O DESBRAVADOR DE IDENTIDADES - CAPÍTULO 13
_ Ricardo e Benício se atracaram, se
nada fizermos, logo teremos um outro velório – diz Lícia ao marido,
visivelmente contrariada, com o gato no colo._ Meu bem, você precisa tomar as
rédeas do jogo, senão as oportunidades de novos contatos e possíveis fontes de
recursos às nossas empresas cairão por terra, nenhum empresário de renome
almejará se associar a um grupo cujo herdeiro é um vândalo, porque o que ele
faz, assemelha-se àqueles que vivem da vadiagem e do sensacionalismo rasteiro.
Não sabe como estamos sofrendo com a perda de Anna... Um dia será pai e
entenderá! Tenho muita fé nisso!
_Fique calma, irei resolver isso, meu amor!
O italiano chega à escadaria e se segura. Ricardo e
Benício se digladiam em socos e pontapés diante das câmeras, para a alegria dos
repórteres de plantão, que narram à audiência o circo em que se tornou o
velório da garota.
_Faça alguma coisa, querido! Eles estão
transformando um momento de enorme pesar à nossa família num rodeio de touros
enlouquecidos – constata a mulher, à sombra do marido. _ Que horror! Que
vergonha! O que não dirão os Setúbal?
Os presentes, como se estivessem numa dessas bolsas
de apostas do Jóquei Clube, empregam altas cifras em nome de um ou de outro.
Aos vencedores do páreo, fortuna suficiente para uma longa temporada de férias
em algum dos países da zona do Euro. Velando o corpo da garota, apenas a babá
do angorá turco.
_ Adesso smettetela,
voi due!1 – ordena o patriarca, alterado, entre Ricardo e o
filho._ O que pensa estar fazendo? – volta-se a Benício. _Agindo dessa maneira,
você arruinará o velório de sua irmã! Seremos chacotas na boca da mídia e da
sociedade...Atente-se para o presente – sussurra-lhe-, você está decretando a
nossa falência!
_ Falência? –
escarnece Ricardo, na outra ponta, contido por um dos seguranças do evento,
após ler a palavra nos lábios do italiano naturalizado brasileiro. _Vocês já
estão mortos e enterrados há anos...Se ainda não se abrigaram das surpresas do
tempo em um dos vastos becos da cidade é porque meu pai, na sua tola bondade,
bancou-os até agora! Mas assim como o rio, um dia tudo tende a secar...Nunca
mais verão a cor do nosso dinheiro!
_Oh, my god!– dá
gritinhos de histeria a matriarca, enquanto aperta o bichano contra o
peito. _Ricardinho- apela-, não faça isso
conosco! Benício está apenas brincando, não é? - volta os
grandes e iracundos olhos para o único herdeiro da família. _ Não é? Fale, infeliz!- dá-lhe um beliscão.
O cinismo contido nas
palavras da mulher atiça ainda mais a ira do filho, a ponto de mandar que ela
se cale.
_ Respeite sua mãe! – exige Giacomo, com os punhos
prontos a desferirem um golpe contra o primogênito.
_Vai querer me bater agora, meu pai? Veja quantas
câmeras estão ao nosso lado, captando cada uma de nossas ofensas... Pois faça
de minha carne o seu consolo, entregue nossa estirpe aos lobos, afinal, não
queria a atenção da mídia, dos abastados ao transformar o velório da filha na
versão mais perversa da obra de George Orwell 2 ?
A multidão, agora contando com a presença dos
músicos da Orquestra, flecham-lhe o coração com olhares de indignação,
levando-o a desistir da ideia.
_ Vocês são loucos!- diz o filho, apontando para
os pais. _Tenho nojo de pertencer a este clã! Preferia estar num desses becos
de que mencionou Ricardo, a ter de compartilhar dessa perigosa fantasia...
_ Perigosa fantasia? – assusta-se Ricardo com a
sinceridade do rapaz._ Como assim?
_ Ainda não percebeu? Isso tudo é um faz de conta,
uma maneira inusitada de conseguir alguns tostões à custa da morte de Anna para
evitar uma falência que já nos engoliu há muito tempo. Estamos no buraco,
enterrados até o pescoço em dívidas impagáveis; se ainda ostentamos algum
status é porque seu pai, “na sua tola bondade”, como mesmo disse, nos mantém.
Por que faz isso? Não sei! Quem sabe meu pai possa responder.
