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Cine Virtual: A Padaria D. João VI

Conto de Ricardo de Goes Correia
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Sinopse: Num fim de tarde, o dono e o chapeiro da Padaria D. João VI se encontram após o expediente. O que eles fazem lá? E o que isso pode ter a ver com o maior jogador de futebol português de todos os tempos?

A Padaria D. João VI
de Ricardo de Goes Correia
 

Terça-feira, fim de tarde.

Manuel estava sentado atrás do caixa, com um cigarro crestando no canto da boca, enquanto lia seu jornal (em papel mesmo, para que ninguém desconfiasse). Uma mosca, daquelas malditas que infestavam sua padaria, fez o favor de aterrissar no campo de pouso de sua calvície.

Enrolou o jornal e tentou acertá-la, acertando apenas a si mesmo. A mosca, gorda e verdolenga, zumbiu pesadamente pra lá e pra cá, terminando por pousar sobre a mancha de gordura da regata branca que Manuel usava, bem na ponta de sua adiposíssima pança.

Quase como se o desafiasse.

Tentou acertá-la novamente, conseguindo apenas uma série de ondulações gelatinosas em sua protuberante massa abdominal. A mosca voou lentamente, como alguém que se farta da diversão, para fora da padaria “Dom João VI” e para o ar quente da rua daquela periferia da zona leste de São Paulo.

- Ó, pá! Mosca maldita! Ainda te pego!

Foi, então, interrompido por Miguel, o chapeiro. Tão velho e tão português quanto Manuel, Miguel colocou o último copo da louça que lavava no secador e disparou, enquanto olhava para o avental engordurado:

- Chefinho, acredito que já está na hora de nos escafedermos daqui. Já faz meia hora que o último cliente se foi.

Manuel olhou o relógio. Tinha razão, mas mesmo assim lançou um olhar resignado para Miguel.

Um pouco para mostrar quem manda. E um pouco para manter o disfarce dos dois perante os demais funcionários.

Miguel entendeu o sinal, e começou a gritaria do final do serviço. O fim do dia na Padaria D. João VI tinha mais ou menos o mesmo clima de agitação do que o pico de uma feira livre de rua, com muita gritaria e movimentação.

Guarde aquilo ali. Passe um pano naquela sujeira. Coloque aquilo na geladeira! – Gritava o alto e magrelo Miguel, enquanto caminhava pela padaria.

Foi durante essa algazarra que um garotinho, aparentemente de rua, parou na frente de sua padaria e ficou procurando Manuel.

O velho português colocou seus óculos fundo de garrafa, espremeu-se para sair da cabine do caixa e veio até ele.

- Que queres, gajo?

- Ô tio, o tio da padaria lá do centrinho me falou pra te entregar isso aqui. Falou que era pra entregar pra um velho baixinho e gordo de bigode, acho que é o senhor né?

Manuel bufou, tentando carbonizar o garoto com os olhos. A única coisa que conseguiu foi ficar vermelho.

Era um saco de pão da luxuosa padaria Windsor, que ficava a um ou dois quilômetros dali. Era o oposto da D. João VI: grande, vistosa, luxuosa e sempre cheia de clientes. E os clientes eram ricos também. Manuel agitou os bigodes.

Pegou o saco de pão e abriu. Como esperava, em seu interior havia... pão francês.

- Já me entregaste, agora vá-se.

- O tio falou que eu ia ganhar um trocado aqui. – disse o garoto, num olhar que transitava entre a desconfiança e a esperança.

Manuel irritou-se. O dono da Windsor tinha muito mais dinheiro que ele pra pagar essas entregas. Espremeu a pança pra entrar na cabine do caixa, fuçou nas moedas, espremeu pra sair e jogou-as na mão do pivete, que saiu correndo.

Guardou o pão para mais tarde.

Desceu as portas de enrolar, despediu-se dos funcionários.

Esperou alguns minutos na calçada, aguardando os outros funcionários irem embora, e entrou novamente na padaria.

Miguel chegou alguns minutos depois. Tinha dado uma longa e lenta volta no quarteirão, para que todos fossem embora e os deixassem a sós. Entreolharam-se, com um ar de cumplicidade e confiança mútua.

