Antologia Sempre ao Meu Lado: 3x03 - WebTV - Compartilhar leitura está em nosso DNA

O que Procura?

HOT 3!

Antologia Sempre ao Meu Lado: 3x03

Conto de Márcio Moraes
Compartilhe:






Sinopse: Uma mulher solitária deseja muito uma companhia. Misteriosamente batem à porta e lhe deixam um ser que mudará a sua vida.

3x03 - Um Ato de Amor
de Márcio Moraes

O sentimento de solidão não está na ausência de companhia. Pode até existir a companhia. Mas a companhia nem sempre é companheira. E assim um ser solitário se apresenta mesmo com alguém ao lado. O travesseiro amigo no íntimo da cama conforta mais que outrem. Ainda que apenas só um se sinta em abraço macio. Nem sempre a personificação pessoaliza. Mas há prosopopeias muito bem-vindas. O ente só se encontra em si mesmo na extensão de sua existência prolongada aos seres que o tornam único. Não apenas pessoas bastam para tirar o solitário de sua solidão. O ser humano se compreende nas sensações afins. Mas há os que precisam de algo mais. Um toque sensível para que o eu se sinta nós. É preciso um encontro magno doado de pura cumplicidade. Mesmo que o cúmplice não tenha consciência dessa importância. Mas o ator sabe que é nesse ser que ele se encontra. Somente aí a solidão se esvai. E surge um ser completo em sua harmonia existencial. Uma razão para a vida se constitui e se modela em fases. E logo as experiências unidas se consolidam nos atos feitos. E a memória perpetua lembranças futuras de tempos vividos a dois. E isso só é possível com um ato de amor. 

Sentada à mesa de um bar e à sua volta pessoas tantas. Como no popular único ditado. Sozinha no meio da multidão. A solidão está ali como em parte do todo. Talvez invisível para o físico que se apresenta na atração feminina. Mas está ali no interior da mulher que saboreia sua taça de chope. Olhando as mesas e interagindo com o olhar conversas que não lhe dizem respeito. Sons lançados dos lábios incompreensíveis pela percepção da distância. Cantando para si baixinho a canção que o músico entoa. Poderia pedir uma música só para si. Não. Isso é meio piegas. E mais uma taça de chope. E outra bebericada ao sabor de um tira-gosto. A cabeça flutuante em coisas a fazer para os próximos dias. O cálculo das consultas realizadas até aquele fim de semana. Era uma mulher jovem e precisava se distrair. Solteira. As paqueras e os namoros ficaram para trás. O não deu certo era o seu jargão. A conversa puxada com o garçom não preenche o instante solitário. É apenas uma fática função. O profissional não está ali para bate-papo. Algo mais? A senhora está servida? Sim. 

A solidão está num impulso íntimo que se retrai dentro de si. O não partilhar sua existência humana. O abrir-se para o outro ainda que sem diálogo. Ou apenas partilhar afetividades. O sorriso no espelho sempre sorrindo sem o julgamento de um choro. O pranto espelhado sem a compensação da gargalhada. Já fazia um tempo que sua morada era totalmente dela. Ninguém para dividir aqueles aposentos. Sem ninguém para se esbarrar num canto de cômodo. Compartilhar o sofá ou mesmo o gramado convidativo a uma sesta. A cama-sozinha. Aquela noite estava finda ali no quarto. Sem a embriaguez característica de quem afoga as mágoas em álcool. Ficara bem sóbria para pensar em si e no ser que tanto queria ao seu lado. Uma noite só dela. Como tantas outras há pelo menos dois anos. Nem sequer era culpa da profissão. Médica. O social era bem intenso. Amizades também. Mas a parceria faltava. A cumplicidade amorosa pedia licença para entrar. Um amor simples sem aquela euforia glamorosa. Mas como tardava. Há muito o seu coração padecia dessa companhia. Sair em busca? Sim. Saíra algumas vezes. Mas não topou com a parte sonhada de seu todo. Sabe aquele encanto: é este? Então. Não encontrara ainda. Exceto uma vez. Numa curva dessas de qualquer esquina. Viu o ser que seria seu amor passar-lhe ao lado. O não acredito pensado. Ficou fitando aquele ser que lhe bateu no peito em cheio o bem-querer. Mas estava acompanhado. Aquela beleza passando assim sem o até breve. Como queria ser aquela mulher. Como queria ser a outra que recebia aqueles carinhos. A busca nem sempre é a melhor saída. Às vezes o impacto do ao lado para sempre surge assim no bater da porta. 

