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Antologia Nosso Amor: 3x01 (Season Premiere)

Conto de Jefferson Costa Machado
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Sinopse: Uma emocionante história que narra a jornada de Ismael, um homem de 65 anos preso em um casamento de 40 anos, em busca de significado e felicidade. Ao conhecer Lauro, um homem solteiro e mais velho, Ismael encontra uma conexão profunda e redescobre sentimentos há muito tempo reprimidos.

3x01 - Anhangá e Acauã: O Amor Além das Lendas
de Jefferson Costa Machado

Havia acabado de chegar da loja de móveis que administro quando Carmen logo gritou:

— Ismael, tire os sapatos! Eu acabei de limpar a casa.

Fiquei calado, não falei nada, fiz o que ela pediu. Será que ela não podia nem perguntar como estou? Será que tudo o que importa para ela é esse chão? Tudo isso me fazia refletir sobre minha vida. Era um casamento de 40 anos. Tínhamos passado por muitas coisas juntos. Nossa única filha já tinha casado e saído de casa, e eu já era avô. E nossa vida se resumia assim: quando Carmen não estava na casa da irmã dela, que morava ao nosso lado, estava com os olhos na bendita novela. Aos domingos, nossa diversão se resumia aos sermões do pastor da congregação.

Eram quase 19:00 quando pensei: "Sabe o que vou fazer? Vou à orla, que fica próxima de casa." Vesti qualquer roupa e saí. Fiquei olhando o bater das ondas no quebra-mar e pensando na minha vida. Lembrei-me da minha infância nos meados da década de 60, da nossa casa pequena num bairro distante do centro da cidade. Recordei do meu amigo Wilson, que sempre brincava comigo com sua carreta preta. Quando ele foi embora, senti tanta saudade que chorei. Meus pensamentos foram interrompidos por uma voz veludosa que dizia:

— A Baía vista pela noite tem sua beleza singular, não acha?

Quando virei, estava aquele homem, alto, branco, de cabelos grisalhos e olhos amendoados. Seu nome era Lauro. Existe um ditado que diz "Meu santo bateu com o dele", e foi algo do tipo que aconteceu. A partir desse dia, todas as quintas combinávamos de estar na orla do rio. O "Ver-o-Rio", como chamavam, era um lugar frequentado por jovens e casais da cidade que vinham paquerar e namorar. E lá estava eu e Lauro, dois sessentões jogando conversa fora na beira do rio.

Lauro morava sozinho. Sempre foi solteiro e nunca casou. Seus parentes mais próximos estavam em São Paulo, longe de Belém. Aposentado, sentia-se sozinho muitas vezes. Para nós, a sociedade cobra um preço alto, pois não temos mais a jovialidade de tempos passados.

E quando percebi, somente as quintas-feiras já não eram suficientes para estar com Lauro. "Matávamos" a saudade com mensagens de texto ou até mesmo com ligações demoradas que entravam pela noite. Falávamos sobre tudo, sobre a vida, sobre política, sobre o valor da amizade e a solidão.

Por meio de Lauro, eu lembrava de Wilson, o meu amigo de infância de quem eu chorei quando foi embora. Por intermédio de Lauro, eu conheci a vontade de viver e enxergar a vida mais colorida.

Lauro, certa vez, me convidou:

— Ismael, vamos em casa? No domingo, tem jogo.

Como eu poderia negar um convite de Lauro?

E no domingo, lá estava eu. Bebemos, comemos e rimos. Estar com ele era como esquecer de tudo que estava ao meu redor, dos problemas da vida e de Carmen. Estávamos sentados no sofá de sua casa, bem à vontade, quando meus olhos se concentraram na boca de Lauro. Eu tentei evitar, mas era algo mais forte do que eu. Aquele sentimento já tinha tomado conta de mim, ele estava lá dentro e eu tentava segurá-lo, como se aprisionasse uma onça furiosa. Eu, um homem de 65 anos, ex-militar e evangélico, não poderia nem deveria pensar nisso! Lauro me olhava, ria e aparentava olhar também para minha boca. Entre cada palavra que conversávamos, os pensamentos transpassavam, e já não sabia no que pensar, no que falar. O coração acelerava, aquele calor tomava conta do meu corpo e me senti por alguns segundos flutuando.

Quando percebi, nossas bocas se tocaram e nosso beijo foi como o de dois adolescentes apaixonados. Dois sessentões se beijando? Não tínhamos o direito de nos amar? De viver?

Tudo aquilo me confundia. Pois a imagem que eu tinha de "gay" era aquele cara efeminado, e como eu, um homem com mais de 60 anos, poderia sentir aquilo por outro homem? É bem verdade que eu já tinha sentido aquilo por Wilson e ele tinha despertado aquele sentimento em mim. Porém, tentei jogar aquele passado fora. Esquecer tudo aquilo. Eu havia aprendido que era pecado. Mas por mais que eu lutasse, aquele desejo vinha com mais força e me fazia sentir esse tesão por homem. Eu pensei: "Quando eu casar e construir uma família, isso vai passar, é só um fetiche", mas não, cada vez voltava mais intenso.

Depois desse dia, tudo mudou. As visitas à sua casa eram constantes. Sentados no sofá ou deitados na cama ou abraçados. Gostava de brincar nas suas barbas grisalhas e passear com as mãos em seu peito.

Íamos ao cinema juntos; ou às vezes apenas caminhávamos juntos na praça. O mal humor de Lauro, por incrível que pareça, me conquistava, pois ele sempre tinha um jeito bobo depois de me agradar. Eu senti que aquele homem era tudo que eu podia ter e o queria do meu lado para o resto da vida. 

Depois de 1 ano nos encontrando às escondidas, chegamos à conclusão de que tínhamos que correr atrás da nossa felicidade. Pois tanto eu como Lauro havíamos nos reprimido e nos escondido em "carapaças", tentando fugir do julgamento da sociedade e de nós mesmos. A vida só vive uma vez, dizia Lauro, e não podíamos negar isso. O meu casamento com Carmen já havia passado do prazo de validade, como dizem por aí, e tomei uma decisão na minha vida. Eu tinha o direito de ser feliz, e ninguém podia me negar isso. Ser quem eu era de verdade.

            Saí de casa, e hoje faz 6 meses que estamos juntos. E, sentados no mesmo lugar em que nos vimos pela primeira vez, na beira do rio, ouvindo o retumbar das ondas e contemplando o sol se escondendo ao longe na copa da floresta, quero poder acreditar que nosso amor é como o da Anhangá e de Acauã, protetores das matas que se transformaram num veado branco e numa ave para concretizarem seu amor.

Conto escrito por
Jefferson Costa Machado

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima
Gisela Peçanha
Paulo Mendes Guerreiro Filho
Pedro Panhoca da Silva
Rossidê Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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