Aproximaram-se um do outro.

- Estás pronto? – perguntou Manuel.

- Estou. – respondeu Miguel, alisando a ponta do bigode.

Manuel então comprimiu a banha para entrar na cabine do caixa, e no teclado da caixa registradora digitou uma longa sequência numérica, de cabeça.

Um luz vermelha começou a piscar no escuro da padaria, e uma série de cortinas metálicas desceram do teto, cobrindo totalmente as janelas da padaria. Uma segunda camada de portas de aço também surgiu do solo em cada acesso da padaria. A D. João VI agora era uma caixa forte, impenetrável.

Manuel contraiu o abdômen para sair da cabine do caixa novamente, enroscando-se um pouco dessa vez, e caminhou até a cozinha, seguido por Miguel.

Diferente do encurvado velho ranzinza que demonstrava ser segundos atrás, agora ele caminhava com altivez e segurança.

Lá na cozinha, luzes de LED indiretas inundaram o ambiente (enquanto as velhas lâmpadas incandescentes permaneceram apagadas), e um dos sujos e enferrujados fornos de pão deslizou para o subsolo e foi substituído por um reluzente armário metálico, que se abriu automaticamente, num ruído pneumático, revelando uma série de armas e equipamentos eletrônicos cuidadosamente arranjados.

A pia da cozinha despencou vinte centímetros para o subsolo, as torneiras desapareceram para dentro da parede, liberando espaço para um painel metálico repleto de botões que surgiu num giro dos azulejos.

O outro forno girou em torno do próprio eixo, revelando uma TV de plasma ou LCD gigantesca.

- Trouxeste o saco de pão? – perguntou Manuel.

Miguel então esticou o braço, revelando o saco de papel marrom. Quando foi abrir, Manuel segurou sua mão com uma agilidade inimaginável, como num golpe de caratê.

- Segurança, meu caro Miguel.

Miguel resignou-se, e voltou a afilar os bigodes.

Manuel pegou o saco de pão de sua mão e levou-o até um microondas. Colocou-o lá dentro, fechou a porta e apertou um botão. Raios laser correram lá dentro, em todos os sentidos possíveis.

A tela revelada atrás do forno acendeu-se, numa imagem 3D do saco de pão, revelando os pães em seu interior.

Num deles, o raio X revelou um pequeno objeto metálico, do tamanho de uma joaninha. Uma voz feminina robótica ressoou, carregada no sotaque português:

- Nenhum risco detectado. Drive de dados localizado.

Miguel arregalou os olhos.

- Gajo, essa parafernalhas dos ingleses são mesmo do arco da velha...

Manuel lhe lançou um olhar confiante:

- Vês? E James estava prestes a se desfazer de tudo... Imagina o que eles tem por lá na Windsor... Pelo menos não estamos mais com aquelas porcarias dos tempos da Maria Cachucha...

Manuel então retirou o saco de pão e foi direto no pão que continha o microchip. Retirou-o com cuidado da massa e colocou-o sobre o painel de botões, num receptáculo. Apertou um outro botão e uma garra metálica recolheu o drive, e lançou as informações na tela de LCD.

Enquanto isso, Miguel cortou um pedaço do pão com as mãos e levou a boca. Saboreou como um sommelier degusta um vinho, e ao final, riu-se, orgulhoso.

“Ingleses... nunca vão aprender...”.

Nesse momento, uma mosca gorda e verde pousou em sua mão. A mesma maldita que estava importunando Manuel. Tentou pegá-la num tapa, mas ela saiu, zumbindo pesadamente e, como se o provocasse, pousou na ponta de seu nariz. Tirou-a com um segundo tapa, que só fez arder-lhe os olhos. A mosca zumbiu em direção ao caixa, e desapareceu na escuridão.

- Deixe de ser guloso, largue este raio de pão inglês mal feito e venha cá, ó gajo! – resmungou Manuel.

Irritado, Miguel aproximou-se, massageando o grande nariz.

- Meu São Jorge! – exclamou Manuel – Isso é gravíssimo!