_Taci!!! – brada, com a cólera saltando-lhe
dos olhos. _Abomino-o com todas as forças de meu coração!
Esquecendo-se das
câmeras por um instante, golpeia a face do filho.
_ My gooooooood!!!!!!!!!!!! –
desespera-se a matriarca, desfalecendo em seguida, enquanto o
angorá, agora livre, encontra a rua.
_ Final do primeiro round, minha gente. Médici
versus Ferrara. Tudo igual! Barraco da melhor qualidade você só ouve na Rádio
do Povão. São Paulo nunca viu um velório tão animado! Só não tá melhor porque
não serviram ainda o pão com mortadela do Mercadão, né, Geraldão?
_Isso mesmo, Gavião! Que punho tem esse Ricardo,
hein? O cara tomou uma pela esquerda e devolveu cinco pela direita. Um
fruti...ops ... um verdadeiro titã do ringue!
_Discordo! Benício quase o nocauteou no
segundo golpe. Vocês estão puxando a sardinha para o cara só porque ele é dono
de metade da cidade. Isso é contra as regras – contesta outro comentarista.
_A coisa tá feia para o seu Ricardo, Jacira! Você
vai mesmo fazer isso?- pergunta Marcos, enquanto dirige o carro. _Vai embora
sem se despedir? Não acho certo pegar as trouxas e dar o fora assim.
Sentada no banco de trás, ela não responde.
_Ei, mulher, não me ouviu?
_O que cê qué, praga dos infernos? Ninguém pode
ficar um tiquinho em paz? Já não basta o que cê fez aos meus amigos?
_E eu ia saber que você tinha amigos favelados?
_Oxi! O bicho não vale nada mesmo! Mas o que estava
dizendo?
_Você não está ouvindo a rádio? Seu Ricardo está se
pegando com o irmão de Anna e a coisa tá sendo transmitida ao vivo,
com direito a apostas. E os ganhadores levarão dois ingressos para o forró do
Jiló, lá na Cidade Tiradentes. Arrasta-pé como aquele não há! Fora o tiroteio,
que já vem de brinde. Não quer votar não? Basta ligar para o telefone que a
rádio está repetindo a todo momento. Vai que ganhe...
_Larga de sê bobo, homem! Que conversa mais fiada!
E desde quando funeral é lugar de rinha?
_Este é! Estão até dizendo que está melhor que o
Big Brother do Bial.
_Tá todo mundo loco. Hum! É cada coisa! Se você tem
tempo para falar tanta asneira, tem para lavar os carros, não é? Porque, vamos
ser sinceros, se estivesse em outra família, não duraria uma semana. Vai ser
largado e vagal assim em outros cantos.
_Credo, Jacira! Estou apenas preocupado com o nosso
“chefinho”...
_Seu “chefinho”...
_Vai me dizer que todo seu amor desapareceu de uma
hora para outra?
_Encostos são sentem amor, são exorcizados.
_Ah... é por isso! Agora entendi! Mas ele falou da
boca pra fora, também, com aquela tia, quem não surtaria? Não vá embora não,
isso passa! Logo estarão de bem!
_Escute aqui, sua imundície! Não tenho raiva dele,
mas perdão é uma coisa que não dá para disfarçar. Ele poderia ter dito qualquer
coisa, até me chamado de sem educação, fedorenta, Vovó...Zona, não que eu seja
gorda como aquela veia, mas me chamar de encosto? Encosto é espírito ruim e
isso não sou, né, Suzicreide? O melhor que tenho a fazer é voltar para o
interior e esquecer essa terrinha poluída.
_Você vai sentir saudades dele, mulher, ouça o que
lhe estou dizendo... Você é como uma mãe para o moleque.
Os olhos dela lacrimejam.
_Viu? Já tá chorando...
_Quem tá chorando aqui, coruja de farol? – dá um
tapa na cabeça dele. _ Eu, hein! Não viu que entrou um cisco em meus zóio? Oxi!
_Inacreditááááávelllllllll!!!!!!!!!! Que
velóóóóóório, minha gente! O italiano foi segurar o filho e acabou levando uma
de esquerda do jovem Médici!!! O pau tá quebrando. Benício agora prometeu
revide, fechou os punhos e devolveu de cruzada. Ricardo cai! Parte do público
comemora. As apostas correm...
_COMO É QUE É??? MEU MOLEQUE TÁ PERDENDO??? –
surpreende-se, não disfarçando a preocupação. _ Ah, mas o problema é dele! Tô
fora, Suzicreide!
