| CENA 01| Dia. Condomínio Almirante. Apartamento 210. Interior. Suzana está frente a frente com Cláudio e Igor, este com uniforme da escola e mochila nas costas.
CLÁUDIO: O que você quer? E por que esse cara tá aqui?
IGOR: É. Por que chamou a gente? Eu tive que fugir da escola. Se minha mãe sonha...!
SUZANA: Calma, meninos. Nada vai acontecer. Chamei os dois aqui pra me despedir. Estou voltando pra Florianópolis.
OS DOIS (surpresa): O quê?
SUZANA: Isso mesmo. Agora que meu filho está se recuperando e continua sendo o mesmo quadrado de sempre, não tenho mais o que fazer por aqui. A brincadeira acabou.
IGOR: Mas... (pausa)
CLÁUDIO: E a gente? Como é que a gente fica?
IGOR: Não! Como é que A GENTE fica?!
SUZANA: Como assim?
CLÁUDIO: É que eu pensei que...
SUZANA: Pensou que eu escolheria um dos dois pra levar comigo? (ela ri) Por favor, meninos! Eu já tenho um filho.
IGOR: Você não pode nos dispensar assim depois de tudo que a gente viveu.
CLÁUDIO: É.
SUZANA: Eu nunca prometi nada a nenhum dos dois. Foi só diversão e vocês sabem disso. Não entendo o porquê desse drama todo.
CLÁUDIO: Você é uma sem coração. Isso não se faz!
IGOR (ofendido): Um dia alguém vai fazer o mesmo que você tá fazendo com a gente agora.
SUZANA: Duvido muito, querido. Bem. Era isso que eu tinha pra dizer.
Ela vai até o início do corredor que dá acesso a seu quarto e começa a se despir.
SUZANA: Mas... Pra mostrar pra vocês que eu não sou tão desalmada como pensam, darei a oportunidade dos dois provarem do meu sabor pela última vez.
Igor e Cláudio se entreolham, salientes.
SUZANA: Sempre tive a fantasia de levar dois pra cama!
Eles vão a sua direção. Ela corre para o quarto.
| CENA 02| Condomínio Almirante. Apartamento 209. Cozinha. Interior. A empregada coloca os guardanapos na bandeja. Close nas mãos dela dando um giro 180° na badeja com copos e biscoitos, tirando-a dali pra continuar a limpeza da mesa. Isabel, que estava abrindo a geladeira, não percebe. Ela volta-se para a empregada.
ISABEL: Pronto, criatura?
EMPREGADA: Prontinho, senhora.
ISABEL: Ótimo. Você já está liberada pra ver sua irmã, como me pediu.
EMPREGADA: Obrigada.
Isabel pega a bandeja e se retira da cozinha.
| CENA 03| Hospital. Sala de fisioterapia. Celso está deitado na cama, enquanto doutor Humberto realiza alguns exercícios nas pernas de seu paciente.
DR. HUMBERTO: Que bom que decidiu ampliar as horas de fisioterapia. Apesar de não achar certo que você perca o semestre na faculdade.
CELSO: Eu não vou voltar até conseguir caminhar.
DR. HUMBERTO: Isso é uma bobagem.
CELSO: Pra você pode ser. Não é pra você que aquele bando de mauricinhos e patricinhas vai olhar torto, com pena. Isso me irrita!
DR. HUMBERTO: As pessoas demoram um pouco pra aceitar as deficiências alheias, Celso. Mas, de perto, ninguém é tão normal. Todo mundo tem, de alguma maneira, certo tipo de deficiência.
CELSO: Mas não é todo mundo que tem uma deficiência tão visível.
DR. HUMBERTO: Eu sei muito bem como é ser olhado com diferença. Não esqueça que está falando com um gay.
CELSO: Mas você é muito discreto. Olhando assim, ninguém diz que você é.
Humberto ri.
DR. HUMBERTO: Mas eu sou. E muita gente não aceita o fato. Eu já tive que aguentar muita coisa por isso.
