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Antologia Romance à Vista: 2x04

Conto de Edih Longo
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Sinopse: Em um navio com destino à Grécia, um homem se sente hipnotizado pela beleza de uma mulher, que ao observar a evidente admiração dele, ela se aproxima surgindo um pequeno "crush" da parte dele.

Afrodite Moderna
de Edih Longo

O caminho feito pelo navio parecia desenho de criança. O azul profundo era singrado pelas linhas tortas em branco. A gaivota se aproximou e colheu o pequeno pedaço de pão que ela jogou. Quem sabe não seria Pala Athenas e aquele mar era o chafariz de suas lágrimas ao qual deram o nome de Egeu? Pode ter brigado outra vez com Poseidon.  Via rugas em sua testa.

Ela se voltou e ele desviou o olhar. Ela o fixou. Ele ficou cabisbaixo. Era tímido e aquela viagem era um sonho de muito trabalho. Voltou o olhar para o livro que fingia ler. Procurou a figura da deusa da guerra, mas aquela mulher não tinha nada de guerreira. Tinha o rosto doce como uma criança. E meigo. E lindo. À noite, estava sentada à mesa com um homem.

Sentiu um peso no peito! Ela ria para ele. Ele acariciava a sua mão. Sentiu ciúmes. Em apenas dois dias, aquele homem já a conquistara! Sentiu-se o maior dos incompetentes. Sentou-se o mais distante possível para observá-los como se fossem dois animais em exposição. Como ele era ridículo com aquele levantar de sobrancelhas à lá “Clark Gable”!

Definitivamente, ridículo. Ela, bem... Indefinível! Algo tão lindo, mas indecente pelo que causa à respiração de qualquer observador. Ninguém devia ser tão belo assim! Olhos de cor âmbar, sobrancelhas espessas, dentes branquíssimos como as ruas e as casas pintadas de Mikonos. Ficou perdido entre a análise e a imaginação de saber o que faria com aquele monumento. Ela não tinha nada para consertar.

Ainda bem que fôlegos são recuperáveis! Que pensamento medíocre diante de uma deusa grega! Assustou-se quando sentiu uma pressão no ombro. O perfume inundou seu peito como uma enchente em uma chuva de verão que derruba tudo, invade e alaga casas de pobres mortais, mas deixa um cheiro bom de terra molhada. Ela sentou. Ele gaguejou.

—Tudo bem?

—Tudo. Por que não me paga um drinque ao invés de fazer uma autópsia de mim?

—Não pensei que tivesse percebido.

—Não poderia deixar de perceber, tantas foram as vezes que me senti nua.

—Não quis ofendê-la. Onde está seu companheiro?

—Companheiro?! Estou viajando sozinha.

—Agora a pouco estava acompanhada de um homem.

—Estou viajando sozinha. Se está se referindo ao rapaz que me entregou um papiro, ele é o Hermes que trouxe um convite de meus avós.

Não quis insistir, mas tinha certeza que estava acompanhada de alguém mais íntimo do que um Hermes — o mensageiro —, mesmo porque, pelo menos no livro que está lendo, ele teria um capacete com asas e asinhas nos pés. O céu estava bordado de estrelas, pensou, rindo de sua definição tão vulgar. Só pensava no pseudo Clark. Nessa situação, o que será que diria?

—Então, o que faz?

—Sou médico. E você?

—Agora entendo a perspicaz observação. Sou uma deusa. A do amor: Afrodite. Está vendo aquela espuminha que aparece entre as ondas quando o navio se move ou quando morrem afogadas pela areia da praia? Segundo a lenda, Hesíodo conta que Cronos cortou os órgãos genitais de Urano, que era seu pai, e arremessou-os no mar; e aí eu surgi da espuma.

Então, considere-me uma filha de ódio entre pai e filho e não de uma cópula.  Homero diz que sou filha de Zeus, o deus dos deuses e Dione, a deusa das Ninfas. Não dá para ser uma pessoa normal com tal divergência na minha ancestralidade. Tudo é possível nesse mundo helênico.

—Vamos, pare de brincar!

—Falo as línguas universais e, como não sei de onde fui gerada, faço de conta que meus pais têm várias nacionalidades. Pertenço ao Universo e escrevo a minha história. Vivo com os avós paternos em Rodes, a nossa próxima parada. Já esteve em um olival? É uma obra dos deuses, ver que em terrenos semiáridos nasçam frutos tão deliciosos. Meus avós são fabricantes do óleo. Quer conhecer este mundo fantástico?

