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O Desbravador de Identidades: Capítulo 24

Novela de Carlos Mota
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O DESBRAVADOR DE IDENTIDADES - CAPÍTULO 24

 

Tenta ligar para o celular de Ricardo, que está desligado, então acena para um ônibus, que para.

_Não vai entrar? – grita o motorista.

_Como faço para chegar à Alphaville, moço?

_Alphaville? Tá longe, hein? Pois suba, que lhe explico durante a viagem.

_Claro, italiano! Sabia que não iria me decepcionar – diz, Leonardo, pelo celular. _ Não é porque mudou o governo que você deixou de ser influente no meio político. Que coisa! Mesmo falido, muitos ainda o consideram um canastrão de primeira grandeza - espezinha._ Mas vamos ao que interessa, de onde partiu a ligação? Da zona leste? Tem certeza? Passe o endereço. Vamos! Ok! Anotado. Até o final do mês receberá o bônus prometido... Ah, e mande um abraço a Lícia! Diga que também estou penalizado pela  morte do ER...ER...Er...o que mesmo?

_Ernesto! Stronzo1!-  altera-se com a ironia do patriarca dos Médici.

_Olhe o respeito! Hum! Mas de verdade, nunca estive tão comovido pela perda de uma criatura tão dócil como o tal do Ernesto – contém-se para não gargalhar, sendo acompanhado pelo chofer, que só não explode em risos porque segura a boca com as mãos. _Que dó!

Desliga o telefone e não se aguenta.

_Um gato, chofer! Onde já se viu isso? Se fosse meu, passaria por cima dele umas cinco ou seis vezes, e uma sétima para garantir que não voltaria a este plano, ou não é esta criatura que tem as tais sete vidas?

_Pois o senhor é fogo! - dá-lhe um tapinha nas costas, cheio de graça, para a estranheza do patrão, que o repreende com veemência.

_Que intimidades são essas? Pois se afaste! De pobres não gosto nem do cheiro. Gentinha atrevida! – corre a mão direita pela roupa, num movimento repetitivo, como se a limpasse das impurezas do homem.

_Desculpa aí, senhor! Força do hábito! Sabe como é, essa história é muito hilária, parece um daqueles casos do Programa do Ratinho.

_ Pronto! Agora vai falar do lixo da tevê, só me faltava essa...

Marcos ri feito uma hiena, para a ira do homem, que lhe dá um berro. Assustado, se cala.

_Melhor assim! Pois agora vamos o que de fato interessa. Aqui está o endereço daquela praga.

_ Do tal bombeiro?

_Não! Da cova da minha vó!- enerva-se. _É claro que é dele, de quem mais seria?

_Credo, patrão! O senhor está muito agitado, muda de humor como quem muda de homem, ops, saiu sem querer, foi mal.

_Marcos, Marcos, não abuse de minha paciência, não me custa pegar uma arma e dar cabo de sua vida...

O homem exibe um sorriso amarelo.

_Prepare minhas coisas, vamos embora!

_ O senhor irá até a casa do dito-cujo?

_Por que o espanto? Quero vê-lo diante de mim, com a face alterada pelo medo, a voz trepidante, se possível de joelhos, implorando para que o deixe viver aquela vidinha miserável. E bote miserável nisso! A coisa não está boa para aquelas bandas não; deixar Santana, na zona norte, para se esconder na zona leste, o epicentro da pobreza paulistana?

_Deixe-o em paz, senhor! Ele...ele...sei lá...depois de tantos anos, bateu uma pena...

_Pena? E desde quando um bandidinho feito você tem piedade de alguém? É ou não é um matador implacável? Do modo como fala, parece mais uma daquelas maricas...

_...maricas, eu?- indaga, ofendido. _ Sô é muito macho!- rebate.

_ A não ser que esteja me escondendo algo... – insinua.

_Nem no sonho! – disfarça. _ Sou-lhe fiel até a morte!

_Espero! Porque sabe como terminam aqueles que ousam atravessar meu caminho sem pedir passagem...

_Se sei... debaixo da terra, comido pelos vermes – completa.