CELSO: Imagino.
DR. HUMBERTO: Mas, tudo bem. Não falemos mais sobre.
CELSO: Não gosta de falar disso?
DR. HUMBERTO: Não é fácil falar disso.
CELSO: E por que comigo é diferente?
DR. HUMBERTO: É que… Bem. Não sei. Eu acho que... (pausa)
CELSO (tom de brincadeira): Não vai me dizer que tá a fim de mim?!
O médico empalidece e gagueja.
DR. HUMBERTO: Eu...
Celso percebe que falou demais.
CELSO: Doutor, me desculpe. Eu tava brincando...
DR. HUMBERTO (sério): Brincadeira ou não, o que você disse é verdade. E é mais do que uma simples atração, Celso. Eu gosto de você.
Close na porta do quarto. Jaqueline, que acabara de chegar, ouvira tudo. Celso e Humberto ficam desconcertados ao notarem a presença dela.
| CENA 04| Condomínio Almirante. Apartamento 209. Sala de estar. Interior. Janaína folheia a revista deixada no sofá por Isabel, que chega a sala segurando a bandeja. Ela deixa a bandeja na mesinha de centro e senta-se no sofá.
ISABEL: Aqui está, Janaína. Espero que goste.
JANAÍNA: Não precisava se incomodar.
Janaína fala pegando um dos copos de suco. Isabel faz o mesmo e ingere o suco, deixando menos da metade no copo.
ISABEL: Mas então, como andam as coisas?
JANAÍNA: Tensas. Você não sabe o que tem me acontecido nos últimos dias. Tem alguém tentando me matar.
ISABEL (atônita): Como você descobriu?!
JANAÍNA (desentendida): Oi?!
ISABEL (séria/nervosa): Janaína... Eu sinceramente sinto muito por isso. É... Sei que você fez muito por mim, pela minha família, mas eu não podia correr o risco de... (pausa)
Isabel começa a passar mal, falta-lhe o ar.
JANAÍNA: Isabel, você está bem?!
ISABEL (confusa): Eu... Mas... Como?!
Janaína se desespera.
JANAÍNA: Isabel...! Quê que tá acontecendo?
ISABEL (ofegante): Veneno... Veneno...
Isabel levanta-se do sofá e tenta caminhar, mas cai no chão, tentando respirar. Ela se arrasta num ato de desespero.
ISABEL: Me ajuda...
Ela perde as forças e fecha os olhos. Janaína tenta reanimar Isabel, sem sucesso. Se desespera.
JANAÍNA (gritando): Meu Deus... Socorro! Socorro! Alguém...!
Igor, Cláudio e Suzana invadem o apartamento vizinho, assustados com os gritos. Ao ver Isabel no chão, Igor se desespera.
IGOR: Mãe?! Mãe!!! Acorda... O que você fez com ela?
Cláudio olha Janaína, sem entender.
SUZANA: Vou chamar uma ambulância.
| CENA 05| Hospital. Sala de fisioterapia. Humberto está visivelmente envergonhado ao perceber que Jaqueline ouviu sua declaração. Ela continua parada na porta, sem saber o que dizer.
DR. HUMBERTO: Jaqueline... Eu... Eu não queria que... (pausa)
JAQUELINE: Eu nem sei o que dizer!
CELSO (despistando): Amor, não leve a sério. Ele tava brincando.
O médico encara Celso.
JAQUELINE: Não pareceu brincadeira.
DR. HUMBERTO: Olha... (pausa)
O clima tenso é interrompido pelo toque do celular de Jaqueline. Ela retira o aparelho da bolsa e o coloca no ouvido.
JAQUELINE: Pronto. (pausa/apavorada) O QUÊ?!
| CENA 06| Hospital. Sala de espera. Cláudio está sentado num sofá branco, com as mãos na boca, ao lado de Suzana. Igor se estressa com Janaína, ambos em pé.
IGOR (grita): O que você fez com ela sua assassina? Não foi suficiente acabar com a vida do meu pai? Isso não vai ficar assim, ouviu bem?! Se minha mãe morrer eu acabo com você.