- Digas logo, homem! Não consigo ler, meus olhos estão ardendo!

- Os ingleses descobriram um grande estratagema dos espanhóis contra nós! Malditos espanhóis! Eles nunca se cansam!

- Estratagema do que?

- Eles querem arruinar o nosso jogador! O melhor do mundo!

- Como assim?

- Ele está aqui no Brasil! Vai se encontrar com uma rapariga!

Miguel deu um risinho safado, ainda massageando o nariz.

- Do que estás rindo imbecil?

- Oras, é uma rapariga, como dizem cá os brasileiros, ou uma rapariga, como dizemos lá?

Manuel pegou o saco com os pães e deu na cabeça de Miguel.

- Concentra-te! É só uma namoradinha! Mas ela é uma agente espanhola! Vai dopá-lo para que não consiga jogar amanhã!

Miguel então percebeu a gravidade do problema. Nos próximos dias ocorreria a grande final, entre o Sporting e o Barcelona. Depois de muitos anos jogando em outros países, o grande herói havia voltado ao time que o lançara, ao querido solo português, e conseguira levá-lo ao final do campeonato... contra os espanhóis do Barcelona!

Ou melhor, contra o time de mercenários do mundo todo que jogavam com o uniforme do Barcelona, como gostava de assinalar Manuel.

- Temos que avisar a chefia! – Assinalou o baixinho bigodudo.

- Claro! – disse o galalau, sacando de um celular.

Digitou alguns números e levou ao ouvido.

- Quero falar na Direção-Geral de Segurança... Sim... Agentes UEL. MAN-UEL e MIG-UEL... O quê? Como assim transferidos? – Manuel se empertigou ao ouvir o colega ao telefone.

- O que ocorre, Miguel?

Miguel apenas sinalizou que esperasse.

- Certo... Certo... – e baixou o telefone – Os agentes dos postos panificadores de inteligência foram transferidos para outro departamento.... Agora somos subordinados ao Serviço de Informações de Segurança, e não mais à Direção-Geral de Segurança... Ela me passou o número... – e digitou de novo no celular, levando-o ao ouvido novamente. Com a outra mão, afilava os bigodes.

Como se contaminado pelo movimento, Manuel também começou a afilar os bigodes. Era a ansiedade batendo.

- É outro chefe agora?

- Não, transferiram o P também...

Manuel pareceu aliviado.

- Bom dia, somos os agentes UEL, gostaríamos de falar com... Como disse? Como assim não é aí?

Manuel empertigou-se de novo.

- Ô abiscoitado, passa pra cá esse telemóvel!

Miguel respondeu com uma cara feia e sinalizou para que esperasse.

- Como assim Serviço de Informações Estratégicas de Defesa? Não fui devidamente informado desse serviço de informações! – gritou Miguel, já impaciente. Manuel tomou o telefone das mãos dele e desligou.

- Vamos descalçar essa bota, depois avisamos quando tudo estiver resolvido. Já temos tudo o que precisamos, ora.

- Fixe, chefinho. O que fazemos então?

- Coloque um fato. Vamos ao hotel do nosso craque e impedir aquela barregã de arruiná-lo!

Alguns minutos depois, os dois velhos engordurados retornaram. Manuel usava um terno vinho, uma peruca de fartos cabelos cacheados e os bigodes estavam afilados com fixador. Uma forte camada de gel também assentava os cabelos (verdadeiros e artificiais). Miguel usava um terno verde-chumbo colado ao corpo magrelo, sapatos brilhantes e abotoaduras prateadas.

Miguel olhou para a peruca de Manuel, e lembrou da própria ausência capilar, com inveja.

Manuel olhou para os sapatos brilhantes de Miguel e afilou os bigodes (um pouco mais).

- Vamos para a garagem!

Os dois atravessaram a rua, até a casa de Manuel, e entraram na garagem.

O primeiro carro era uma fiorino branca com o símbolo da padaria D. João VI.

Olharam para o carro. Entreolharam-se.

- Não. – responderam, em uníssono. Tinham que manter o sigilo sobre a padaria.