_Isso aí, meu garoto! Agora pegue minhas coisas e vamos, não vejo a hora de botar a mão naquele traste, será uma cena épica, de tirar o fôlego.

_E o que fará com ele? Vai mesmo...- não completa a frase.

_...depende! – sorri. _ Se ainda prestar para alguma coisa, tudo pode mudar de figura, porque ele, apesar de tudo, é apetitoso, se é que me entende.

_Coitado! Levará um  choque quando o vir – pensa, receoso. _ Aquilo lá nem Freddy Krueger encararia.

_ Aonde está indo, senhor? – inquire a enfermeira, entrando no quarto. _ O médico ainda não o liberou.

_ Mas o administrador do hospital sim, portanto, deixe-me passar, odeio ficar de prosa com pessoas de poucos miolos.

_Ainda precisa de cuidados médicos, aguarde o doutor passar, estando tudo certo, irá para casa com toda a segurança - diz a mulher, relevando as ofensas.

_É mesmo, patrão! Ela tem razão! – tenta protelar o encontro dele com o bombeiro. _ Vai que ao virar a esquina, uma veia se parte e o senhor cai duro feito uma pedra.

_É o que deseja, né, criado? Assim se veria livre, como os negros da senzala.

_Imagine, homem, estou apenas preocupado com suas condições.

Acaba convencido.

_E quanto tempo este infeliz demorará?- pergunta à enfermeira. _ O tempo urge!

_Está a alguns leitos daqui, vou pedir que se apresse.

_Aqui é casa dos Médici? – pergunta a senhora, visivelmente exausta, num vestido de chita vermelho,  envolto por um cinto marrom, com sapatilhas bem gastas, em que se é possível notar um furo num dos pés.

_Quem está querendo saber? – pergunta o jardineiro, encarando a mulher.

_Preciso falar com o garoto... É urgente!

_ A senhora é do sindicato? Se for, vá registrando, aqui a gente trabalha igual camelo... Acredita que me pediram para dar um jeito no jardim de madrugada?  Bobo que não sou, anotei tudo num caderninho, pois quando me mandarem embora, meto-lhes na Justiça. Oh gente ruim! Tá pra nascer outra igual.

_Não sou do sindicato, homem, quero apenas trocar uma palavrinha com o menino...

_Com seu Ricardo? Difícil, hein! O bicho é fera, bebe de dia e se esbalda de noite com a mulherada sem credencial.

_ O que cê tá falando do moleque? – indaga Jacira, furiosa, aproximando-se. _ Coloque-se no seu lugar, sua “cascacu” de beira de rio.

_Cascacu? O que é isso? – pergunta a mãe de Gabriel, respirando fundo de tanto cansaço.

_Mistura de cascavel com surucucu. Esse bicho – aponta para o jardineiro-  é pior que o chofer, tem a língua do tamanho do mundo, de um veneno que mata na primeira gota. Pois saia daqui, antes que...que...lhe quebre este rastelo na cabeça! – volta-se para a senhora: _ E o que quer com minha cria?

_Cria? – admira-se. _Mas...mas...mas me disseram que ele não tem mãe.

_Modo de dizer, dona! Tô vendo que o sol está lhe afetando a cachola.

_Nem sol tem, só um fiozinho de nada – intromete-se o homem.

Jacira saca-se de um pedrisco e lhe acerta a panturrilha com prazer.

_Credo! Vou procurar o sindicato, isso é tentativa de homicídio.

_Procure quem você quiser, se não tá contente, tome o caminho da rua, seu velho de língua solta. Desculpe dona -retoma a conversa com a     mulher- , mas sobre o que estávamos conversando?

_Preciso falar com o garoto, o tal de Ricardo.

_E pra quê? Por acaso ele fez barriga na sua filha? Se for isso, dê meia volta, procure um bom advogado e tente algo na Justiça, porque esse peste é triste, se bobear, metade das crianças que nascem em São Paulo podem ter o sangue dele. Para quem será que puxou? – empina a cabeça, pondo a mão na cintura. _ O pai é fruta, ops, modo de dizer...

_Senhora, o caso é sério, ele corre risco de morte.

_Oxi! Como assim, Suzicreide?

_Meu nome não é Suzicreide não, é...

