Histórias da Literatura Forrozeira - Um Mastruz, o Rapazote e a Quarentona
de L'Batista
Naquela cidade
quente, solitário, desci a rua do bairro onde morava numa noite de sábado sem
muito o que ter o que fazer. Uma cidade de um sertão tão acolhedor, um povo que
sabe tratar seu visitante. A ponte exalava um aroma de ar seco, as casas por
onde passava não me dava um “boa noite” a que eu tanto procurava. Cheguei num
centro de cidade pouco movimentada, mas isso devia ao fato de o foco da pândega
ser em outro local tão distante dali. Sem conhecer alguém, me informei sobre o
que um jovem com tão pouca idade conseguiria fazer para não ir, tão cedo,
dormir. Principalmente numa noite de sábado, dos sábados das patuscadas.
— Mastruz com Leite toca no BNB junto com Cebola Ralada.
Avisou-me um
Senhor de muita idade numa das três farmácias da Avenida Principal, sua
experiência no local não me deixou dúvidas da veracidade da informação, já que
pela pouca frequência com que recebia clientes, tratava de divisar o movimento
da bela bulevar da cidade como se a fama de alcoviteiro lhe servisse bem. Não
que eu soubesse dessa patente dele, mas sua dose de firmeza no falar me deu o
ímpeto de procurar a praça da alimentação
—
BNB era o
clube em que, pelas datas dos meses de Abril, todo ano havia uma festa com
bandas de forró conhecidas dos meados dos anos noventa. Mastruz com Leite eu
não vou nem perder linhas em definir, todos sabemos de sua história. Cebola
Ralada é que posso prolongar uns minutos a descrever: com um estilo de forró
bem peculiar, cresceu na onda desse movimento que muito nos agradou nesse
período
Para um jovem
de pouca idade que sabia muito sobre o forró foi como se achar ouro. Uma festa
regrada da maior banda de forró do mundo, oportunidade igual seria difícil de
encontrar. Quão ansiedade foi para o transporte vir, quão foi para entrar nele
quando estacionou no ponto informado. O tanto de festeiros que apareceram foi
surpreendente. Perguntei-me: Donde saiu tanta gente? Estavam escondidos? Lotado
saiu, lotado chegou. Multidão à frente do clube não me fez encabular-se, talvez
agradar-se, mesmo solitário. Escorei-me num muro cujo dava uma visibilidade boa
para a entrada e o movimento que se fazia dos banqueteadores amontoados na
guarita. Um grupo ao lado reclamava do valor da entrada, um garoto mais
— Vou entrar. — Falei em voz alta para mim.
Cebola Ralada já tocava e eu não sabia há quanto tempo, se de uma hora para
outra Mastruz com Leite começar não vou me perdoar de perder os segundos
preciosos de cada música que ela tocava. Era fã. Mas nessa época quem não era?
Sozinho como
estava, comecei a andar pelo meio do povo sem saber o que fazer, a timidez em
situações como essa já despontava e isso era a última coisa que eu queria que
aparecesse. Eu não podia me render a esse tipo de situação e a regra mandava eu
me soltar da melhor forma possível. “Cerveja”. Era a solução e depois de duas
comecei a sentir um rodear de mundo que me fez parar em um local adequado para tentar
chamar alguma garota para dançar e, ao mesmo tempo, ver o show das bandas no
palco. A segunda opção foi a que eu fiz, já que a coragem me faltava para fazer
a primeira. De olhadas para o palco e trombadas de casais que dançavam
No dançar eu
posso me garantir, o problema era esse acanhamento no chamar, não suporto um
toco e saber a garota mais propícia a não receber esse tipo de resposta era o
mais difícil, posso dizer quase impossível. Cebola Ralada começava a cantar seu
hino mais bonito e o que o levou a ser conhecido nacionalmente: “beijo na
boca”. Eu me desesperei, posso afirmar. O quanto essa música era linda posso
dizer de certeza e a vontade que eu tinha de estar abraçado com uma parceira de
forró era grande. Talvez essa minha solidão tenha contribuído nesse acanhamento
em chamar alguma garota para dançar. Minha cabeça rodou por todo lado, um grupo
de moças se remexiam a certa distância, mas um rapaz as olhava bem próximo,
pensei logo que seria namorado de alguma delas. De qual eu não podia adivinhar.