Foram quatro pancadas firmes e uníssonas. Já era manhã. Dormira sem se atinar para a hora. Um domingo que se apresentava com o sol radiando. O hábito do sono prolongado interrompido pelo portão latejando. Quem seria? O convite do edredom ou o inesperado da porta? A dúvida do que fazer durou segundos. Bastaram mais quatro pancadas no portão. Consertaria o interfone ainda aquela semana. Mas não faria diferença. O telefone soaria do mesmo jeito. Como sabia que estava quebrado? Era uma insistência com certeza. Tocara o interfone e como não obteve respostas bateu no portão. Levantou-se da cama e se agasalhou com o roupão. Intimidade à porta da rua com uma roupa assim não lhe era vergonha. Foi. A pergunta foi lançada. Quem é? Sem resposta. Não abrir o portão ou esperar por mais algumas batidas. Quem é? E nada. Já que não houve resposta por que abrir? Mas um barulhinho lhe chamou novamente ao portão. Encostou-se a ele para ouvir bem. As batidas não vieram. Mas o barulhinho soou novamente. Afastou-se um pouco. Será? Sabia bem que barulhinho era aquele. Sonhara com aquele som no seu íntimo de mulher. Um barulhinho que ansiava ouvir ao lado da cama. A dúvida se distanciou e a coragem num impulso lhe ordenou. Subitamente abriu o portão e lá estava diante de si. O não acredito pronunciado quase num balbucio. Como assim? Naquele mistério do não dito. Chegou sem dizer que viria. Como dizer que viria? Diante de si ali nem um passo distante do portão. Bem pertinho pedindo um aconchego desconhecido. Você? Não acredito que é você? Um olhar de querência quase num encanto.  Apresentando-se inteiramente a Ela como se dissesse cheguei. Chegou quem faltava. O seu par. A sua companhia sonhada. Os olhos dela foram de um lado ao outro da rua procurando de onde veio. A esquina? Teria dobrado a esquina? A mente se soltou em pensamentos e flashes. Olhou novamente a rua procurando a outra ou o outro. Nada. Mais uma vez o como assim? Momento parado na porta com a dúvida do que fazer. Um silêncio. Um sonho talvez. Não. Era real. O Deus ouviu minhas preces. Você veio. Depois do desconcerto do contato só restava entrar. 

As mãos se estenderam num acolhimento. Foram direto à sala para uma apresentação mais íntima. Como seria um apresentar nesta ocasião? Um desconhecimento conhecível. Seu nome? Hum. Aquele nome que imaginava. Sim. É assim que pensava em chamar. Um nome tão bonito. Tantas vezes sussurrado e sonhado. Um contato inicial se esboçando. Sem muito saber o que dizer. Dizendo entre risos e recebendo o retorno. Desejava ardentemente aquela chegada. Mas não estava esperando nesta manhã de domingo. O como assim? Por que veio logo nesta manhã de domingo? Por que neste endereço? Tentou puxar na memória alguma palavra dita a alguma amiga. Só lhe saltava aquela imagem encantadora da esquina. Mas não podia ser. Havia uma companhia. Era uma cópia só podia. A admiração que tanto sentia se apresentou gratuitamente a Ela. Parecia um sonho aquela chegada. Assim tão de repente. O encarar dos olhos cada vez mais intenso. Palavras e gestos e outros sons. Não estava preparada para tanta emoção. Não fora dessa forma que pensara que aconteceria. Mas estava ali agora no seu presente. A parte outra que lhe faltava para preencher o todo. Já vislumbrando um futuro em que não mais seria solitária. Calma. Está adiantando demais as coisas. Assim de repente. Que ousadia. E se assim como chegou fosse embora. Será se deveria ficar? O ai meu Deus e agora?

Poderia ficar. Sim! A casa era grande. Vai ficar. Você veio para ficar. Sim! Ó meu Deus! Vai ficar. Sim! Com fome? À cozinha então. Aquela chegada requereria uma nova feira. Acostumada à sua rotina de comidas vegetarianas. A sua visita tinha outros paladares. Uma visita que já lhe tocara o coração. Uma visita que não mais sairia de sua casa. Uma visita que já tomara conta de si. Com assim? Daqui você não sai mais. E está decidido. Decidido está então. Sem dar escolhas. Sem dar outras opções. Então o jeito era ficar. Quem diria que a chegada assim de surpresa fosse causar tanto impacto. E estava mesmo com fome. Comeram. A casa se tornou um tour. E começaram a se entreter e a se sentirem melhor. E aquela manhã foi passando numa admiração recíproca. Uma entrega quase total. Amor à primeira vista? Um clichê ainda em moda para quem se sentia tão só. Agora não mais estaria ausente em si mesma. A companhia lhe chegou abrindo a porta e entrando com tudo. Uma sina bela de mistério que não ousara questionar. Do afago no colo a beijos trocados. Aquilo eram beijos? Eram. Toques especiais de língua e lábio. A tarde já entrara com um novo ar. E o impulso da partilha foi se entregando cada vez mais. Com a noite a necessidade do aconchego do corpo. E bem pertinho ali ao lado está a cama. Depois de anos. Uma companhia dormiria ao seu lado. O seu eu-mulher ficou mais vistoso. O travesseiro já deixado em segundo plano. Dormiria com a certeza de um acordar diferente. Estaria louca? Deixando você dormir assim ao meu lado já na primeira noite. E se acontece algo inesperado? Não. Só há uma rota para o caminho quando o encanto do carinho é entregue. E era essa nova estrada que caminharia a partir de agora. A noite não passou simplesmente. Um acordar inesperado na madrugada exigiu de pronto uma atenção. E o gesto-carinho não foi negado. Chegou a manhã. Ela se olhou no espelho pronta para enfrentar o dia como uma mulher completa.