—Sim, mas qual...

—A minha profissão? Vivo do amor. Gostei do nome e me dedico a ele de corpo e alma. Mais corpo do que alma. Sou o que se chama no Brasil: uma garota de programa, ou mais especificamente, uma puta. Mas, vou avisando que estou de férias, apesar de sua beleza estonteante. Essa cabeleira, oh céus!

—Nem passou pela minha cabeça...

—Passou. Sei reconhecer um cliente.

—Não, juro que não. Claro que é linda, mas jamais pensaria em ...

—Pagar para amar?

—E o homem com que estava, quem é?

—Não tenho a mínima ideia do que está falando. Só quero um gostoso papo, mesmo porque em férias, ninguém trabalha.

Ficaram horas conversando. Claro, que apesar de seu habitat natural ser bem de acordo com o termo afrodisíaco — o que nos remete ao seu nome, se esse for verdadeiro —, seria loucura acreditar em sua história que ele acabara de ler. Era Psicóloga, mas preferia se prostituir. Tinha prazer em pertencer a muitos homens e ao mesmo tempo não pertencer a nenhum.

Achava natural a sua opção. Gostava do sexo pelo sexo e pelo dinheiro, mais nada.  Confessou que fazia sexo até com mulheres. Tinha uma cultura fantástica e todo o dinheiro que ganhava, gastava em viagens. O dinheiro era o seu deus. Ele foi feito para o mercado e, deveria circular de mão em mão por isso ela o adorava. Adorava tudo o que o dinheiro podia lhe dar. Luxo, beleza. Confessou ter feito cinco plásticas.

Gargalhando diante de seu ar perplexo, disse-lhe que só o rosto era dela. O resto, era da medicina. Conhecia música brasileira como poucos e dedilhava bem o violão que foi buscar na cabine. A voz era límpida, apesar de fumar um cigarro após o outro e beber uísque como se fosse água. Era, sem dúvida, um produto inconteste dos tempos modernos. Sentiu-se atraído ainda mais por ela.

Apesar de curioso como qualquer viajante de férias, não afirmou se iria ao olival dos avós quando ela convidou. Não conseguiu dormir. Quando viu, o dia estava clareando e era hora do café da manhã. O navio atracaria em Rodes onde os turistas fariam um passeio. Sentia-se vazio, como se algo houvesse lhe escapado do peito. Pensou até que o dinheiro usado naquela viagem era um desperdício.

Procurou-a com os olhos e quase gritou quando a viu com o mesmo homem da noite anterior, rindo e se acariciando. Tentou se aproximar, mas o movimento das pessoas que procuravam o seu café nas bancadas expostas o impediu de chegar a tempo. Quando percebeu, a mesa onde ambos estavam era um vazio cheio de interrogações e dúvidas.      Estava com os pensamentos revoltos e se pudesse, ficaria no navio; mas era norma todos saírem para que a limpeza geral fosse feita quando atracavam em terra firme e, cabisbaixo, desceu as escadas. Sentou-se no banco do ônibus indicado pelo guia, estremecendo ao ouvi-la:

—Então, o que está achando da viagem? Vai adorar Rodes, apesar de que; cá entre nós, não conte nada aos historiadores, mas o tal Colosso nunca existiu, sabia?

—Parece que as coisas aqui são todas lendárias. Onde está o homem?

—De novo?

—Eu vi vocês no café da manhã!

—Já disse que viajo sozinha. Por que então, ele não estaria comigo?

—Ora, você já chegou ao seu destino.

—Muito bem, vamos fazer uma coisa. Assim que chegarmos ao centro da cidade, pegamos um táxi e você conhecerá os meus avós, topa?

—Sério? Mas, não posso ficar sem o ônibus.

Acabou indo. Os avós existiam, graças a Zeus! Eram dois simpáticos gregos que recebiam como ninguém. A casa era de pedra, onde a coisa que mais chamava a atenção era uma espécie de prensa também de pedra que estava exposta em um pedestal como se fosse uma estátua em um Museu.  O avô se aproximou.

— Na antiguidade, as azeitonas eram esmagadas sob os pés. O esmagador usava sandálias de madeira, ou com pilão e almofariz, usando um rolo de pedra, ou em prensas.  Essa é uma prensa que herdei dos meus avós. Foi a primeira mecanizada e veio da Turquia. Há séculos usavam um raio ancorado a uma parede e um peso de pedra para aumentar a pressão e a eficiência da prensa. Hoje, existem processos modernos de se extrair o azeite como o método de centrifugação.

