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Antologia Nosso Amor: 3x03

Conto de Ella de Lune
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Sinopse: Dois homens se apaixonam no início da década de 50 graças ao poder do Cupido. O romance continuaria desconhecido até hoje se o Cupido não tivesse a estranha satisfação em compartilhar seu trabalho com a escritora - apenas narradora - que se sentiu na obrigação de compartilhar a história a seguir.

3x03 - A Bela obra de Cupido, 1950
de Ella de Lune

   Se eu lhe dissesse que o querido - às vezes nem tanto, mas sempre para mim - Cupido gosta de me mostrar as suas mais belas obras, você acreditaria? 

Bem, acredite ou não… Um dia eu me sentei à beira da janela para escrever… era um dia chuvoso, eu precisava escrever, mas nada me vinha à mente. As leves gotas de chuva eram arrastadas até mim pelo vento e, pouco a pouco, eu adormeci, com a caneta na mão. A primeira coisa que eu vi depois disso, foi um galpão cheio de ferragem e tábuas. Jurei que não era apenas um sonho, pois o cheiro de madeira enchia as minhas narinas. 

"Sente-se." 

Ouvi uma voz familiar, dizer. Era meu amigo, o Cupido. Eu nunca o vi, é fato, e ele nunca foi de falar muito, por isso, sua voz e presença eram notáveis quando à minha volta. 

"Esse é um dos meus mais belos trabalhos." - Cupido disse em meu ouvido.

Estranhei, pois ali não vi ninguém. Me sentei em um velho caixote de madeira jogado ao lado, e observei os arredores, materiais de construção amontoados em todos cantos. Fora do galpão havia grandes caminhões estacionados, carregados de materiais e equipamentos. O ar estava cheio de poeira e sujeira, além do cheiro de tinta fresca e  tábuas de madeira.  Não parecia o ambiente de trabalho mais agradável, principalmente no calor úmido do verão. Ainda não havia ninguém ali, e eu comecei a duvidar dos poderes do meu amigo Cupido. Mas então, vagarosamente, duas figuras se materializaram, como numa cena cinematográfica - à minha frente. Sentados entre troncos, estavam dois homens negros, vestidos com antigas roupas de construção, calça jeans, camisetas de algodão e botas. Não pareciam estar adequadamente protegidos, pois só possuíam capacetes para proteção. Um deles, de cabelo crespo médio e um tanto desarrumado, sussurrava algo, enquanto abria um saco de papel.

"Não é muito, João, mas dá pra nós dois." - ele disse, e foi a única coisa que ouvi.

Tirou um pão, talvez do tamanho da minha mão; dentro dele, uma solitária fina fatia de mortadela. O dividiu ao meio e entregou metade para o outro rapaz, João. Este tinha a pele ainda mais escura do que o outro, cabelo tão crespo quanto, mas curto. João não falou nada, apenas aceitou o pedaço de pão, parecendo muito envergonhado. O rapaz de cabelos longos sorriu, e eles comeram em silêncio.

Em seguida, as cenas passaram rápido e eu assisti eles se apaixonarem, como num filme de época. À medida em que os dois homens trabalhavam no canteiro de obras, eles se aproximavam, lentamente. Passavam longas horas trabalhando próximos, aprendendo sobre a vida e as paixões um do outro. Lentamente, eles descobriram que tinham mais em comum do que pensavam inicialmente. Como  a amizade deles cresceu, eles se apaixonaram pelos corações gentis e espíritos compassivos um do outro… Vi o primeiro beijo roubado por João, numa despedida no fim do dia, e também quando eles começaram a se encontrar nos fundos do armazém, entre prateleiras e caixas, compartilhando amor e afeição.

Com o passar do tempo, o amor deles só se tornou mais profundo, cada um deles ocupando um lugar especial no coração do outro. Fugiram juntos, mantendo seu romance em segredo, por medo de serem descobertos. Era um fardo difícil de suportar, mas  eles estavam dispostos a fazer qualquer coisa por seu amor. Eles aproveitaram o tempo que passavam juntos, valorizando os momentos de intimidade que compartilhavam. Mesmo em um mundo que não estava disposto a aceitá-los, eles tinham um ao outro, e isso era o suficiente para eles. O amor era oculto e, embora difícil, também era apaixonante. 

     Porém, chegou o dia em que eles foram pegos em uma atitude amorosa comprometedora, e a notícia de seu relacionamento se espalhou rapidamente pela cidade. Todos ficaram chocados e horrorizados, e ambos foram demitidos de seus empregos, por  “comportamento indecente”. 

Quando foram demitidos, não sabiam para onde ir ou o que fazer. Um deles tinha uma mãe adotiva que o apoiava e compreendia, percebendo que o amor não tinha limites,e proporcionou-lhes um espaço seguro para viver e continuar seu relacionamento. Embora tivessem que recomeçar em uma nova cidade, eles tinham um ao outro, e a mulher que esteve ao lado deles o tempo todo.

As cenas passavam, o tempo passava, eles ficavam ainda mais felizes. Não ter um emprego fixo não os incomodava, pois a felicidade de poderem viver juntos, mesmo que ainda se escondendo da sociedade, era maior que qualquer preocupação ou medo.

     Eu os vi envelhecer juntos, os vi adotarem um menininho que vivia nas ruas, os vi formarem uma família de verdade, construírem sua simples, mas aconchegante casa. Amor puro e profundo, crescendo a cada ano que passava. Demonstravam seu amor em coisas pequenas, mas significativas; como compartilhar uma xícara de café pela manhã, ou um abraço no final de um longo dia. Vivenciando cada momento. Era o que os fazia sentir que poderiam enfrentar qualquer tempestade, e lhes trazia grande conforto e alegria.  Leais e dedicados um ao outro, e ao filho adotivo.

     Conforme a cena se distanciava de mim, ainda via os dois sentados em suas cadeiras de balanço na varanda, olhando seu menino jogando bola na rua com outras crianças. Pude ver a felicidade genuína em seus rostos, a lembrança de um amor que começou tão inocentemente, que cresceu ardente e criou raízes, virando  uma grande e bela árvore… fazendo valer a pena cada segundo vivido.

      O barulho da chuva (agora forte), se fez presente diante de mim e, pouco a pouco, eu despertei, ainda segurando a caneta na mão. Agora eu tinha uma linda história para contar!  Mais uma bela obra de meu amigo Cupido.

Conto escrito por
Ella de Lune

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima
Gisela Peçanha
Paulo Mendes Guerreiro Filho
Pedro Panhoca da Silva
Rossidê Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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