O carro seguinte, um Alba 1500 conversível de 1961, motor de 4 cilindros e pintura creme que brilhava mais que a careca de Miguel. Um clássico português perfeitamente conservado, produzido em Albergaria-a-Velha e envenenado com mísseis, metralhadoras e outras bugigangas doadas pela Padaria Windsor.

Entreolharam-se com um sorriso malicioso e pularam para dentro do carro.

Manuel pegou a chave, inseriu no contato e girou.

O carro gemeu, tossiu e morreu.

Nova tentativa, novo estertor e nova morte.

- Miguel?

Miguel suava frio.

- Tu fizeste a manutenção que mandei semana passada?

Ele respondeu com um sorriso amarelo.

Manuel desceu do carro e começou a procurar.

- O que procuras, chefinho?

- Alguma coisa para bater em ti.

- Calma, chefinho, vamos no meu carro, sim?

Manuel levantou o olhar, curioso.

- Que carro?

Miguel saiu correndo, e Manuel foi para a rua, esperar.

Então Miguel voltou com um Sado 550 amarelo-ovo de 1985 como motor de 28 cavalos, que mais parecia uma máquina de lavar suja com rodas, ou um taxi velho de brinquedo. Miguel, com toda aquela altura, dirigia encurvado como uma vara de pescar que acabara de fisgar uma baleia.

Manuel arrependeu-se de ter interrompido sua busca por algo para marretar Miguel.

Abriu a porta de passageiro e, com muito custo, conseguiu compactar-se para caber no microcarro.

Miguel acelerou o pequeno veículo, que foi falhando e dando pequenos arranques, e logo chegaram no luxuoso hotel.

O manobrista, que até então só tinha dirigido carros esportivos, imponentes SUV e outros veículos de luxo, estranhou o pequeno Sado. Tomou um susto quando o carro falhou e depois corrigiu com um tranco, mas levou o veículo para o estacionamento.

Os dois desceram, e dirigiram-se para o hall do grande hotel, onde ocorria uma luxuosa festa de gala.

- Olha ali, Miguel, a maldita já se enroscou no nosso craque.

- O que vamos fazer chefinho.

- Não sei ainda. Vamos lá tentar separar os dois.

O jogador conversava com uma mulher morena num vestido longo vermelho com uma provocante fenda que subia quase até a cintura. Magra, com coxas grossas e seios fartos, e um olhar angelical.

Ela avistou a dupla lusitana se aproximando, e sacou um pequeno celular da bolsa e começou a manuseá-lo.

Subitamente, Manuel teve fortes cólicas estomacais, e teve que correr para o banheiro.

Miguel, por sua vez, teve um fortíssimo e incontrolável surto de espirros, e foi conduzido para fora do hotel pelos garçons e seguranças, para respirar.

Depois de um tempo, reuniram-se e tentaram nova investida.

E, mais uma vez, a maldita espanhola começou a fuçar no celular, e nova diarreia galopante acometeu Manuel, enquanto o nariz de Miguel, vermelho como um pimentão grudado na cara, começou uma crise de espirros que o fez derrubar um garçom e encheu as costas de uma senhora de catarro, sendo, mais uma vez conduzido para fora.

- O que está acontecendo Manuel? Estamos metendo a pata na poça de algum jeito aqui...

- Essa maldita castelhana nos fez alguma magia...

- Não conseguimos nem chegar perto dela!

Manuel pensou, e decidiu ligar para James, da Padaria Windsor. Sacou um telefone celular.

- James, meu amigo. Estamos com um problema.

- Yes, my friend... Como posso ajudar? – o sotaque inglês estourando no “p” e no “r”.

E Manuel então contou o que se passava, enquanto James ouvia atentamente.

- Ok, ok... Muito estranho. Eu acredito que eu saber o que fizeram com você, mas as alterações que eu fazer no seu Alba teriam detectado o problema assim que ligar o carro.

Manuel fuzilou Miguel com os olhos.

- Certo, o Alba pode ter falhado. Mas o que está acontecendo?

- Ligue o câmera do seu celular e passe por todo seu corpo.

Manuel fez como o inglês mandara, passando a câmera do celular lentamente por todo o corpo, até chegar na avolumada barriga. Miguel olhou curioso, afilando os bigodes.

