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Antologia Romance à Vista: 2x09 - Histórias da Literatura Forrozeira - Um Mastruz, o Rapazote e a Quarentona

Conto de L'Batista
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Sinopse: O romance de uma noite entre um jovem e uma mulher de quarenta anos numa festa de forró no sertão nordestino. Ele angustiado por não conseguir dançar, ela apenas querendo uma aventura casual. Duas personalidades diferentes conseguirão unir-se nesta casualidade? Acaso ou destino? Ambientado na década de noventa onde o forró dominava os palcos nordestinos, muitas histórias foram vividas. Vamos viver, então, uma delas.

Histórias da Literatura Forrozeira - Um Mastruz, o Rapazote e a Quarentona
de L'Batista
 

Naquela cidade quente, solitário, desci a rua do bairro onde morava numa noite de sábado sem muito o que ter o que fazer. Uma cidade de um sertão tão acolhedor, um povo que sabe tratar seu visitante. A ponte exalava um aroma de ar seco, as casas por onde passava não me dava um “boa noite” a que eu tanto procurava. Cheguei num centro de cidade pouco movimentada, mas isso devia ao fato de o foco da pândega ser em outro local tão distante dali. Sem conhecer alguém, me informei sobre o que um jovem com tão pouca idade conseguiria fazer para não ir, tão cedo, dormir. Principalmente numa noite de sábado, dos sábados das patuscadas.

Mastruz com Leite toca no BNB junto com Cebola Ralada.

Avisou-me um Senhor de muita idade numa das três farmácias da Avenida Principal, sua experiência no local não me deixou dúvidas da veracidade da informação, já que pela pouca frequência com que recebia clientes, tratava de divisar o movimento da bela bulevar da cidade como se a fama de alcoviteiro lhe servisse bem. Não que eu soubesse dessa patente dele, mas sua dose de firmeza no falar me deu o ímpeto de procurar a praça da alimentação que ficava a poucos passos de seu comércio e confirmar a autenticidade do dito.

O ônibus que leva para o BNB chega daqui a pouco. – Alertou o homem do casal escorado no poste bem perto do meio fio.

BNB era o clube em que, pelas datas dos meses de Abril, todo ano havia uma festa com bandas de forró conhecidas dos meados dos anos noventa. Mastruz com Leite eu não vou nem perder linhas em definir, todos sabemos de sua história. Cebola Ralada é que posso prolongar uns minutos a descrever: com um estilo de forró bem peculiar, cresceu na onda desse movimento que muito nos agradou nesse período. Suas músicas marcaram uma geração que há muito escondida, jamais deixou de admirar o bom forró alegre desse tempo. Pra quem daquele tempo, deliciou-se, é a banda de forró do “você disse que me dá, boba, beijo na boca”. Entoado numa cadência forrozeira não tão agitada deixando de ser romântica e nem tão lenta a ponto de enfraquecer o entusiasmo dos forrozeiros. Diria que a música foi criada no ponto certo para quem queria dançar e enamorar ao mesmo tempo.

Para um jovem de pouca idade que sabia muito sobre o forró foi como se achar ouro. Uma festa regrada da maior banda de forró do mundo, oportunidade igual seria difícil de encontrar. Quão ansiedade foi para o transporte vir, quão foi para entrar nele quando estacionou no ponto informado. O tanto de festeiros que apareceram foi surpreendente. Perguntei-me: Donde saiu tanta gente? Estavam escondidos? Lotado saiu, lotado chegou. Multidão à frente do clube não me fez encabular-se, talvez agradar-se, mesmo solitário. Escorei-me num muro cujo dava uma visibilidade boa para a entrada e o movimento que se fazia dos banqueteadores amontoados na guarita. Um grupo ao lado reclamava do valor da entrada, um garoto mais à frente pedia incessantemente para sua namorada entrar com ele para não perder um minuto sequer, a morena ao lado do poste ajeitando seus cachos exibia-se para três garotos no meio da rua, que era de barro, à frente do clube, mas naquela noite e como em quase todas daquele sertão não chovia e nem choveu por um período longo antes dali. Por isso não existia dificuldade de transitar pela rua, pois o barro seco endurecia parecendo mais uma estrada pavimentada do que propriamente uma via de barro.