—Pensar que acabei de comprar uma máquina italiana que faz o azeite como se fizéssemos um bolo em uma batedeira. Você deveria adquirir uma, vovô.

—Mas, onde teria o prazer de colher as minhas olivas de uma árvore? Ainda é mais fácil pegá-lo da gôndola de um supermercado, evidente, mas o prazer é inexistente.

Ela gargalhou e ele ficou bebendo tanta beleza. Parecia agora fazer parte da lenda antiga e a imagem de uma colhedora de olivas. Uma mortal como outra qualquer.

Sabia que a produção de azeites no Sul de Minas, estado de seu país — que em se plantando, tudo nasce — desponta como uma das tendências do agronegócio no estado? A região da Serra da Mantiqueira concentra cento e sessenta produtores em oitenta cidades, e a atividade impulsiona a economia local. Como a produção ainda é pequena, os fabricantes vendem para restaurantes e empórios.

Ele estava envergonhado de conhecer tão pouco sobre o seu país. Reservou a vergonha para pesquisar sobre a fabricação do azeite no Brasil mais tarde e escondido de todos os olhos inteligentes que houvesse por perto. Voltou a se concentrar na exploração da casa e de seus arredores. Foi para o jardim. Afrodite fora providenciar o cardápio do almoço. Um detalhe que o surpreendeu, seu lado caseiro.

Várias plantas e flores tornavam a casa mais ainda acolhedora.  Um momento pensou ver o homem que a acompanhara no navio. Foi atrás do rapaz e ele apressou tanto o passo que parecia fugir dele. Antes de entrar em uma fileira cheia de plantações de oliveiras, viu que o homem se voltou e correu ziguezagueando entre as árvores. Voltou para casa e perguntou se poderiam ir aos olivais.

Os avós se mostraram felizes pelo interesse. No olival, a maioria era de mulheres com cestos feitos de junco e vime onde depositavam os frutos para serem encaminhados às fábricas. O casal tinha dois barracões onde em um fabricavam o azeite cem por cento puro; no outro, fabricavam o azeito tipo único para uso diário ideal para fritar ou refogar e o azeite orgânico, próprio para pratos mais leves e saladas.

Ele tinha mania de anotar tudo em uma caderneta e eles se esmeraram nas informações. As oliveiras eram velhas árvores com caules retorcidos e também faziam parte da lenda que os gregos herdaram as técnicas de cultivo da oliveira dos minoicos e associavam a árvore à força e à vida. A avó de Afrodite lembra que a oliveira é também citada na Bíblia em várias passagens, tanto a árvore, como seus frutos.

A longevidade das oliveiras é muito grande. Ele estava alucinado em saber o processo da fabricação do azeite e o avô, alargou um sorriso no rosto bochechudo e o levou para a fábrica maior que ficava um pouco distante da casa. Lá permaneceram, pelo menos uns vinte minutos. Afrodite, há muito se dispersara dele e dos avós. Quando se encaminhavam para a fábrica, ele a viu beijando o homem do navio.

Teve o intuito de se aproximar, mas o avô já lhe chamava a atenção para um detalhe de escoamento do azeite. Ele preferiu engolir mais uma vez aquele homem a seco. Justamente para não enfrentar mais uma negação dela.

Talvez os avós não soubessem daquela relação. E, seria deselegante que ele, como um convidado estrangeiro, invadisse assim a intimidade de alguém em sua própria casa. Sentiu outra vez um vazio e uma tristeza que foram tão visíveis que a senhora lhe pergunta com doçura se estava acontecendo alguma coisa ou se ele precisava tomar uma água. O calor era insuportável.

Ele ficou trancado em sua decepção, ou talvez, em sua interrogação: por que ela negava tanto a presença daquele homem? A avó mais falante, mal chegaram perto da casa, chamou-o do lado e disse que não se preocupasse ou se prendesse muito à neta. Ela fora educada desde pequena para assumir a forma lendária da deusa Afrodite. Enquanto criança foi instigada pela mãe, mas esta morreu no parto do segundo filho.