- Stop! Aí está o problema!

- Que problema?

- De alguma forma, o mulher espanhola conseguir colocar um dispositivo NNR, nanoneurocontrolador, em você. Apontar o celular agora para seu amigo. – Manuel colocou a câmera apontada para Miguel, e viu pelo visor uma luz vermelha cintilante no nariz – Observe a nariz dele! Mesmo dispositivo implantado! Geralmente se usa para isso um inseto controlado por nanorobots.

Aquela maldita mosca!

- Me dê um minuto, eu fazer um procedimento remoto daqui! Talvez você sentir um pouco desconforto...

Miguel começou a espirrar de novo, e Manuel começou a ter cólicas.

Depois, o nariz de Miguel começou a escorrer como uma cachoeira, e a barriga de Manuel começou a contrair em espasmos malucos.

E depois parou.

- Pronto! Agora ela não controlar mais esses dois dispositivos! Eu mandei no seu celular o controle do mosca, agora ela é de vocês!

Manuel deu um sorriso que pingava maldade do canto da boca. A vingança era tão premente que desligou na cara do britânico (ok, também porque ele era um chato arrogante) e já abriu os controles da mosca.

Abriu a câmera da mosca, ela estava ali por perto, observando-os. Os controles indicavam “Siguiendo al objetivo automáticamente”, o que indicava que a bruxa espanhola provavelmente não estava nem acompanhando a mosca, o que era ótimo.

Fez um teste, colocando um dos NNR na perna de Miguel, que deu um tapa para afastar a mosca.

- Vamos embora Miguel.

- Giro, chefinho.

Miguel virou-se para seguí-lo, mas a perna ficou, como se estivesse se recusando a acompanhá-lo. Tentou puxá-la com as mãos, sem sucesso.

Manuel ria-se, e então, direcionou a mosca para dentro do salão de festas do hotel...

Enquanto isso, a voluptuosa agente espanhola seguia com o jogo da sedução com o notável jogador de futebol.

Quando a mosca pousou em sua mão direita, ela afastou, sentindo uma pedra de gelo no estômago.

Abriu o celular, e percebeu que estava sem contato com sua mosca, e começou a suar frio. Teria que resolver isso rápido.

- Com licença, mi querido! Tenho que ir al baño.

Mas, inopinadamente, sua mão foi direto para a genitália do jogador, que imediatamente ruborizou.

- Calma, calma... Estamos no meio do salão...

E a mão foi lá de novo, mas dessa vez apertou com força, e ele se dobrou como uma cadeira de praia.

- Estás louca!?

E então um tapa no rosto dele.

A mão então pegou um copo de vinho cheio e jogou o conteúdo na cara do jogador.

Os seguranças do jogador e da festa rapidamente chegaram, e mão fez questão de mostrar o dedo do meio para cada um deles.

Ela foi, então, jogada para fora do salão.

Manuel e Miguel gargalhavam aos borbotões, observando dos olhos da mosca pelo celular de Manuel, apertados dentro do Sado.

- Fazia tempo que não partia o côco a rir desse jeito! – disse Miguel, encurvado dentro do carro minúsculo.

Missão cumprida!

Um lindíssimo GTA Spano cinza, um esportivo coupé espanhol com motor Viper V10 emparelhou com o pequeno Sando.

O vidro baixou, e apareceu o rosto lindo e furioso da espiã espanhola.

Manoel apertou um botão e ela deu um “tchauzinho” com a mão infectada pelo NNR. Os dois gargalharam. Ela ficou ainda mais irritada.

- Calma rapariga. Tu és de ferver em pouca água... – troçou Manuel.

Uma voz eletrônica ressoou do painel do GTA Spano:

- Nanorobots detectados y destruidos.

Imediatamente a mão da espiã parou de acenar, e ela mostrou o dedo do meio.

- Hijos de puta, puede que hayas ganado el juego hoy, ¡pero instalé nanobots en tu jugador de fútbol que ni siquiera tu amigo británico podrá destruir! ¡Mañana, durante el partido, bailará la macarena mientras nuestro equipo pasa por encima de ti como un tractor!

