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Cine Virtual: Pântano de Solidão

Conto de Carlos Ferreira
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Sinopse: Aluísio é convidado a ir ao show de uma banda nacional e compreende o verdadeiro sentido da vida.

Pântano de Solidão
de Carlos Ferreira
 

         Lá fora a noite era fria e silenciosa. O relógio dependurado sobre a parede do quarto apontava onze e vinte da noite. Estava já deitado quando o tic tac do relógio chegou aos meus ouvidos, anuviando meus pensamentos, como se quisesse chamar-me para uma vocação. Ao passo de dois minutos, o telefone tocava:

   — Você vai conosco?

  — Claro que vou! — Respondi.

       A ligação que interrompera minha terna meditação fora feita por Francisco, meu antigo amigo dos tempos do colegiado. Convidara-me para um show de uma conhecida banda nacional. Logo após findar a ligação, retornei ao meu leito de repouso, tentando embalde mergulhar na inconsciência do sono. Ao longe, uma triste música atravessava a noite, sucumbindo o silêncio que pairava sobre a quietude da madrugada. Levantei-me, fui até a janela e dali pude vislumbrar o cativante brilho da lua cheia, a qual iluminava um grupo de garotos, que exprimiam gargalhadas estridentes pelas ruas, correndo ao vento, sem nenhuma vergonha de serem felizes:

     “ Mas por que estão assim tão felizes? ”, pensei comigo mesmo enquanto fitava-os pela janela. Subitamente, enquanto recordava as enfadonhas indagações da filosofia, vi-me a imaginar ou talvez a pensar em que se baseava a vida, em que subsídio estava alicerçado o seu sentido?

     “ Que bobagem”, penso comigo mesmo. “A vida é apenas é uma pergunta sem resposta, sem sentido”. Fechei a janela e voltei para a cama; contudo, os pensamentos também vieram comigo, trazendo nas suas inquietações, perguntas que se revelavam extremamente desconfortáveis.

       O sono parecia ter fugido, deixando em seu lugar os intermináveis pensamentos, que iam e viam na minha cabeça como as ondas que se oscilam no mar. Quando já parecia que iria dormir, ouvi algumas batidas na porta:

   — Senhor Aluísio! — Chamava-me apressadamente.

           Quando abri a porta, vi um rosto que não esperava ver no primeiro instante do dia:

    — Senhor Aluísio, o seu aluguel está atrasado há dois meses...

    — Dona Belga, prometo que hoje mesmo consigo esse dinheiro!

    — Aluísio, há tempos que você me fala isso!

Enchendo a voz de eloquência, completei:

    — Mas desta vez é diferente, consegui um emprego...

   — Sinto muito! Mas se não conseguir, infelizmente terei que despejá-lo...

            “ Despejar”, penso em voz alta. Mas o que seria um despejo para alguém que se sente infeliz? Sem rumo, sem direção? Porém não há tempo para pensar, para responder as indagações da filosofia. O relógio anuncia que já são sete da manhã e que preciso correr ao trabalho, caso contrário chegarei atrasado exatamente no primeiro dia.

      Enquanto caminho, observo a movimentação das pessoas que entram e saem dos ônibus lotados; caminham displicentemente, apressados, indiferentes as dores ou adversidades do outro. O tempo passa rápido, os segundos caminham apressadamente.

      Corro para bater o ponto, porém, não há tempo: atrasei-me no meu primeiro dia de trabalho:

      — Mas que azar! Será que quebrei algum espelho? Será que matei algum gato preto?

       Algumas pessoas me olham assustadas. Talvez pensem que sou louco, ou talvez quem sabe, estejam apenas se compadecendo do meu estado de infelicidade. Apesar do atraso, consegui receber um adiantamento, o qual serviria para quitar os meses atrasados do aluguel. Aquele capital atenuara consideravelmente a tensão que atormentava meu coração. Agora voltava mais tranquilo, ou até mesmo, mais alegre, mas feliz...

  “ Acho que agora entendi porque aqueles garotos estavam tão felizes naquela noite... certamente estavam munidos com muitos maços de dinheiro”. Aquele pensamento me fez concluir em fração de segundos que o dinheiro sustentava o sentido da vida. “ Esse é o sentido da vida: ter dinheiro”. “Se tenho dinheiro, logo sou feliz”.

       Cheguei em casa, e enquanto tirava os sapatos, ouvi o telefone tocar novamente:

   — Então, Aluísio... está tudo certo para o nosso show hoje à noite?