Vou entrar. Falei em voz alta para mim. Cebola Ralada já tocava e eu não sabia há quanto tempo, se de uma hora para outra Mastruz com Leite começar não vou me perdoar de perder os segundos preciosos de cada música que ela tocava. Era fã. Mas nessa época quem não era?

Sozinho como estava, comecei a andar pelo meio do povo sem saber o que fazer, a timidez em situações como essa já despontava e isso era a última coisa que eu queria que aparecesse. Eu não podia me render a esse tipo de situação e a regra mandava eu me soltar da melhor forma possível. “Cerveja”. Era a solução e depois de duas comecei a sentir um rodear de mundo que me fez parar em um local adequado para tentar chamar alguma garota para dançar e, ao mesmo tempo, ver o show das bandas no palco. A segunda opção foi a que eu fiz, já que a coragem me faltava para fazer a primeira. De olhadas para o palco e trombadas de casais que dançavam, fiquei na espreita nas proximidades para tentar achar uma parceira de dança.

No dançar eu posso me garantir, o problema era esse acanhamento no chamar, não suporto um toco e saber a garota mais propícia a não receber esse tipo de resposta era o mais difícil, posso dizer quase impossível. Cebola Ralada começava a cantar seu hino mais bonito e o que o levou a ser conhecido nacionalmente: “beijo na boca”. Eu me desesperei, posso afirmar. O quanto essa música era linda posso dizer de certeza e a vontade que eu tinha de estar abraçado com uma parceira de forró era grande. Talvez essa minha solidão tenha contribuído nesse acanhamento em chamar alguma garota para dançar. Minha cabeça rodou por todo lado, um grupo de moças se remexiam a certa distância, mas um rapaz as olhava bem próximo, pensei logo que seria namorado de alguma delas. De qual eu não podia adivinhar. Se fosse da que eu escolheria? A confusão estava feita e, eu, sozinho nessa noite estaria perdido. Nem Mastruz com Leite assistiria. Deixei as meninas quietas.

Fui andar um pouco, estacionei em um lugar que havia uma roda das donzelas noventistas dançando sozinhas. Esperei minutos preciosos para ver se não aparecia algum namorado ciumento, mas foi inútil, tanto a chegada de um desses empecilhos quanto a minha coragem de chamar alguma delas para dançar. Ainda insisti em estar naquele lugar e quando decidi procurar outro vi metade das moças serem chamadas para acompanhar as belas músicas vindas do palco. Caminhei no tumulto de gente por toda a pista tentando encontrar meu, tão desejado, lugar. Ouvi o vocalista da Cebola Ralada se despedir e fui ao bar comprar outra cerveja em lata para tentar afugentar essa timidez que tanto me atormentava nessa noite de sábado. Não posso perdê-la, a noite talvez tenha se iniciado com fracas promessas, mas agora ela provia de boas esperanças de terminar com uma bela parceira de forró, quem sabe de amor.

-Mastruz com Leite vai começar a tocar. Vamos para próximo do palco. – Falou uma guria a poucos metros de mim para suas amigas também da mesma idade cujas, eufóricas, obedeceram ao chamado da primeira.

Perto do bar, após mais uma cerveja, me inclinei para esse pedido e fui tentar me aproximar ao máximo do palco. Antes mesmo da mesa de som, desisti da tentativa de furar o bloqueio que o mar de gente se fazia naquele clube. Em um patamar de um piso liso fiquei, dali dava para ver todos os artistas do palco, mas eu fiquei na tentativa difícil de achar uma parceira de forró. A vocalista entoou o seu “Um tempo pra nós dois”, música do seu mais novo CD, lançado há pouco tempo daquele dia, angustiando ainda mais o jovem que queria apenas dançar. Rodeei o olhar nas belas jovens daquela cidade, mas o que eu encontrava eram apenas rostos decididos a negativar qualquer tentativa minha de convidar-lhes a fazer parte de suas vidas naquela noite. Jovens belas ou garotas lindas, foi o que percebi, talvez uma conclusão precipitada bem verdade, todas ali deveriam ter tido algumas prolongadas horas para preparar sua estética pessoal. Talvez eu estivesse sendo precipitado em achar que elas não aceitariam meu convite, talvez eu tivesse demonstrado muita incerteza em meus movimentos ou em meus olhares. Hesitação gera desconfiança, algumas garotas da época não gostavam de garotos inseguros. Eu sou um enamorado inseguro, em compensação sou determinado na dança. No passe do forró sou autoridade.