O vidro baixou e o GTA Spano saiu cantando pneu.

- Atrás dela Miguel! Temos que pegar o telemóvel daquela bruxa do piorio, que ela já está me chegando a pimenta ao nariz! – disse ele, afilando os bigodes.

Miguel deu partida no pequeno Sando e saiu, muito mais devagar...

- Foda-se, Miguel! Nunca conseguiremos pegá-la nesse teu cacareco!

- Calma chefinho... Eu fiz umas alterações no meu Sadinho... Da última reforma do Alba sobraram algumas peças do inglês...

Miguel então apertou um botão. De baixo do Sado, dois pequenos foguetes subiram, e abriram-se em pequenas asas.

Ignição.

Uma explosão e uma língua de fogo brotou dos foguetes.

Manuel sentiu as costas grudando no banco. Aquela carcaça do Sado jamais aguentaria tanta pressão. Teve vontade de matar Miguel de novo, mas talvez isso acontecesse naturalmente nos próximos segundos.

Contudo, a habilidade de Miguel ao volante nessa velocidade absurda era realmente impressionante, enquanto ia costurando entre os veículos, seguindo o GTA Spano no caótico trânsito paulistano noturno.

Até que a espanhola cometeu um erro e reduziu a velocidade. Sem controle dos foguetes, Miguel não teve como parar, e bateu com tudo na traseira do esportivo, arremessando-o contra um poste.

Os foguetes arrancaram as portas do Sando e saíram com elas por aí.

Mas, ao fim, os três estavam vivos. Escoriados, machucados, cansados, mas vivos.

Desceram do que restava de seus veículos, os dois lusitanos e a espanhola.

Eles, em seus ternos rasgados, Manuel já sem sua peruca...

Ela, ainda numa beleza estonteante, o rosto cheio de arranhões, e o celular na mão.

Manuel e Miguel se entreolharam, afilaram os bigodes, e então encararam a espanhola.

- Rapariga, entregue o telemóvel, ou vamos lhe chegar a roupa ao pelo. – ameaçou Manuel.

- E quando dizemos “rapariga”, falamos à brasileira. – disse Miguel, peito estufado e olhar provocante.

A espiã então tirou os saltos e colocou-se numa guarda marcial, com os punhos fechados.

- ¡Vamos, cabrones!

- Como preferires, mas lembre que foi escolha tua. Eu e meu amigo Miguel aqui somos mestres do Combato.

E partiram para cima da espiã, num longo grito de guerra.

Já havia uma multidão confusa que viera pra ver o acidente e agora acompanhava aqueles dois senhores bigodudos levando uma surra de uma linda mulher de vestido de festa.

Quando os dois estavam acabados no chão, repletos de hematomas, a espiã espanhola soltou, olhando-os de cima, com um olhar satisfeito e malicioso.

- ¡Ustedes dos, solos, nunca podrán vencerme! ¡Son dos viejos débiles!

- Aí é que está, rapariga... não somos só dois. Estávamos só te atrasando...

 

Minutos atrás, quando acabavam de entrar no velho Sado de Miguel, Manuel, vendo que seria muito difícil conseguir pegar a espanhola sozinhos, acionou, no seu celular, a emergência máxima.

Nesse momento, cada padaria, quitanda e lojinha de português acendeu-se com uma luz vermelha. Um exército de Manuéis começaram a colocar os fregueses para fora com urgência e pularam em seus carros.

Alguns segundos depois da surra, uma multidão de senhores de bigode já cercavam a espiã espanhola, tomaram-lhe o celular e colocaram-na no primeiro avião de volta pra Espanha.

Miguel e Manuel teriam sido condecorados, mas, no dia seguinte, o Sporting FC português perdeu pro Barcelona de 3 a 0, porque o principal jogador estava acamado, com fortes dores genitais.


Conto escrito por
Ricardo de Goes Correia

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima Eliane Rodrigues
Francisco Caetano
Gisela Lopes Peçanha
Lígia Diniz Donega
Márcio André Silva Garcia
Pedro Panhoca
Rossidê Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


REALIZAÇÃO



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