_Não quer ir pra lá? Você já chega descendo o
porrete; do jeito como é, não vai sobrar uma alma para contar história.
_Não! – limita-se.
_Então vai mesmo embora?
_Não! Vou para o interior tomar garapa e comer
pastel... Hum! Mas é burro! Por que fiz as malas então? Meu ônibus sai no
início da tarde.
_Ainda é cedo, vamos parar, tomar um café, esfriar
a cabeça, quem sabe não muda de ideia.
_Encostos não têm ideia; apenas penam! –
ressente-se. _ E se continuar falando, vou pegar uma lotação...
_Tá bom! Não está mais aqui quem falou... Mudando
de pato pra ganso, aquele tal não deve ser o que nos disseram. Eu vi o cara, tá
só o pó.
_E me vem você com essa história agora? Quero sabê
não! Apaguei os Médici de meu coração!
_Deixa disso! Sabe que não é verdade!
Leva outro tapa na cabeça.
_Oh burro de paletó, vira o disco, tô agoniada com
essa prosa.. – olha para os lados-...vai demorar para chegar na Barra Funda?
_Não! – chateia-se com a segunda agressão.
_Você me desculpe aí, mas é que só me provoca,
nunca vi coisa igual. Oxi! Mas, por que insiste em dizer que o cabra não é o
demônio que nos pintaram? Se me lembro, ele aprontou muitas. Onde dona Nathalia
ia, ele corria atrás, até parecia possuído, como se quisesse alertá-la de algo.
Coitada! Teve uma vida de cão! E vem você me dizer que ele é santo?
_Santo?!! E santo salva vidas, Jacira?
_Até onde sei, sim, por quê?
_Às vezes os santos podem carregar chifres.
Dá -lhe o terceiro tapa.
_Desculpe aí, foi força do hábito.
_Você não perde uma! Aquele doido era bombeiro.
_E daí?
_Ele salvava vidas...
_... e as destruía também! – completa.
_Tenho minhas dúvidas, quem pratica o mal, não é
capaz de chorar diante do resgate de uma criança.
Conta-lhe a história, omitindo o momento em que
Leonardo ordena sua morte.
_Oxi! Não sabia disso não! Será? – perde-se nos
pensamentos.
_Jacira, minha querida, chame a polícia, aquele
rapaz está me perseguindo de novo – diz Nathalia, assustada.
_Quem? O “chegado” do seu Leonardo? Mas o que ele
quer? Perdeu a vergonha? Oxi! E a senhora não disse a ele que o homem viajou?
_Ele sabe. Disse apenas que precisava me avisar de
algo.
_Pois vou dar umas boas vassouradas nele. Bicho
infeliz! Cadê? Onde ele está?
_Em frente à nossa casa, estacado, aguardando que
eu saia para se atirar à frente do carro.
_É doido assim?
A mulher afirma com a cabeça.
_Espere aí! Vou dar um jeito nisso!
_Não! Fique aqui, cuide de Ricardo.
_Cuidar dele? Oxi! O moleque tá viciado no
videogame, até parece uma parasita.
_Fique aqui! Estou pedindo.
Minutos depois...
_Diga-me que não é verdade o que li nesta carta,
Jacira! – pede ao retornar._ Diga-me! – brada Nathalia, consumida pelo
desatino.
_ O que foi senhora? Aconteceu alguma coisa?
_Estou condenada ao infortúnio!
– arremessa um abajur contra a vidraça._ Leonardo está me enganando
de novo!
_De onde a senhora tirou isso? – diz, acudindo o
pequeno Ricardo, que chora, assustado com os gritos da mãe.
_Ele não podia ter feito isso comigo novamente! Que
dor a minha!- diz, rasgando a carta._ A maldade humana é traiçoeira e se
delícia por ferir corações ingênuos como o meu...
_ Senhora, não pode ser... Com certeza há algum
equívoco em tudo isso.
_ O único equívoco foi ter me entregue a um homem
de fantasia, que abandona a esposa durante a noite para se deitar ao lado de um
outro homem, aliás, de outros homens...Mas ele me paga! – ameaça, em meio às
lágrimas.
_ Pare, senhora! Pare! Atente-se para o que está fazendo...- tenta, Jacira,
debalde, conter a fúria da patroa, cujo descontrole termina por destruir a sala
de estar.
Agarrado ao pescoço da empregada, o garoto chora,
seu desespero é ouvido a distância, atraindo a atenção do jardineiro, que
segura a mulher, para que ela não acabe por findar a própria vida.