Essa confiança na dança não estava me ajudando naquela noite. Possivelmente meu desespero não me deixava perceber o que acontecia no entorno de minha noite de sábado promissor. A ânsia de procurar alguma garota de minha idade não me fez perceber as olhadas de uma mulher um pouco mais vivida do que eu. Trinta e cinco? Quarenta anos? Não sabia e tampouco importava. A primeira hora em farras como essa a juventude pode direcionar sua pontaria sedutora para alvos usuais e passar despercebido aquelas flertadas menos rotineiras. Saber como consegui perceber as flechadas ardentes direcionadas para mim seria difícil, até mesmo porque isso era algo incomum no meu dia a dia.

Ela dançava ao lado das suas amigas. E bem, para dizer a verdade. Se dançava para mim, não sei. Se tentava jogar seus encantos de mulher madura para conquistar-me, quem sabe. Encarava-me com olhos atraentes os quais penetravam por entre minhas vistas adentrando meu interior e arrebatando meu peito. O certo era que estava fazendo efeito, pois não consegui mais parar de fitá-la. Sorria confiante, talvez na certeza de que sua dança de sereia estivesse tendo o resultado pretendido, talvez pandegando um inexperiente jovem rendido pelas armas voluptuosas da mulher. O fato era que eu queria e parecia que ela também. De onde tirei coragem seria uma questão bastante difícil de resolver, só sei que estiquei a mão para o lado dela. Se corado meu rosto, quem sabe estava. Me apeguei ao fato de dominar as habilidades forrozísticas para não perder a cena com trapalhadas das inexperiências joviais.

Ela? Ah! Parecia esperar o pedido e tão rápido foi em aceitar como em se achegar ao meu encontro. Domínio foi atravessar o aperto de gente naquele curto espaço de festa, mas a mulher chegou a mim com maestria em seus desvios com um sorriso de canto a canto. Logo catou minha mão esquerda e pôs seu braço em meu ombro, puxou-me para mais perto e iniciou o dois para lá e dois para cá, cadência usual de um bom forró. Em meu pensar, uma estranheza nessa atitude tão decidida. Me jogou de lado, me puxou para o outro em passos curtos, pois o mundão de gente não nos deixava dar largas passadas. Senti seu aperto e sua movimentação em guiar nosso dueto.

Espera lá! Um bom forrozeiro não se deixa conduzir, mas conduz sua parceira de dança. Eu não ia deixá-la se impor dessa forma. Ah! Não. Acochei sua cintura, firmei minha mão esquerda na sua direita e joguei-a de lado (ela queria ir para o outro). “Comigo não. Ela está pensando o quê?”. Foram frases que mastigaram meus pensamentos nessa hora. Rodopiei guiando-a em um círculo em nosso próprio eixo e, pelo rabo do olho, percebi que sorria diferente naquele momento. Decerto aprovando minha atitude e mostrando que o sorriso de outrora seria mais um chasco tal a diferença de fisionomia no sorrir desta ocasião. O arrocho da multidão aglomerada ali tornava a dança mais desafiadora, mas esse ramo eu entendia e conseguia exibir uma dança ao mesmo tempo suave, ao mesmo tempo exibicionista. Lógico que os encontrões com outros forrozeiros eram inevitáveis, algo corriqueiro e sabedor nessa nossa categoria.

Muito arrochado, aqui. – Comentou ela. – Vamos procurar um lugar mais vago.

Imagino que a proposta tivesse algo a mais do que simplesmente encontrar espaço para uma dança mais articulada. Ou não, meus pensamentos poderiam estar entrando em uma zona voluptuosa que me levaria a decepção.

Ao lado do bar deve estar vago.