Se fosse da que eu escolheria? A confusão estava feita e, eu, sozinho nessa
noite estaria perdido. Nem Mastruz com Leite assistiria. Deixei as meninas
quietas.
Fui andar um
pouco, estacionei em um lugar que havia uma roda das donzelas noventistas
dançando sozinhas
-Mastruz com
Leite vai começar a tocar. Vamos para próximo do palco. – Falou uma guria a
poucos metros de mim para suas amigas também da mesma idade cujas, eufóricas,
obedeceram ao chamado da primeira.
Perto do bar,
após mais uma cerveja, me inclinei para esse pedido e fui tentar me aproximar
ao máximo do palco. Antes mesmo da mesa de som, desisti da tentativa de furar o
bloqueio que o mar de gente se fazia naquele clube. Em um patamar de um piso
liso fiquei, dali dava para ver todos os artistas do palco, mas eu fiquei na
tentativa difícil de achar uma parceira de forró. A vocalista entoou o seu “Um
tempo pra nós dois”, música do seu mais novo CD, lançado há pouco tempo daquele
dia, angustiando ainda mais o jovem que queria apenas dançar. Rodeei o olhar
nas belas jovens daquela cidade, mas o que eu encontrava eram apenas rostos
decididos a negativar qualquer tentativa minha de convidar-lhes a fazer parte
de suas vidas naquela noite. Jovens belas ou garotas lindas, foi o que percebi,
talvez uma conclusão precipitada bem verdade, todas ali deveriam ter tido
algumas prolongadas horas para preparar sua estética pessoal. Talvez eu est
Essa confiança na dança
não estava me ajudando naquela noite. Possivelmente meu desespero não me
deixava perceber o que acontecia no entorno de minha noite de sábado promissor.
A ânsia de procurar alguma garota de minha idade não me fez perceber as olhadas
de uma mulher um pouco mais vivida do que eu. Trinta e cinco? Quarenta anos?
Não sabia e tampouco importava. A primeira hora em farras como essa a juventude
pode direcionar sua pontaria sedutora para alvos usuais e passar despercebido
aquelas flertadas menos rotineiras. Saber como consegui perceber as flechadas
ardentes direcionadas para mim seria difícil, até mesmo porque isso era algo
incomum no meu dia
Ela dançava ao
lado das suas amigas. E bem, para dizer a verdade. Se dançava para mim, não
sei. Se tentava jogar seus encantos de mulher madura para conquistar-me, quem
sabe. Encarava-me com olhos atraentes os quais penetravam por entre minhas
vistas adentrando meu interior e arrebatando meu peito. O certo era que estava
fazendo efeito, pois não consegui mais parar de fit
Ela? Ah!
Parecia esperar o pedido e tão rápido foi em aceitar como em se achegar ao meu
encontro. Domínio foi atravessar o aperto de gente naquele curto espaço de
festa, mas a mulher chegou a mim com maestria em seus desvios com um sorriso de
canto a canto. Logo catou minha mão esquerda e pôs seu braço em meu ombro,
puxou-me para mais perto e iniciou o dois para lá e dois para cá, cadência
usual de um bom forró. Em meu pensar, uma estranheza nessa atitude tão
decidida. Me jogou de lado, me puxou para o outro em passos curtos, pois o
mundão de gente não nos deixava dar largas passadas. Senti seu aperto e sua
movimentação em guiar nosso dueto.
Espera lá! Um
bom forrozeiro não se deixa conduzir, mas conduz sua parceira de dança. Eu não
ia deixá-la se impor dessa forma. Ah! Não. Acochei sua cintura, firmei minha
mão esquerda na sua direita e joguei-a de lado (ela queria ir para o outro).
“Comigo não. Ela está pensando o quê?”
— Muito arrochado, aqui. – Comentou ela. – Vamos procurar um
lugar mais vago.