_O que será de Ricardo, quando entender que seu pai
é homossexual? Como encarará seus amigos da escola? Como contará isso à
namorada? Sentir-se-á humilhado, vazio, parte de uma mentira, páginas em branco
de uma falsa história de amor...- pergunta, desesperada, a uma empregada também
transtornada. _E se carregar no sangue o mesmo gene que desgraça neste momento
nossas vidas? Não bastasse o bombeiro, agora Leonardo está a se deitar com um
vendedor. Ele me prometeu que isso nunca mais aconteceria.
_Se acalme, Suzicreide, por favor! – suplica
Jacira, comovida com o seu estado.
Os pedaços da carta espalham-se pelo carpete. Horas
depois, colados em uma outra página, esclarecem completamente a Jacira os
motivos que levaram Nathalia ao desvario. Leonardo estava aos beijos com um
rapazote em uma dessas boates gays do interior. Posto de lado, o bombeiro
revidou o abandono, entregando à mulher a prova da segunda traição.
_O que fazer agora, Jacira?- pergunta Marcos.
_Não sei! Ele pode até salvar vidas – diz,
resgatando-se, mas santo não era, nem de chifres. Muita dor ele despertou no
seio desta família.
_Mas ele também foi vítima do “apetite” do
patrão.
Não responde.
_Sei não, tem alguma coisa de estranha nesta
história. E agora tão dizendo que o patrãozinho também morde a fronha.
Leva outro tapa.
_Ai, doeu!
_ É para doer mesmo! De onde tira essas
“inventices”?
_O povo só fala disso! Você não tem ouvido a
rádio, assistido à tv, lido as colunas de fofoca? Seu Ricardo mandou um e-mail
para todo mundo dizendo ser gay, por isso aquela briga com Anna, como lhe
disse. A coisa tá feia!
É igual ao pai? Será que carrega no sangue o mesmo
gene do mal que desgraçou essa família? –
indaga-se a empregada, após um espasmo de dor. O meu moleque, GAY? Poderia isso
ser mesmo verdade, meu Deus? Há alguma coisa errada em tudo isso, eu sinto! Mas
o quê?
_ Jacira, fale comigo! Você está bem?
Letárgica, ela ignora as preocupações do chofer,
quer apenas encontrar respostas às angústias que agora lhe consomem com a mesma
violência de uma metástase.
Chegam à Barra Funda.
Ela desce, pega as malas e se esquece de despedir
de Marcos, que a chama por duas ou três vezes, sem que ela lhe faça sequer um
aceno.
_Vixi! A mulher não aguentou o baque! Também! Outro
baitola debaixo do mesmo teto! Ninguém merece!
Ela sobe a rampa, compra a passagem, senta em uma
cadeira e se volta para uma TV, que transmite ao vivo as desavenças em frente
ao Municipal, “o coração cultural da cidade”.
O carro do Governador para diante da escadaria,
presencia parte do acontecido; antes de ser anunciado, retorna ao Palácio dos
Bandeirantes.
_ Bata mais! Tente calar minha boca à força! Vamos,
senhor Giacomo Ferrara, de minha parte não haverá qualquer tipo de resistência
– desafia o filho, limpando o sangue que lhe desce em quantidade pelo nariz.
Ricardo aproxima-se do rapaz, mostra-se comovido
com sua audácia.
_ Você também deseja me acertar de novo? –
indaga, encontrando os olhos estarrecidos do herdeiro da família Médici. _
Você a matou, mas não fez isso sozinho! A mando desses urubus- aponta
para os pais-, ela cedeu aos seus encantos, tudo porque queriam a segurança de
seu dinheiro... – desabafa, caindo em prantos.
_ Non è vero, Ricardo, non sono il mostro che
Benício ha detto3- responde o homem, no idioma de origem.
_ Você a desgraçou com aquele e-mail. –
continua o rapaz, como se não tivesse sido interrompido. _Era para ser como um
desses típicos golpes da raposa contra o cordeiro, como estamos cansados a
assistir, mas ela apaixonou-se por você. E o que recebeu em troca? Nomes como
insossa, atrevida, prato secundário de um homossexual enrustido.
_ Vamos sair daqui! – aconselha o patrono de uma
outra grande fortuna paulista, achegando-se ao primogênito dos Médici. _Não lhe
dê ouvidos, é um louco, cujo prazer é denegrir imagens alheias, como se a
humilhação que expôs sua família já não lhe bastasse. Hum! Onde está seu
carro?
