Vestida de Morte
de JulyanneKim
Cada caminho é capaz de
nos levar para diferentes jornadas, a questão é: como escolhê-lo? Agnes
persistia em busca de uma explicação para o desejo incontrolável que a tomava
em determinadas situações. Sentia medo das respostas que poderia encontrar.
Seus pais deixaram o interior do país para morarem em São Paulo. Diziam que na
cidade tida como grande, talvez encontrassem recursos para compreender as
mudanças que a garota vinha sofrendo desde o começo da adolescência.
Tivera de aprender a se
defender contra os constantes insultos recebidos, apenas pelo fato de ser como
era. Claro, a culpa não era sua se a cada vez que se irritava, desejava
pulverizar todos ao redor da forma mais dolorosa possível. Sentia na ponta dos
dedos uma sensação de ardência, uma urgência em quebrar algo para se acalmar,
antes que sua ira caísse diretamente sobre as pessoas próximas. Com seus olhos bem
fechados, imagens de dor e destruição inundavam sua mente. A voz em sua cabeça dizia que ela teria grandes coisas a fazer
no futuro, que algo grandioso estava em seu
destino, se não lutasse contra ele, caso contrário, ela seria a primeira
vítima.
Quantos em seu lugar se
sentiram subjugados em condições semelhantes? Quantos castigaram a própria
carne na intenção de expulsar seus fantasmas? A garota se recusava a ser mais
uma a viver dessa forma. O que quer que estivesse reservado para si era bem vindo, fosse bom ou mau, que
aprenderia a lidar para transformar as circunstâncias a seu favor. Acreditava
que todos os seres humanos tivessem de viver suas vidas como bem entendessem.
Deveriam ter consciência do certo e errado,
guiar-se por ela, não pelo
impulso. E o que viesse dessas escolhas, deveria ser enfrentado com coragem,
essa que mandaria o medo embora. Todos possuíam
um propósito.
Fora chamada de
"anomalia", um erro genético, um DNA
defeituoso. Assim, acreditavam os médicos que a testaram, retirando vidros e
mais vidros de seu sangue. Relatavam algumas mudanças no código, ela nada
compreendia dessas falas. Por enquanto, a jovem se mostrava contida, perdendo a
calma com raras exceções, ao menos era isso que os pais acreditavam. Seus
rompantes internos, perceptíiveis apenas na alteração de sua voz, era o
suficiente para assustar os que gravitassem ao redor.
Aqueles que possuíam
crenças religiosas, temiam que ela fosse a encarnação do mal, uma espécie de
ser maligno vivendo à espreita da mudança dos tempos, pronta para devorar as
almas dos desavisados. Insistiam em alegar que os olhos de Agnes se tornavam
rubros, um olhar assassino que causava tremores nas pessoas. Temiam mantê-la
próxima a outros da mesma idade, o que quer que existisse dentro dela poderia
ser uma influência negativa para os demais. O mal chama o mal, se assim fosse,
a garota poderia condenar a todos por suas próprias transgressões.
Agnes se via apenas
como uma garota. Os hormônios em ebulição devido à idade, nada mais. Que
falassem e acreditassem no que lhes conviesse, ela era uma jovem de dezoito
anos, não uma aberração. Repetia isso para si feito um mantra para acalmar os
reais pensamentos que rastejavam em sua cabeça. Às vezes, a voz surgia feito
uma cobra espalhando o veneno nas memórias, trazendo desolação, a sensação de
estar só.
Até que um dia, tudo se
revelou de fato uma grande mentira contada para manter a sanidade, afinal, o
medo de ser um monstro lhe devorava as entranhas dia a dia, julgou ser melhor
ignorar. Fez isso o quanto pode, mas algo voraz começou a se intensificar. A
loucura era, na verdade, seu instante de maior lucidez.
Pequenas coisas a
faziam arder em fúria. Um olhar torto era suficiente para imaginar a morte da
pessoa por suas próprias mãos. Desejava ver o sofrimento daqueles que lhe
humilharam, queria rir na cara deles, cheia do prazer que sentiam ao
menosprezá-la.
Em uma noite, a lua
lançava seu brilho sobre as janelas. Fora um dia difícil para Agnes; os colegas
a atormentaram, os vizinhos riram quando caíra na rua. Odiosos, infelizes. O
corpo entrou em convulsão. O céu escureceu. A lua se vestiu em um manto negro,
enquanto a garota sofria uma metamorfose. Estava morrendo. Estava no limbo.
Olhos como esferas
incandescentes se abriram, o momento chegara. A descendente das trevas se
erguera. A adolescente aprisionada no próprio corpo acompanharia impotente a
carnificina planejada pela senhora da morte, que a habitara como uma parasita,
tirando de si não a energia, e sim a
chance de ter um convíivio comum no mundo.