_Entendi, mas vá direto ao assunto, quem é a senhora?

_Sou...sou – sente medo de se revelar...

_Pois fale, dona! Ninguém aqui morde não!

_Sou a mãe de...de... Gabriel.

Jacira arregala os olhos e perde as palavras.

_Preciso muito falar com ele, por favor! Vim da zona leste só para avisá-lo de que lhe tramam pelas costas.

A empregada abre o portão e a conduz até a cozinha.

_ Pois abra o bico, sou toda ouvidos.

_Preciso falar com ele...

_Falando comigo estará falando com ele.

_Tem certeza?- pergunta, ressabiada, retirando o sapatinho, de onde se avista um calo no dedo mindinho. – Desculpe, meus pés não me perdoam, pudera, me perdi no caminho, acabei por andar quase três quilômetros...Vida de pobre não é fácil, né?  Nem com o metalúrgico na presidência conseguimos pagar um táxi.

_Tome um chá de camomila, vai aliviar o peso do corpo – serve-lhe em uma xícara de porcelana._ Agora me conte tudo. O que a trás mesmo aqui? Desembuche!- exige, com a face fechada.

E a história toma forma.

_E meu filho está entre a cruz e a espada, porque se meteu com essa mulher do cão, que exige que ele faça mal ao próprio sobrinho.

_Tinha de ser aquela girafa de jaleco. Que mulher intragável! Se a encontro agora, desço-lhe o porrete.

_Calma, senhora! Ela é muito perigosa! Se souber que estou aqui, manda dar fim em todos nós.

_Pois aquela bisca já me é conhecida, dona! Mas me diga, por que seu filho se presta a tal maldade? – testa a mulher.

_Gabriel se perdeu pelo pai deste garoto, foi um amor obsessivo; de uma hora para outra, só existia esse tal de Leonardo. Todos os princípios de que lhe ensinei foram por terra, como se este homem lhe fizesse uma lavagem cerebral. A gente até tenta sinalizar quando algo está errado, mas quem segura um homem-feito? Eles só ouvem o próprio coração! O resultado está aí, doente como nunca, com a vida por um fio – enche os olhos de   lágrimas. _ Se eu pudesse voltar no tempo, teria me mudado desta cidade, ido para algum canto deste país e o arrastado à força, mas não, como uma tola, deixei que ele mesmo conduzisse sua vida, porque, no íntimo, tentei acreditar que em algum momento cairia em si e esse amor, na forma de uma doença, encontraria sua cura. Eu estava completamente errada e agora pago por isso.

_Não se culpe, os filhos são assim mesmos, só nos dão valor quando são pequenos; ao crescerem, esquecem-se de tudo. Mas a senhora não me respondeu ainda, diga, por que ele se presta a isso?

_Meu menino-homem foi violentado e espancado, mulher, sabe o que é isso? Quando o vi naquele hospital, pensei que seria a última vez, mas graças à minha santinha, ele sobreviveu, ainda que muito diferente daquele homem que eu trouxe à vida. O Gabriel de outrora está morto, eu sei disso! Mas o que ainda vive naquele corpo, de alguma forma, carrega parte dos sonhos daquele que se foi, por mais que ele não acredite nisso – arfa. _ Pois então, segundo ele, só não foi à deriva porque ela o salvou. Deve gratidão!

_Ela...ela... como assim? Que eu saiba, não foi ela não!- solta-se, causando estranheza à mulher, que se segura na cadeira para não cair. _Não foi Márcia que o salvou, ela não seria digna de um gesto desse.

_Agora estou confusa! Como a senhora pode ter tanta certeza? Faz muito tempo...

_Dona Nathalia, o que faz aí? – sussurra-lhe a serviçal, flagrando-a com os ouvidos presos à porta do escritório.

Ela faz um gesto para que fique em silêncio.

_ ...Quero esse infeliz estirado ao vento o quanto antes...Hum! Terá o castigo que merece por ter me tratado como um qualquer. Sou Leonardo Médici, dono de metade desta cidade e não será um Gabriel da vida que me fará venerar os vermes que estão a fenecer nas entranhas daquele morro – diz Leonardo a Marcos, pelo telefone.