Um espaço não pavimentado, algumas árvores e a distância do palco poderiam estar afugentado os brincantes. Para nós serviu muito bem, pois foi ali que meu exibicionismo forrozeiro aflorou de imediato ao ponto de estar atraindo atenção de espectadores próximos. O barro batido a que pisávamos era o de menor preocupação. Na verdade, minha precaução era de que meu pavoneio fosse exagerado ao ponto de ser vexaminoso, me contive. Ela não. Queria se exibir, se expor, evidenciar-se, ou dar vexame. Pouco importava e de certo estava certa. E naquele bailado seguimos ora dando espetáculo, ora passando vergonha até a hora em que as músicas ganharam aquele velho tom romântico e aí foi a vez de diminuir o ritmo da coreografia.

Não! Não era música lenta, daquelas internacionais de antigamente que faziam os casais se enamorarem nos bailes, ou domingueiras para a camada nordestina. Era forró mesmo, mas um forró mais cadenciado, mais leve. Aquele forró que você conseguia apertar mais ainda sua parceira. O dois para lá e dois para cá continuava, é claro. A mulher encosta o rosto no seu, o homem baixa a mão que abraça as costas até um certo limite para mostrar a ela suas intenções indo para outro nível. E assim deixar a música entrar no seu âmago guiando suas atitudes até o fim de um propósito e início de outra jornada.

Ela me beijou.

Sim. A frase está em seu sentido mais correto, não fui eu, mas ela quem atuou para que isso acontecesse, Há de se convir que se esperasse tal atitude de um rapazote inseguro, sua conclusão seria diferente. A noite não passaria de umas passadas espetaculosas de dança e nada mais. Só que a mulher agiu para o desfecho bem adequado e producente tornando aquele dueto mais improvável ainda, para olhos de uma sociedade implicante à época, pode se dizer. É bem provável que tal casal passasse pelo crivo de alguns poucos olhares desconfiados, com aprovação ou sem, não era importante.

Considerável sim, eram as quase cinco horas de apresentação das bandas de forró no palco. As duas, bem correto, e cada. Se a matemática for feita corretamente, bem simples pode confiar, do resultado dessa soma poderíamos ter a seguinte resposta: o dia amanheceu. Não estou aqui falando pelas vaidades de um bom brincante que gosta de se exibir mostrando o sol brilhar após uma noite de farra. Assim que o Mastruz terminou sua apresentação, e que espetáculo, posso ser sincero nisso, o céu mostrava o início de um clarear agradável aos olhos acordados daquela chona. O azul noturno vinha dando lugar ao ciano escuro antes de chegar a azul claro do dia que ribombava no horizonte. Os portões do clube totalmente abertos e um mar de gente caminhando em busca dos seus destinos individuais. O meu seria a volta ao centro da cidade sertaneja no coletivo que sofria em conseguir acomodar a numerosa plateia alegre, a pensar parecia que o destino da parceira seria o mesmo e juntos caminhamos em busca do sofrido coletivo. Novamente acochados, desta vez dentro do ônibus, cansados, mas não tristes. Sorrindo com tudo e ziguezagueando com o balançar das voltas que o veículo dava, deixando brincantes em seus respectivos cafofos num fim de noitada e início de uma manhã ensolarada como quase todas daquele sertão nordestino.

— É aqui meu destino.

Foi o que disse ela com um sorriso e após um beijo, uma despedida. Desceu com as amigas, acomodou-se na calçada rustica e olhou-me de forma carismática. Mandou um beijo e deu um último tchau. O ônibus arrancou voltando a se movimentar e eu fiquei olhando-a com uma lembrança na cabeça, a lembrança de que faltava alguma coisa, uma coisa que eu deveria ter buscado, uma busca bem importante para uma situação dessas.

— Como ela chama-se?

Exatamente. Eu não sabia o seu nome. O encantamento da noite, talvez, tivesse me surrupiado a lembrança de tal simples pergunta. O ônibus continuou seu caminho e eu fui olhando-a distanciar-se naquela calçada rustica, proseando com suas amigas, nem notara, talvez, esse fato. Ou soubera e não o quisera fazer. Só sei que fiquei a observá-la enquanto que o ônibus nos separava, nos fazia distanciar-se um do outro até ela sumir dos olhos. E assim a mulher sumiu dos olhos, mas não da lembrança.

Fim, talvez. Quem sabe.

Conto escrito por
L'Batista

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima
Gisela Lopes Peçanha
Pedro Panhoca
Rossidê Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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