O pai, um desconhecido, coisa que ao invés de entristecer sua neta, acentuou mais ainda a pesquisa acerca de sua vinda ao mundo. Passou a acreditar no que Hesíodo contara e se orgulhava de ter nascido de espuminhas de ondas do mar Egeu, tornando-se assim, mais um atrativo turístico. Ela terminou de a criar, mas, a menina então com oito anos de idade já se achava como a própria Afrodite. Era realmente muito linda.

 Quando se tornou adulta começou a estudar de tudo um pouco: filosofia, psicologia, frequentava aulas de dança e de música. Mas, a sua maior performance é o estudo de línguas principais faladas no mundo. Fala com fluência, inglês, francês, italiano, alemão, espanhol, português e anda praticando o mandarim. Assim, é contratada pelos navios que atracam na Grécia e serve de intérprete.

É muito conhecida e todos a adora, o que faz com que aumente nela a vontade de se passar por Afrodite. Acredita nisso com tanta fé que as pessoas acabam também acreditando e tudo o que dissermos continuamente, mesmo que seja mentira, acaba se transformando na maior das verdades. É muito inteligente, mas pratica a prostituição sem grandes extravagâncias. É, apesar de tudo, discreta em seus amores.

Uma vez ficou horas diante de uma imagem de Afrodite, com um corpo escultural e os cabelos esvoaçantes louros e compridos até a altura das nádegas. Essa imagem é muito conhecida e aparece em vários livros. Ela não teve dúvida e fez plástica no corpo inteiro, inclusive foi um cirurgião brasileiro radicado nos Estados Unidos que a operou, deixando-a exatamente com o corpo da Afrodite lendária.

Por isso, a avó lhe sugeriu que não se perdesse em considerações sem sentido. A Afrodite moderna é e sempre será assim, alguém que é uma cópia de um ser imaginário. O importante é ser feliz e ela é. Não existem mulheres que fazem plásticas para ficarem parecidas com seus ídolos? Com a boneca Barbie, por exemplo, outras copiam suas atrizes preferidas, etc.

Ele estava estupefato com tantas informações esclarecidas sem quaisquer perguntas de sua parte, mas agora, não via a hora de ir embora daquele mundo ilusório e nem um centímetro perto de sua vida. Já conhecera os principais lugares como Atenas, Santorini, Creta, Mikonos e Rodes seria o seu ponto final. Agora ansiava por voltar para casa, onde tudo é real e palpável.

O almoço foi servido em uma mesa, também de pedra, no jardim. Ele ficou encantado ao ver o carinho que ela tinha para com os avós. Seu semblante agora lhe parecia a estátua de uma deusa mesmo, daquelas que vemos espalhadas pelas inúmeras relíquias do fantástico mundo grego. Sua tez marmórea acentuava esta imagem. Sentiu-se um tolo em participar daquela intimidade tão familiar.

Uma cultura tão secular porque fazia dele um especulador? Parecia um fiscal analisando um Imposto de Renda duvidoso. Lembrou-se, da Vênus de Milo exposta no Louvre e que, por causa dela, fez a programação turística para a Grécia, riu pensando nisso. Resolveu que faria as mais diversas perguntas para enriquecer seu diário.

—O que foi? —, indagou Afrodite.

—Estava apenas me perguntando aonde estariam os braços da Vênus de Milo. Por que a Vênus está sem os braços naquela solitária estagnação do Museu do Louvre? Será que é para não abraçar a realidade? Ou outro ser humano?

O avô a socorre com um sorriso.

O paradeiro dos braços da Vênus de Milo, se ainda existem, é um mistério que ninguém conseguiu revelar até hoje. Grande parte da aura que envolve a escultura é formada pela falta de seus braços, o que dá à obra um ar de mistério. A existência de alguns buracos e de fragmentos de metais comprova que os braços da estátua nunca existiram.

—Acredita mesmo nisso, senhor?

Afrodite agradece ao avô e o ataca de forma até que um pouco rude.

—Que importância tem isso para você? Isso se tornou um axioma escultural. Ponto.

Abaixa a voz quando percebe o olhar de reprovação de sua avó. Torna-se meiga e força um sorriso brincalhão:

—Quer saber? Por você, até saio de minhas férias e trabalho de graça.

—Quer saber? E você não é nem um pouquinho convencida!

—Sou o que acredito que sou. Qualquer pessoa é aquilo que acredita ser.

—Você age como se fosse uma mulher de séculos antes de Cristo. Como se fosse a própria mulher da lenda de Hesíodo ou de Homero. Observei que no navio falava com italianos, alemães, poloneses e me parecia que todos a entendia.