Ao ouvi-lo se levantar da cadeira, Nathalia se afasta, puxando Jacira consigo.

_Ei, o que foi, senhora? Está pálida como os mortos.

_Morto estará aquele rapaz em poucas horas, se eu não fizer nada.

_Que história mais maluca é essa?

_Jacira, minha amiga, eu ouvi, Leonardo mandou matá-lo – indigna-se. _Que homem é esse que eu trouxe para dentro de minha família?

_Matar...matar quem?

_O tal do bombeiro! Ele ordenou que...não entendi direito...parece que Marcos vai lhe dar um fim lá na favela Pantanal...acho que é isso...

_Ainda bem! Assim diminui a concorrência – brinca a empregada, não levando a sério as palavras da patroa.

_Pare com isso! Às vezes a desconheço! Como pode se deliciar do sofrimento alheio? Aquele rapaz...- corre as mãos pelos cabelos- ... é até difícil de dizer, mas ele ama mesmo o meu marido, e por ele é capaz de  tudo, assim como qualquer outra pessoa apaixonada.

_A senhora o está defendendo? Ele trouxe a discórdia para dentro desta casa.

_Se não fosse ele, seria outro ou outros...Nada mais me abala!

_Que coragem a sua, pois se fosse meu Zezão, eu lhe partia ao meio, pois homem com homem dá jacaré, minha filha... ops, desculpe, foi sem querer – faz uma gracinha.

_Eles vão matá-lo! Tenho de fazer alguma coisa! Sinto isso!

_Ligue para a polícia!

_E quem daria importância a isso? Os gays são o escarro de uma sociedade adoecida, diriam os hipócritas, os mesmos que com uma mão afagam e a outra apedrejam.

_Falou bonito, apesar de eu não entender quase nada, pois sabe, só tenho o primário.

_Quero dizer que a pessoa que se declara gay, perde, de algum modo,  todos os seus direitos, passando a inexistir a uma parte da sociedade que se acha melhor que a outra. Mas não concordo com isso, sei que ele errou muito, mas condená-lo, ah, isso não!

_ A senhora tem um coração encantador- admira.

_Sou apenas alguém que compreende o sofrimento do próximo, porque deste tema, você sabe, eu entendo muito bem.

_E o que pretende fazer? Com as poucas informações que possui, não conseguirá evitar o assassinato, a não ser que...

_...fale! No que está pensando?

_Espere! Marcos me falou alguma coisa de favela Pantanal...me ajude, Suzicreide... É isso!- estala os dedos. _ Ele foi criado no  morro, de onde acabou perdendo o caráter - não pela pobreza do lugar, mas por não prestar mesmo.

_ Ele lhe contou isso do nada?

_Não! Dias atrás tomou umas e outras e soltou o verbo, tive de ouvir até não aguentar mais, fora o bafo de bode... Ainda tá no meu nariz!

A porta do escritório se abre.

_Nathalia, minha deusa, o que faz ainda aqui? – o cinismo de Leonardo é surreal.

_Oh, meu querido, acredita que esqueci minha bolsa no clube? Pois me ligaram! Como são gentis, não?

_Também, pelo preço que cobram por nossa associação, era de se esperar. Mas se quiser, eu a pego amanhã.

_Imagine! Faço questão de buscá-la...

_E por quê? - estranha._ Não está tarde?

_Estou com uma dorzinha de cabeça, acho que é pela falta de meu remédio para a tireoide. Só agora me lembrei que ele está na bolsa, que coisa chata.

_Compre outro!

_Não! Não precisa! Não custa nada ir até lá. Se toda vez que eu o esquecer, você comprar uma nova caixa, daqui a pouco teremos um estoque a perder de vista – dá um risinho sem graça. _ Ricardo já está dormindo, vou com meu carro, aliás, vou pedir ao Marcos que me leve...- provoca.

_O Marcos? – assusta-se. _ Ele não pode!

_ E por que não, amor?

_Pediu o carro emprestado para levar uma garota ao cinema. Imagine só, e desde quando pobre consegue acompanhar legenda? – gargalha. _ Só entendem filmes do nível de Os Trapalhões e olhe lá!