O grito da banshee
rasgou a película da tranquilidade humana, um presságio do que viria; alguns
passaram mal em suas camas, outros enlouqueceram no meio da rua. Acidentes,
chamas e desespero por toda a cidade, essa foi a proporção das tragédias
enviadas pela mulher renascida. Aquela noite, Agnes era uma prisioneira sem
direito a julgamento, veria pelos olhos que um dia lhe pertenceram todo mal que
se ocultara em sua alma. Quisera saber o porquê de ser como era, mesmo que
tentasse fingir não dar importância. Agora tinha a resposta de forma
estarrecedora: uma criatura inumana habitava dentro de seu corpo, com ódio por
tudo e todos, desejosa de levar o caos por onde fosse. Aquele ser tinha sede de
sangue mesmo que fosse para lavar o chão das ruas com ele, aquela seria a noite
aguardada por séculos. O começo do fim.
A voz distorcida abria
um buraco nas almas que a ouviam, comandava-as feito um exército pronto a
enfrentar o suposto inimigo que no fundo eram seus iguais. A pele da mulher
parecia uma couraça impenetrável. Atravessou o vidro da janela após ouvir o
silêncio dos corações dos pais de sua hospedeira; mortos, tão mortos quanto até
poucos minutos estavam vivos.
Do lado de fora, seus
olhos se adaptaram à penumbra para contemplarem a majestosa lua negra, aquela
que lhe entregara a energia para emergir do casulo. Essa lua aparecia todo mês,
ainda assim, apenas de séculos em séculos ela enviava força suficiente para
acordar a rainha banshee. Pela primeira vez em muito tempo, aquele corpo
parecia forte o suficiente para aguentar algumas horas ou dias. Os outros
hospedeiros sucumbiram em menos de trinta minutos, o estrago feito serviu para
aplacar vagamente seu desejo de devastação. Humanos sempre frágeis, criaturas
incompletas, desligadas de seus propósitos terrenos apenas para exigirem na
cômoda mentira que os permeia.
Agora, a figura era
robusta, os cabelos aumentaram de comprimento, as pontas afiadas feito lâminas
que chicoteavam os corpos caídos nas calçadas, o cheiro pungente da dor emanava
no ar, era uma delícia de sentir. Vigor, prazer, tudo isso chegou ao olfato.
Andava devagar, não
seria necessária pressa. A noite estava apenas começando. A cada passo surgia
uma cratera com lava derretida pronta a engolir o asfalto. Carros tinham seus
pneus queimados, em seguida, explodiam por conta da gasolina. Rostos apavorados
surgiam nas janelas, bastaria um grito e todos se contorceriam até a morte.
A cidade era uma
mistura de laranja e vermelho das chamas. Avistou encostada a uma loja de
vidros trincados uma diminuta figura. Apesar da crueldade, odiava ver o
sofrimento dos pequenos. Tomou nos braços aquela criatura, o rostinho manchado
de lágrimas a olhou, cessaram os soluços: – Não tema.
Nessa distração a
banshee não notou os homens que as cercaram: – Solte a criança! Afaste-se, sua
criatura nojenta! – esbravejou um.
– Volte para o abismo
que é seu lugar! – outro tentou atingi-la com uma pedra. A bruxa cobriu a
criança com parte de sua energia para protegê-la. Voltou-se para os homens.
– Repugnantes seres
humanos, escória da sociedade atual. Mortais insignificantes.
– Calada, sua perdida!
Você veio apenas trazer destruição, matar nossas familias e acabar com nossa
paz! – o homem mais velho balançava as mãos fechadas em punhos.
– A podridão os cerca!
Me acusam, enquanto são vocês que matam suas crianças, abusam de suas mulheres
e roubam sem pensar duas vezes. Vivem no olho por olho, quando estão, na
verdade, cegos. – a banshee riu. – Corações emporcalhados de devasidão,
enquanto eu sou a errada. Matá-los é um favor que faço a essa terra! Sofram! –
o grito fez a carne dos homens se rasgarem, a mostra ficaram os músculos. A
mulher estalou os dedos, cães enormes atenderam a seu chamado e começaram a
comer os humanos. Estes gritavam por piedade, coisa que dela não receberiam.
A criança continuava no
mesmo lugar. Agnes se agitou dentro do corpo, não poderia deixar que aquela
mulher ferisse um inocente. Um raio de lembranças girou, ela viu algo
incoerente, não fazia sentido. A banshee novamente recolheu a menina que não
parecia ter medo: – Vamos! Acredito que estará a salvo ao meu lado. Quem sabe
um dia você não se torne como eu. Não será pelo sangue, será pela
criação.
Elas partiram ao amanhecer, a cidade era passado, a luz voltava à claridade antes do amanhecer. A lua negra voltaria e, algum dia, uma nova Banshee. Aquele corpo fora um presente que certamente duraria o suficiente para ensinar tudo que pudesse a criança. Agnes poderia ser livre outra vez, se aprendesse que o mal vai além das noções básicas, está em todos independente de humanos ou não.
CAL - Comissão de Autores Literários
Suspense Music
Intérprete:
Gabriel Andrade Produções
Bruno Olsen
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
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