—Morei em vários países e tenho facilidade para aprender línguas, e daí?

—Comigo fala em português do Brasil. Não percebo quaisquer vestígios de sotaque e em meu país, dependendo da região, temos vários. Qual o segredo?

—Já disse que assumo a persona que quiser e crio a história que achar conveniente. Ninguém acreditará no que disser ou escrever sobre mim. Não passe ridículo! O cara voltou louco? Será a chacota da sociedade. Deixe de ser convencional e se permita viver.

—E você deveria deixar de ser tão ousada parando de fazer esse papel lastimável de cover da Afrodite. Seja mais convencional e fique entre nós, os mortais. Uma vida não pode ser apenas de aparência.

Ela o puxa e diz aos avós que mostrará o interior da casa para ele. Mal entram na sala, beija-o. Tira a túnica e está nua como aparece nas estátuas. Solta os cabelos que tem presos por vários lenços e os cachos voam como se fossem as cobras que ele associa às dos cabelos da Medusa. Ele recua. Ela se sobressalta com a recusa dele em aceitá-la.

—Não estou interessado em sexo. Aliás, mesmo que estivesse; jamais faria sexo com alguém visionário, teria a sensação de estar amando um fantasma.

—Certo, mereço a ofensa. Não me acha interessante?

—Sou gay e minha especialidade médica é cirurgia plástica e, como tal; sua beleza faz parte do meu ofício, daí minha admiração. Na verdade, acho mais interessante o seu  companheiro.

Ela se veste com evidente raiva e volta ao jardim. Os avós, sem perceber quaisquer tensões, entregam-lhe uma pulseira de presente — o Komboloi — peça que manejam com habilidade e que serve para aliviarem a tensão e fugirem do estresse. Toma um último gole de ouzo — a bebida regional — e se despede.  Estava angustiado e também não queria chegar tarde, pois poderia perder, além do moral, o ônibus.

Mal chegou ao portão, sofreu uma pancada na cabeça, sentindo-se arrastado para uma espécie de porão. Pegaram sua pequena mochila onde estavam todos os dólares, os euros e os documentos. Tudo o que era seu de valor estava ali, pois era recomendado que não deixassem nada no navio. Percebeu numa fração de segundos que tinha sido usado como isca.

A deusa da ganância e da luxúria continuava brincando com seus pensamentos confusos, mas entendeu tudo. Ela vivia ali mesmo. O navio servia para atrair os peixes para serem desovados.

Riam muito, talvez, da facilidade da operação e, antes de fechar os olhos, pode visualizar a figura do homem que estivera com ela no navio. Ela não sabia nem o nome dele e parece que isso não tinha a mínima importância. Era um tolo, otário e um anônimo enganado por uma deusa que chafurdara sua índole em um nome que era muito respeitado em seu país. 

Ele não passara de mais um turista tolo e ansioso por cumprir suas regras de viagem. Acordou em um hospital em Atenas. Ao dar o presente depoimento, o policial o olhava com incredulidade, balançando a cabeça e gargalhando com o colega que digitava o inusitado caso. Para sua felicidade, os dois eram da embaixada brasileira e foram convocados para o auxiliar.

—A danada conseguiu mais uma vez. Termina tudo aí que vou atrás dela para pegar a nossa parte. Como não notou que era um golpe, rapaz? Vamos fazer o possível para reaver, pelo menos, o seu passaporte e dinheiro para pegar um táxi. Qual o nome que consta no seu passaporte mesmo?

—Já disse: Adônis Ribeiro da Mata.

—Afrodite e Adônis, que par perfeito! Sabe qual seu problema, rapaz? Ter o nome do único mortal que a Afrodite da lenda amou. O homem que estava com a Afrodite moderna também se chama Adônis, são casados e têm três filhos. Depois, Afrodite e Adônis aqui na Grécia é mais ou menos como João e Maria na cultura ocidental.

Não acreditou nessa versão dos fatos, mas notou que não adiantaria argumentar. Sentiu-se envergonhado pela corrupção dos policiais brasileiros. Como diria Júlio Cesar: até tu, Brutus? Afrodite tinha razão. Encanto abortado. Maldita hora que mentiu dizendo que era gay. A sua história ficaria como as dos deuses...Para sempre no imaginário mundo grego, onde tudo parece virar magia.


Conto escrito por
Edih Longo

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima
Gisela Lopes Peçanha
Pedro Panhoca
Rossidê Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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