_Estou aqui, seu Leonardo! – alerta-o Jacira, incomodada.

_Foi apenas uma brincadeira...

_...e de muito mau gosto! – completa Nathalia._ Estou indo, não devo demorar!

Dá-lhe um beijo forçado, daqueles de causar náusea.

_Vou me deitar, ando muito cansado, deve ser o estresse do trabalho. Se me encontrar dormindo, não se zangue, por favor!

_Imagine! Sei o quanto se dedica às empresas...

Ele sobe as escadarias.

_E agora, dona Nathalia, como o encontrará? Nem sabemos onde fica este tal de Pantanal! Melhor desistir dessa ideia.

_E se perguntarmos para o jardineiro? Ele sabe de tudo! Oh homem da boca grande.

_Nem pensar! Espere! – as ideias lhe achegam-, tem um tipinho que conheci no rala coxa, que me deu o telefone dele; pelo que entendi, trabalha com frete, talvez saiba onde fica este lugar. Aguarde aí. Usarei de meu charme, Suzicreide!

Minutos se passam...

_Pois é isso mesmo! O lugar é longe! Aqui está o caminho, marquei no papel, mas já vou avisando,  sou meio burra com o português.

Ela a agradece com um leve beijo na face. Determinada, sai pela noite atrás do rapaz, quer evitar que mais alguém termine como ela, com o coração esfacelado e a alma adoecida. Corre contra o tempo, atravessa a marginal, sobe o viaduto, entra em outro corredor, desemboca em uma longa avenida, de onde segue em alta velocidade. A bela cidade vai ficando para trás e uma outra, castigada pela pobreza, surge no horizonte. Tudo isso para que Gabriel tenha o direito ao recomeço, algo que não teve coragem de pleitear, mesmo sendo traída tão descaradamente. Ao se aproximar da favela, ouve os tiros, o tráfico se faz presente e arrepia. Param o carro dela.

_Mas o que uma gostosa como a madame faz aqui a essa hora? Quer o quê? Erva ou pó? Fale, princesa!

_Eu...eu...eu...quero...- treme-... preciso encontrar um amigo.

_Como assim? Por acaso aqui é algum ponto de encontro? Pau d’água – grita pelo outro criminoso- , chega mais, irmão!

_Qui cê qué, truta? – pergunta, encarando a mulher. _ E aí, tá a fim de uma? Pago em pó! Se é chegada, terá por toda uma noite.

_Desculpe! Preciso encontrar um amigo – insiste.

_Amigo? – zomba. _ Todu mundo aqui é amigo, né, não, Pangaré?

_Certeza, mano!

_Pois é bão a dona i sortando u verbo – retira uma arma da cintura-, devi di sê uma polícia, do jeito qui fala, nessi carrão chiqui, não tem como negar.

_Não sou da polícia! Preciso encontrar um amigo... me ajude! – abre o porta-malas, de onde retira uma pequena fortuna em cruzados. _ Tome, seu... seu...esqueci o seu nome...

_Pau d’água, muié!

_Pegue tudo, é seu! Desde que me ajude! E se tudo der certo, outra quantia o estará à espera, assim que eu o retirar daqui.

O rapaz conta o dinheiro, desconfiado.

_I quem é seu amigo, dona?

_Ele veio com Marcos.

_Eita! É o nóia que nós deu conta agora há poco – alerta Coronel. _ Deixe isso pra traiz, o Faísca não vai nos perdoá quando sabê.

_Dobro o valor! – a mulher parte para o ataque.

_Sei não! – coça a cabeça.

_Seu Pau d’água, me ajude, o rapaz precisa de mim, por favor. Triplico a oferta.

Os olhos dos marginais reluzem na escuridão.

_A dona é muito corajosa, nóis podia furá sua testa e ficá com tudo, sem precisa fazê nada!

_Mas não farão isso, tenho certeza! São “homens de bem”, verdadeiros cavalheiros da madrugada, que mesmo enfrentando as maiores dificuldades da vida, estão sempre juntos, buscando honrar a palavra e o respeito entre os semelhantes...Vejo isso nos olhos de vocês! – Nathalia se arrisca, tentando conquistá-los por meio de um vernáculo cuidadosamente arquitetado.

