricavam o
azeite cem por cento puro; no outro, fabricavam o azeito tipo único para uso
diário ideal para fritar ou refogar e o azeite orgânico, próprio para pratos
mais leves e saladas.
Ele
tinha mania de anotar tudo em uma caderneta e eles se esmeraram nas
informações. As oliveiras eram velhas árvores com caules retorcidos e também
faziam parte da lenda que os gregos herdaram as técnicas de cultivo da oliveira
dos minoicos e associavam a árvore à força e à vida. A avó de Afrodite
lembra que a oliveira é também citada na Bíblia em várias passagens, tanto a
árvore, como seus frutos.
A
longevidade das oliveiras é muito grande. Ele estava
alucinado em saber o processo da fabricação do azeite e o avô, alargou um
sorriso no rosto bochechudo e o levou para a fábrica maior que ficava um pouco
distante da casa. Lá permaneceram, pelo menos uns vinte minutos. Afrodite,
há muito se dispersara dele e dos avós. Quando se encaminhavam para a fábrica,
ele a viu beijando o homem do navio.
Teve
o intuito de se aproximar, mas o avô já lhe chamava a atenção para um detalhe
de escoamento do azeite. Ele preferiu engolir mais uma vez aquele homem a seco.
Justamente para não enfrentar mais uma negação dela.
Talvez
os avós não soubessem daquela relação. E, seria deselegante que ele, como um
convidado estrangeiro, invadisse assim a intimidade de alguém em sua própria
casa. Sentiu outra vez um vazio e uma tristeza que foram tão visíveis que a
senhora lhe pergunta com doçura se estava acontecendo alguma coisa ou se ele
precisava tomar uma água. O calor era insuportável.
Ele
ficou trancado em sua decepção, ou talvez, em sua interrogação: por que ela
negava tanto a presença daquele homem? A avó mais
falante, mal chegaram perto da casa, chamou-o do lado e disse que não se
preocupasse ou se prendesse muito à neta. Ela fora educada desde pequena para
assumir a forma lendária da deusa Afrodite. Enquanto criança foi instigada pela
mãe, mas esta morreu no parto do segundo filho.
O
pai, um desconhecido, coisa que ao invés de entristecer sua neta, acentuou mais
ainda a pesquisa acerca de sua vinda ao mundo. Passou a acreditar no que
Hesíodo contara e se orgulhava de ter nascido de espuminhas de ondas do mar
Egeu, tornando-se assim, mais um atrativo turístico. Ela terminou de a criar,
mas, a menina então com oito anos de idade já se achava como a própria
Afrodite. Era realmente muito linda.
Quando se tornou adulta começou a estudar de
tudo um pouco: filosofia, psicologia, frequentava aulas de dança e de música.
Mas, a sua maior performance é o estudo de línguas principais faladas no mundo.
Fala com fluência, inglês, francês, italiano, alemão, espanhol, português e anda
praticando o mandarim. Assim, é contratada pelos navios que atracam na Grécia e
serve de intérprete.
É
muito conhecida e todos a adora, o que faz com que aumente nela a vontade de se
passar por Afrodite. Acredita nisso com tanta fé que as pessoas acabam também
acreditando e tudo o que dissermos continuamente, mesmo que seja mentira, acaba
se transformando na maior das verdades. É muito inteligente, mas pratica a
prostituição sem grandes extravagâncias. É, apesar de tudo, discreta em seus
amores.
Uma
vez ficou horas diante de uma imagem de Afrodite, com um corpo escultural e os
cabelos esvoaçantes louros e compridos até a altura das nádegas. Essa imagem é
muito conhecida e aparece em vários livros. Ela não teve dúvida e fez plástica
no corpo inteiro, inclusive foi um cirurgião brasileiro radicado nos Estados
Unidos que a operou, deixando-a exatamente com o corpo da Afrodite lendária.
Por
isso, a avó lhe sugeriu que não se perdesse em considerações sem sentido. A
Afrodite moderna é e sempre será assim, alguém que é uma cópia de um ser
imaginário. O importante é ser feliz e ela é. Não existem mulheres que fazem
plásticas para ficarem parecidas com seus ídolos? Com a boneca Barbie, por
exemplo, outras copiam suas atrizes preferidas, etc.
Ele
estava estupefato com tantas informações esclarecidas sem quaisquer perguntas
de sua parte, mas agora, não via a hora de ir embora daquele mundo ilusório e
nem um centímetro perto de sua vida. Já conhecera os principais lugares como
Atenas, Santorini, Creta, Mikonos e Rodes seria o seu ponto final. Agora
ansiava por voltar para casa, onde tudo é real e palpável.
O
almoço foi servido em uma mesa, também de pedra, no jardim. Ele ficou encantado
ao ver o carinho que ela tinha para com os avós. Seu semblante agora lhe parecia
a estátua de uma deusa mesmo, daquelas que vemos espalhadas pelas inúmeras
relíquias do fantástico mundo grego. Sua tez marmórea acentuava esta imagem.
Sentiu-se um tolo em participar daquela intimidade tão familiar.
Uma
cultura tão secular porque fazia dele um especulador? Parecia um fiscal
analisando um Imposto de Renda duvidoso. Lembrou-se, da Vênus de Milo exposta
no Louvre e que, por causa dela, fez a programação turística para a Grécia, riu
pensando nisso. Resolveu que faria as mais diversas perguntas para enriquecer
seu diário.
—O
que foi? —, indagou Afrodite.
—Estava
apenas me perguntando aonde estariam os braços da Vênus de Milo. Por que a
Vênus está sem os braços naquela solitária estagnação do Museu do Louvre? Será
que é para não abraçar a realidade? Ou outro ser humano?