CLÁUDIO: Calma, cara. Isso aqui é um hospital.
IGOR (revoltado): Cala a boca!
SUZANA: O que foi que aconteceu, afinal?
JANAÍNA: Eu não fiz nada, Igor. Por mais que não acredite. Sua mãe tentou me envenenar.
SUZANA (abismada): O quê?
IGOR: Sua mentirosa. Ela não teria motivo algum pra isso! Eu vou te matar...
Igor tenta partir pra cima de Janaína, mas Cláudio o segura. Janaína chora.
JANAÍNA: Ela tomou o suco que era pra mim, Igor. Por algum motivo ela se enganou. Mas há essa hora eu era quem deveria estar na sala de cirurgia.
SUZANA: Meu Deus.
CLÁUDIO: Você tem certeza disso, Janaína?!
Jaqueline surge na sala de espera, desesperada. O médico também aparece na sala.
MÉDICO: Parentes da senhora Isabel Felício, por favor.
JAQUELINE (preocupada): Cadê minha mãe?!
MÉDICO: Sua mãe ingeriu uma quantidade significativa de veneno de rato e acabou de passar por um procedimento de lavagem estomacal de urgência.
Jaqueline olha Janaína com ódio.
JAQUELINE: Foi você, não foi?!
IGOR: Como é que ela tá, doutor?
MÉDICO: A princípio correu tudo bem. Felizmente ela foi trazida a tempo. Mas seu estado ainda é instável e ela precisará ficar em observação por tempo indeterminado. Pediu pra ver os filhos.
| CENA 07| Hospital. Quarto de Isabel. Jaqueline e Igor entram no quarto e se emocionam ao ver mãe fraca e pálida, na cama.
JAQUELINE: Como você ta, mãe?
IGOR: O quê que aquela mulher te fez?
Isabel fala com dificuldade.
ISABEL: A Janaína... Ela não me fez nada, meus filhos. Durante todo esse tempo, ela só me ajudou. Chegou a hora de você saberem da verdade.
JAQUELINE: Do que você ta falando?
ISABEL: A Janaína não matou o pai de vocês.
IGOR: O quê?
Ela respira fundo e começa.
ISABEL: Naquele dia eu tinha bebido demais... Estava sob o efeito do álcool, e a raiva me cegou. Mais uma vez o pai de vocês chegou tarde em casa. Eu já desconfiava que ele tinha outra. Mas, não imaginei que ele seria capaz de me dizer todas aquelas coisas horríveis...
JAQUELINE: Você ta querendo dizer que... (pausa)
ISABEL: Não foi a Janaína quem atirou no pai de vocês. Fui eu.
IGOR: Não pode ser...
ISABEL (chorando): Eu tava fora de mim. Na mesma hora me arrependi, mas já estava feito. O Ernesto estava caído no chão do meu quarto, sangrando, sem vida. A Janaína chegou por acaso e ao ouvir o tiro correu pro quarto. Foi então que implorei pra que ela me ajudasse. E pra que vocês não ficassem desamparados, ela foi capaz de assumir a culpa.
JAQUELINE: Agora tudo faz sentido. Por isso você ajudou a tirá-la de lá. Por isso essa amizade entre vocês que a gente nunca conseguiu entender! Eu já desconfiava que você escondia alguma coisa em relação a morte do meu pai, mas, não imaginava que fosse algo assim! Como você foi capaz, mãe?
IGOR: Durante todo esse tempo a gente crucificou uma inocente.
JAQUELINE (inconformada): Por que nos escondeu isso durante todo esse tempo?
ISABEL: Eu só pensei em vocês, meus filhos. O que seria de vocês dois com a mãe presa?
JAQUELINE: Isso não justifica! Você tinha que pagar pelo seu crime. Coitada daquela mulher, meu Deus! Pagar por um crime que você cometeu e como se não bastasse, ter que ser acusada a vida inteira de assassina!