_Carro?
_Sim! Onde está? Irei levá-lo até
ele.
_Estou com minha tia!
_Márcia Médici?
_Sim! O senhor a vê? Com esse tumulto será
meio difícil!
_Ela se foi assim que
você subiu a escadaria.
_Então estou
sozinho?
Ricardo sente-se
perdido. Como gostaria que Jacira estivesse ao lado dele.
Certamente este
sentimento inexistiria. Onde ela estará? – indaga-se, completamente
fragilizado.
_ Per favore,
ferma!4- continua Giacomo ao filho. _Respeite a memória de sua irmã.
_ Respeitar minha
irmã? – soluça em meio às lágrimas. _Foi o que eu sempre fiz! Minha consciência
está limpa. Já a de vocês...- volta-se para os dois-...não carregará apenas uma
morte nas costas, mas duas.
_ Do que você está falando? – estranha Ricardo,
quebrando o silêncio.
_ ANNA ESTAVA GRÁVIDA!
_Gra...grávida??? Como as-sim? – assusta-se o
herdeiro dos Médici.
_ Ela estava esperando um filho seu!
_MEU??? Não pode ser...
_ Estava de três meses!
_ Não...um fi...filho meu? Não pode ser...Um filho
meu !!! – a revelação o estremece todo, a ponto de apoiar-se no senhor para não
cair.
_ O senhor está bem? – pergunta o patriarca, ao
perceber que ele poderia esmorecer a qualquer instante.
_ Um...um filho meu!!!!!
_ Um filho é sempre uma dádiva, a prova divina
da existência de um Deus poderoso... – diz sua mãe enquanto lhe penteia o cabelo.
_ Eu também terei filhos um dia? – interroga-a
Ricardo, na ingenuidade de seus cinco anos.
_ Sim! E serão tão abençoados como você, meu anjo!
_ Um filho...
_ Sim, um filho seu! Incinerado como a mãe, preso
pela eternidade naquele caixão...- responde Benício.
_ Não!!!Não pode ser! Nããããããão!!! – grita.
Enlouquecido, sobe a escadaria, acessa o saguão de
entrada, toma o corredor lateral, desembocando no palco, onde está o corpo da
mulher que o amou, e do filho, a obra divina que lhe seria ofertada em breve.
_ Um filho!!!! Você iria me dar um filho???? Por
que não me disse, Anna??? – pergunta, aos prantos, ignorando a nova gritaria
que se desperta do lado de fora, devido a um outro acidente.
Ao saber da morte de seu “bebê”, atropelado minutos
atrás por um caminhão, Lícia tem um desses piripaques de perua rica, só
testemunhados em cenas de novela da oito.
_ Meu Deus, meu bebê não! Nãããããããããão! Eu também
quero morrer!!!!!!! Nãããããããããããão!!!!!!!!!!! Ele não! Ele não! Coitadinho, era
meu filhinho do coração, aquele que sempre me entendia e me confortava nas
horas difíceis.
Corre até o gato.
_Como pôde isso acontecer??? Por que Deus permitiu
esta barbárie??? – pergunta a mulher, agarrando-se aos braços do marido.
_Como são as coisas. Nenhuma lágrima derramou pela
filha e pelo neto, mas pelo gato... – alfinetam duas figuras ao passarem pelos
restos mortais do bichano.
Encerra com a música: (Hello - Evanescence).
_____
1 Agora parem com isso, vocês dois!
2 Nome literário do escritor inglês Eric Blair. Nascido em Bengala, educado em Eton, e tendo atuado na Polícia Imperial da Birmânia, ele retornou à Europa para ganhar a vida escrevendo ensaios e novelas. George Orwell foi um escritor essencialmente político. Sua obra é um manifesto de ódio ao totalitarismo, à hipocrisia, à mentira e à crueldade humana. De sua coletânea, destaque-se o livro 1984, em que aparece o onipresente Big Brother, que inspirou a criação da série de TV de mesmo nome, hoje sucesso em muitos países do mundo. Morreu aos 47 anos de idade, deixando um trabalho que é leitura obrigatória para quem quiser entender um pouco da natureza política do ser humano.
3 Não é verdade, Ricardo, não sou o monstro que Benício diz.
4 Por favor, pare!
elenco
trilha sonora
Bring Me To Life - Evanescence (abertura)
Hello - Evanescence
produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela
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