Imagino que a
proposta tivesse algo a mais do que simplesmente encontrar espaço para uma
dança mais articulada. Ou não, meus pensamentos poderiam estar entrando em uma
zona voluptuosa que me levaria a decepção.
— Ao lado do bar deve estar vago.
Um espaço não
pavimentado, algumas árvores e a distância do palco poderiam estar afugentado
os brincantes. Para nós serviu muito bem, pois foi ali que meu exibicionismo
forrozeiro aflorou de imediato ao ponto de estar atraindo atenção de
espectadores próximos
Não! Não era
música lenta, daquelas internacionais de antigamente que faziam os casais se
enamorarem nos bailes, ou domingueiras para a camada nordestina. Era forró
mesmo, mas um forró mais cadenciado, mais leve. Aquele forró que você conseguia
apertar mais ainda sua parceira. O dois para lá e dois para cá continuava, é
claro. A mulher encosta o rosto no seu, o homem baixa a mão que abraça as
costas até um certo limite para mostrar a ela suas intenções indo para outro
nível. E assim deixar a música entrar no seu âmago guiando suas atitudes até o
fim de um propósito e início de outra jornada.
Ela me beijou.
Sim. A frase
está em seu sentido mais correto, não fui eu, mas ela quem atuou para que isso
acontecesse, Há de se convir que se esperasse tal atitude de um rapazote inseguro, sua
conclusão seria diferente. A noite não passaria de umas passadas espetaculosas
de dança e nada mais. Só que a mulher agiu para o desfecho bem adequado e
producente tornando aquele dueto mais improvável ainda, para olhos de uma
sociedade implicante à época, pode se dizer. É b
Considerável sim, eram as quase cinco horas de apresentação das bandas de forró no palco. As duas, bem correto, e cada. Se a matemática for feita corretamente, bem simples pode confiar, do resultado dessa soma poderíamos ter a seguinte resposta: o dia amanheceu. Não estou aqui falando pelas vaidades de um bom brincante que gosta de se exibir mostrando o sol brilhar após uma noite de farra. Assim que o Mastruz terminou sua apresentação, e que espetáculo, posso ser sincero nisso, o céu mostrava o início de um clarear agradável aos olhos acordados daquela chona. O azul noturno vinha dando lugar ao ciano escuro antes de chegar a azul claro do dia que ribombava no horizonte. Os portões do clube totalmente abertos e um mar de gente caminhando em busca dos seus destinos individuais. O meu seria a volta ao centro da cidade sertaneja no coletivo que sofria em conseguir acomodar a numerosa plateia alegre, a pensar parecia que o destino da parceira seria o mesmo e juntos caminhamos em busca do sofrido coletivo. Novamente acochados, desta vez dentro do ônibus, cansados, mas não tristes. Sorrindo com tudo e ziguezagueando com o balançar das voltas que o veículo dava, deixando brincantes em seus respectivos cafofos num fim de noitada e início de uma manhã ensolarada como quase todas daquele sertão nordestino.
— É aqui meu destino.
Foi o que disse ela com um sorriso e após um beijo, uma despedida. Desceu com as amigas, acomodou-se na calçada rustica e olhou-me de forma carismática. Mandou um beijo e deu um último tchau. O ônibus arrancou voltando a se movimentar e eu fiquei olhando-a com uma lembrança na cabeça, a lembrança de que faltava alguma coisa, uma coisa que eu deveria ter buscado, uma busca bem importante para uma situação dessas.
— Como ela chama-se?
Exatamente. Eu não sabia o seu nome. O encantamento da noite, talvez, tivesse me surrupiado a lembrança de tal simples pergunta. O ônibus continuou seu caminho e eu fui olhando-a distanciar-se naquela calçada rustica, proseando com suas amigas, nem notara, talvez, esse fato. Ou soubera e não o quisera fazer. Só sei que fiquei a observá-la enquanto que o ônibus nos separava, nos fazia distanciar-se um do outro até ela sumir dos olhos. E assim a mulher sumiu dos olhos, mas não da lembrança.
Fim, talvez. Quem sabe.
CAL - Comissão de Autores Literários
Bruno Olsen
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