O
avô a socorre com um sorriso.
—O paradeiro dos braços da Vênus de Milo,
se ainda existem, é um mistério que ninguém conseguiu revelar até hoje. Grande
parte da aura que envolve a escultura é formada pela falta de seus braços, o
que dá à obra um ar de mistério. A existência de alguns buracos e de fragmentos
de metais comprova que os braços da estátua nunca existiram.
—Acredita
mesmo nisso, senhor?
Afrodite
agradece ao avô e o ataca de forma até que um pouco rude.
—Que
importância tem isso para você? Isso se tornou um axioma escultural. Ponto.
Abaixa
a voz quando percebe o olhar de reprovação de sua avó. Torna-se meiga e força
um sorriso brincalhão:
—Quer
saber? Por você, até saio de minhas férias e trabalho de graça.
—Quer
saber? E você não é nem um pouquinho convencida!
—Sou
o que acredito que sou. Qualquer pessoa é aquilo que acredita ser.
—Você
age como se fosse uma mulher de séculos antes de Cristo. Como se fosse a
própria mulher da lenda de Hesíodo ou de Homero. Observei que no navio falava
com italianos, alemães, poloneses e me parecia que todos a entendia.
—Morei
em vários países e tenho facilidade para aprender línguas, e daí?
—Comigo
fala em português do Brasil. Não percebo quaisquer vestígios de sotaque e em
meu país, dependendo da região, temos vários. Qual o segredo?
—Já
disse que assumo a persona que quiser
e crio a história que achar conveniente. Ninguém acreditará no que disser ou
escrever sobre mim. Não passe ridículo! O cara voltou louco? Será a chacota da
sociedade. Deixe de ser convencional e se permita viver.
—E
você deveria deixar de ser tão ousada parando de fazer esse papel lastimável de
cover da Afrodite. Seja mais
convencional e fique entre nós, os mortais. Uma vida não pode ser apenas de
aparência.
Ela
o puxa e diz aos avós que mostrará o interior da casa para ele. Mal entram na
sala, beija-o. Tira a túnica e está nua como aparece nas estátuas. Solta os
cabelos que tem presos por vários lenços e os cachos voam como se fossem as
cobras que ele associa às dos cabelos da Medusa. Ele recua. Ela se sobressalta
com a recusa dele em aceitá-la.
—Não
estou interessado em sexo. Aliás, mesmo que estivesse; jamais faria sexo com
alguém visionário, teria a sensação de estar amando um fantasma.
—Certo,
mereço a ofensa. Não me acha interessante?
—Sou
gay e minha especialidade médica é cirurgia plástica e, como tal; sua beleza
faz parte do meu ofício, daí minha admiração. Na verdade, acho mais
interessante o seu companheiro.
Ela
se veste com evidente raiva e volta ao jardim. Os avós, sem perceber quaisquer
tensões, entregam-lhe uma pulseira de presente — o Komboloi — peça que manejam com habilidade e que serve para
aliviarem a tensão e fugirem do estresse. Toma um último gole de ouzo — a bebida regional — e se
despede. Estava angustiado e também não
queria chegar tarde, pois poderia perder, além do moral, o ônibus.
Mal
chegou ao portão, sofreu uma pancada na cabeça, sentindo-se arrastado para uma
espécie de porão. Pegaram sua pequena mochila onde estavam todos os dólares, os
euros e os documentos. Tudo o que era seu de valor estava ali, pois era
recomendado que não deixassem nada no navio. Percebeu numa fração de segundos
que tinha sido usado como isca.
A
deusa da ganância e da luxúria continuava brincando com seus pensamentos
confusos, mas entendeu tudo. Ela vivia ali mesmo. O navio servia para atrair os
peixes para serem desovados.
Riam
muito, talvez, da facilidade da operação e, antes de fechar os olhos, pode
visualizar a figura do homem que estivera com ela no navio. Ela não sabia nem o
nome dele e parece que isso não tinha a mínima importância. Era um tolo, otário
e um anônimo enganado por uma deusa que chafurdara sua índole em um nome que
era muito respeitado em seu país.
Ele
não passara de mais um turista tolo e ansioso por cumprir suas regras de
viagem. Acordou em um hospital em Atenas. Ao dar o presente depoimento, o policial
o olhava com incredulidade, balançando a cabeça e gargalhando com o colega que
digitava o inusitado caso. Para sua felicidade, os dois eram da embaixada
brasileira e foram convocados para o auxiliar.
—A
danada conseguiu mais uma vez. Termina tudo aí que vou atrás dela para pegar a
nossa parte. Como não notou que era um golpe, rapaz? Vamos fazer o possível
para reaver, pelo menos, o seu passaporte e dinheiro para pegar um táxi. Qual o
nome que consta no seu passaporte mesmo?
—Já
disse: Adônis Ribeiro da Mata.
—Afrodite
e Adônis, que par perfeito! Sabe qual seu problema, rapaz? Ter o nome do único
mortal que a Afrodite da lenda amou. O homem que estava com a Afrodite moderna
também se chama Adônis, são casados e têm três filhos. Depois, Afrodite e
Adônis aqui na Grécia é mais ou menos como João e Maria na cultura ocidental.
Não
acreditou nessa versão dos fatos, mas notou que não adiantaria argumentar.
Sentiu-se envergonhado pela corrupção dos policiais brasileiros. Como diria
Júlio Cesar: até tu, Brutus? Afrodite tinha razão. Encanto abortado. Maldita
hora que mentiu dizendo que era gay. A sua história ficaria como as dos
deuses...Para sempre no imaginário mundo grego, onde tudo parece virar magia.
CAL - Comissão de Autores Literários
Bruno Olsen
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
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