_Uau! – aplaude Pau d’água. _Gostei dessa muié! Genti fina! Falô poco mais falô bunito!

_ Posso contar com vocês? O tempo urge!

Convencidos, indicam para ela a rota para se chegar ao lugar.

_Alguma coisa aprendi com Márcia... Massageie o ego de alguém e ele fará tudo o que você disser! – diz, consigo mesmo, vendo-os sumirem pelo retrovisor.

A escuridão é perversa, parece ter olhos, um maior que o outro, que se levantam do nada e logo se deitam. Próximo do casebre, abaixa o farol; ao constatar que Marcos não estava mais lá, para. Ao descer, avista Gabriel desfalecido, com o corpo todo ensanguentado. Passa a mão pela face, limpa o suor, olha para o céu, desacreditando no que o marido fora capaz de fazer a quem também jurou amor eterno. E com as forças de um Hércules, o puxa para dentro do carro, não se importando com o sangue, que escorre por todo canto.

Assim que o acomoda no banco de trás, desce o morro, passa pelos bandidos, dando-lhes uma pulseira de ouro, o triplo do valor prometido, acessa a uma avenida no meio do nada e desaparece. No primeiro hospital que encontra, deixa-o, sem se identificar. Foi a última vez que o viu, antes de morrer, alguns meses depois.

_Então foi ela que salvou meu filho? Misericórdia! E aquela mulher se posando de heroína todo esse tempo? Coitado do Gabriel!- ela chora ao término do relato da empregada. _De novo enganado, até parece um castigo – limpa a face com a mão. _Ele só salvava vidas, dona, não merecia este fim.

_Pois é –  Jacira se compadece do sofrimento da mulher. _ Na verdade, seu filho fora mais uma vítima de seu Leonardo. Uma entre tantas.

_Temos de fazer alguma coisa, ela planeja dar um fim no garoto, veja só, no próprio sobrinho...

_ Pois nele não tocará um dedo, eu prometo!

_Mas...mas...como a impedirá? Ela é louca, tem um espírito carregado, por onde passa, destila um veneno letal. Quando eu estava ao lado dela, senti uma coisa tão ruim... Só de relembrar, já me arrepio toda!

_ Sei do que está falando, sinto a mesma coisa, talvez um pouco pior, como se a gente fosse dois fios desencapados, pronto para dar curto. Mas não se preocupe, daquela bisca eu dou conta – o pensamento alcança a arma que está no quarto de Leonardo._ A senhora pode ficar em paz, vou pôr um ponto final nessa trama maquiavélica e salvar o meu moleque e o seu filho das garras daquela megera, senão não me chamo Jacira, né Suzicreide? – promete, enquanto fixa os olhos no rapaz, que no sofá, encontra-se mergulhado em um sono profundo.

_Oi, querido!- Márcia atende o celular. _ Fale, amor! Como? Leonardo está indo para a casa de Gabriel? Não! Não deixe, Ronaldo! Precisa impedi-lo, o plano está fluindo, logo teremos o sangue do filho dele em nossas mãos. Tente, invente, faça algo que o demova deste pensamento.

Encerra com a música: (My Immortal - Evanescence).

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1 Idiota!



autor
Carlos Mota

elenco
Ricardo Tozzi como Ricardo Médici
Carmo Dalla Vecchia como Leonardo Médici
Guilhermina Guinle como Nathalia Médici
Solange Couto como Jacira
Charlize Theron como Márcia Médici
Vladimir Brichta como Marcos
Camila Queiroz como Anna Ferrara
Sílvia Pfeifer como Lícia Ferrara
Gabriel Braga Nunes como Giacomo Ferrara
Matheus Costa como Benício Ferrara
Christyano Augusto como Gabriel 
Cissa Guimarães como Mãe do Gabriel
Cacá Amaral como Jarbas
Tonico Pereira como Jardineiro Luís

1ª Fase:
Fiuk como Ricardo Médici

trilha sonora
Bring Me To Life - Evanescence (abertura)
My Immortal - Evanescence

com ilustrações de
Andrea Mota
Daniel Ubirajara


produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela

Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


REALIZAÇÃO


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