    — É claro que estar! Nos encontramos às nove.

         Agora os segundos não andam, correm, fogem da monotonia da vida. A euforia invade as entrelinhas tortuosas da minha alma, criando em mim uma infindável expectativa de ir ao show.

        Disco apressado o número do táxi. Este não demora, em poucos instantes aparece na frente do meu quarto, pronto a levar-me embora daquela realidade.

— Vá devagar, por favor! — Peço ao motorista com a voz embargada.

       Enquanto o automóvel se movimentava, meus olhos fitavam as estrelas no céu. Aquelas distribuíam alegremente seu brilho pela infinita extensão da Via-Láctea. Procurava em seu brilho um escape que pudesse sofrear o vazio que sucumbia minha efêmera felicidade.

        Antes mesmo de abrir a porta do táxi, um braço apalpava os meus:

      — Até que fim Aluísio! Pensei que não viesse.

          Pago o táxi e respondo:

      — Não tive culpa! O taxista é mais lento que uma tartaruga.

        Francisco estar eufórico; parece que aquele será seu último show, seu último acontecimento de vida:

     — E vamos depressa...quero ficar na frente!

      A euforia de Francisco valia por duas, assim como a tristeza que permeava minha alma valia por dez. Ele vai na frente, caminha apressado, mais parece que irá pegar um trem do que esperar um show. Diferentes do seus, meus passos são lentos, análogos ao caminhar de um condenado que anda melancolicamente rumo ao ponto da condenação. Vislumbro atentamente toda aquela movimentação; sinto-me fustigado, pois embora estivesse cercado por centenas de pessoas, sentia-me como se estivesse em um deserto. Naquele momento meu corpo se fazia como oásis no deserto, indiferente a toda aquela sequidão.

      No decorrer do show, todos pulam, gritam, extravasam estridentemente:

   — Vai ficar parado aí? Perguntou-me Francisco.

  — Estou ainda me aquecendo — respondi ludicamente.

      Francisco volta ao seu mundo, ao mundo da aparente alegria. Pego-me outra vez pensando no sentido da existência:

  “ Será este é o sentido da vida: pular, gritar, correr, extravasar”. Talvez sim, eles parecem ser tão felizes. Concluo então: “o sentido da vida não estar em ter dinheiro, o sentido da vida se baseia em pular, gritar, curtir a noite”. Entrego-me, então ao show, junto-me a Francisco, na sua euforia quase palpável. Esqueço da vida, do seu sentido, esqueço até mesmo que terei que trabalhar no dia seguinte.

      Finda-se o evento; as luzes começam a se apagar. Somente as luzes das estrelas ainda brilham. Francisco está aparentemente bêbado, assim como muitos que estão ali:

     — Essa noite foi única, Aluísio!

     — Realmente!

     — Quando iremos marcar a próxima?

      — em breve — respondo tristemente.

        Despedimo-nos ali mesmo, já que Francisco tem as pernas trêmulas de tanto pular. Entro no táxi a despedir-me do meu velho amigo:

    — Até a próxima!

       Ao entrar no carro, peço que o motorista vá o mais rápido possível. Minha cabeça estava a girar, meu corpo pedia repouso. O motorista tentava principiar uma conversa, mas o cansaço não me permitia continuar. A exaustão sufocava minhas palavras, silenciando-as num pântano de solidão.

     Quando cheguei no quarto, ainda estava escuro. O relógio ainda não despertara. Deitei-me sobre a cama, permitindo que o cansaço me abraçasse amigavelmente. Naquele momento não havia pensamento que fosse capaz de sucumbir minha exaustão.

      O despertador toca, interrompendo assim meu descanso. Levantei-me, andei até a janela (não desliguei sequer o despertador), abria-a e olhei para o céu; todavia, diferentemente das outras vezes, não vi estrelas, mas sim o sol, que através do seu intenso brilho, transpassava-me a certeza de que a vida vai muito além de ínfimas emoções, de efêmeras euforias. Ensinou-me que é necessário vivê-la sem reservas, de sorte a viver o hoje como se o amanhã não existisse, pois, a vida é tão frágil quando um brilho de uma vela, é tão passageira quanto uma nuvem no céu, e é tão linda quanto um pôr-do-sol.

Conto escrito por
Carlos Ferreira

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima Eliane Rodrigues
Francisco Caetano
Gisela Lopes Peçanha
Lígia Diniz Donega
Márcio André Silva Garcia
Paulo Luís Ferreira
Pedro Panhoca
Rossidê Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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