ISABEL: Me perdoem... Mas eu já estou pagando por isso. Acreditem.
JAQUELINE: Espera... Mas, e essa história do veneno?
ISABEL: Foi uma tentativa desesperada de manter a Janaína calada. (hesitante) Eu ia matá-la.
IGOR (horrorizado): Você é um monstro!
ISABEL: Eu tive medo da reação de vocês quando descobrissem a verdade. E pelo visto tinha motivos. Não me olhem assim! Foi um ato impensado e num momento de desespero... Eu amo vocês e não suportaria conviver seu desprezo.
Jaqueline enxuga as lágrimas com o antebraço.
JAQUELINE: Pois agora vai ter que aprender. Porque a partir de hoje é isso que você vai ter de mim.
Jaqueline sai dali arrasada. Igor olha a mãe mais uma vez, e também sai. Isabel chora desconsoladamente.
| CENA 08| MÚSICA: Semente – Armandinho. Imagens externas da grande São Paulo. O cotidiano turbulento da metrópole. Pessoas caminhando apressadas pelas calçadas do centro da cidade. Carros presos no engarrafamento. Anoitece. Corta.
| CENA 09| Bar Ponto de Encontro. Cozinha. Interior. Janaína, Bruna, Marcelo, Melissa e Chad reunidos no local.
BRUNA: Então quer dizer que a Isabel era a responsável pelos atentados?
JANAÍNA: Ao que parece, sim. E eu pensando que era o cretino do Carlos! Apesar de ter achado muito estranha a visita inesperada da Isabel no Ponto, jamais passaria pela minha cabeça que ela tentaria me matar. Não acredito até agora!
CHAD: Como tem gente ruim nesse mundo.
MELISSA: Sabia. Tenho olho clínico pra essas coisas e nunca fui com a cara dela.
JANAÍNA: Eu ainda to tentando assimilar os fatos, gente. Como pôde depois de tudo que fiz por ela?
MELISSA: Mas bem feito! Teve o que mereceu.
MARCELO: E como ela ta?
JANAÍNA: Bem, o pior já passou. Só espero que ela aprenda alguma coisa com isso. Porque eu aprendi.
CHAD: Se o pior já passou, vamos voltar ao trabalho né. Hoje isso aqui promete bombar!
Chad, Melissa e Janaína vão saindo. Bruna olha Marcelo, sorrindo.
MARCELO: Que foi?
BRUNA: Eu ainda não te agradeci.
MARCELO: Pelo quê?
BRUNA: Por não ter duvidado de mim. Qualquer cara no seu lugar perderia a cabeça. Mas, você, mesmo com toda aquela situação montada pela Valeska, em nenhum momento pensou que eu tava lá por livre e espontânea vontade.
MARCELO: Eu confio plenamente em você.
BRUNA: Hoje comprovei. E te amo ainda mais por isso.
MARCELO: Ama, é? Então demonstra...
Eles riem, salientes. Se beijam. Chad aparece na porta da cozinha e tosse. Eles se afastam.
MARCELO: Foi mal. Já to indo.
| CENA 10| Bairro Santa Felícia. Casa de Carlos. Interior. Sala. Carlos está sentado a pequena mesa de madeira, tomando uma cerveja, olhar fixo na parede, pensativo. Ronaldo entra na casa, sorridente.
RONALDO: E aí, cara!
Carlos não reage. Ronaldo vai em direção a geladeira, abrindo-a e tirando uma cerveja de dentro. Volta pra sala.
RONALDO: Ei, cara! Taí dentro?
Carlos percebe a presença de Ronaldo.
RONALDO: Quê que foi?! Deixa eu adivinhar... Pensando na Jana!
Carlos toma o último gole da cerveja.
CARLOS: Aham. Pensando que já esperei tempo demais pra acabar com essa história.
RONALDO: Tá falando do quê?
CARLOS: Hoje mesmo faço a Janaína voltar pra casa.
Close em Carlos, seu olhar transborda ódio.
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