A companhia custou acordar. Mas despertou com alegria. Aquela casa e aqueles aconchegos. A mulher ali preparando sua estada. A mulher que lhe preencheu. Precisa sair para trabalhar. Preparou-se toda e se serviu do café. Deixou tudo pronto para sua visita que já se sentia permanente. Um tchau bem carinhoso. E a ânsia do retorno já tomando conta. 

O trabalho chama. Os colegas percebem o humor diferente. Será se conto? Talvez para aquela amiga ali próxima e tão solícita nas confidências. Mentira? Sério? Como assim gente? E a história da surpresa do portão foi se traçando. E você teve coragem? Por que não? Se eu já desejava. Mas assim de repente? Sim. Está na minha casa e lá vai ficar. Não quis saber nem de onde veio? Para quê? Já está lá. Agora é vida que segue. Uma vida nova. Uma vida de amor que me foi presenteada.

E da casa para o trabalho. E do trabalho para a casa. E a casa sempre a esperar com a companhia em prontidão. Não ousara sair dali. Uma obediência doada. Perfeitamente toda em carinho. E os dias foram assim. Repletos de alegria. A solidão já se dissipara. E as noites eram vividas em dupla. A casa era o ninho aconchego. Alguns amigos já sabiam da relação. E já até foram comprovar com visitas. Amigos próximos sem preconceitos. Amigos que entendem esse amor. Agora só faltava sair em público. Apresentar à sociedade a alegria de não se sentir mais só. Até que finalmente elas saíram à rua.

Foram juntas às compras. Escolheram um shopping sociável. Desses que zelam pela liberdade da companhia. E a companheira ia um pouco à frente como a abrir caminhos. E Ela atrás se orgulhando por desfilar ao lado daquela espécie bela. E olhares dos outros a mirá-las. Apontando um dedo oculto e dizendo baixinho qualquer coisa. Elas sabiam que chamavam atenção. E se mostravam plenas de alegria por serem as duas ali em lojas e ruas. As caminhadas juntas viriam sempre e em tantos outros lugares. E não se importavam de demonstrar carinho público. Sempre havia um ou outro condenando as carícias. Dizendo que nojo! O importante é que não haveria mais espaço para a solidão. O amor se instaurara entre as duas. Um amor que muitas pessoas não compreendem. Por não se deixarem sentir. E não sabem o que perdem por não se deixarem assim se amar.

Porém. A sua companheira não poderia lhe acompanhar em qualquer canto. Lamentavelmente há lugares assim. Lugares e pessoas que não aceitam. Que estendem a mão em sinal de rejeição. Em pleno século XXI. Ela se frustrava logicamente. Mas entendia. É a sociedade.  A falta de zelo de alguns acaba privando outros. A companheira tinha de ficar em casa. Era visível em seu gesto o desconforto de vê-la partir. E incrível era como a recebia na volta. Com alegria e gestos amorosos perenes. A vida tornou-se outra para Ela. E as duas praticamente se viam como unha e carne. 

Saíam para beber à noite. Na verdade só Ela bebia. A companheira ficava ali acompanhando. Não são todos os bares que podiam frequentar. E ficar assim à vontade. Mas há os seletos que abrem as portas para essas relações. E não deixam de juntas chamarem a atenção. Principalmente das crianças que as olham curiosas. E essas pequenas se aproximam e são recebidas com docilidade. Posso tocar? Pode. É muito carinhosa? É sim. E os pais chegam e se encantam ao verem os filhos ali alegres. E os pequenos pedem aos pais: quero uma também? Quero uma igualzinha! Papai! Mamãe! Me dá uma também? E quando os adultos perguntam a Ela como conseguiu aquela lindeza. A resposta sempre deixa a surpresa. Bateram em minha porta e lá a deixaram. Como assim gente? Num domingo pela manhã. O portão se abriu e lá estava esta linda cachorrinha. Um ser tão pequeno em tão grande capacidade de transmitir carinho. Qual o nome dela? Nome mais lindo!

O cão é o melhor amigo do homem? Clichê. O cão é mais que amigo. Ele é um ser doado de doação inimaginável para um humano. Numa lateralidade única de bem querência. Numa irracionalidade guiada apenas por um polo. O positivo amor ao seu tutor. Que nem ao menos sabe ser o dono. Mas que sabe que é o ser que lhe protege. E que é o ser que deve proteger. E que é o ser que deve amar. Ainda que se chame esse amor instinto. Senciência!

Eram as duas agora. Ela e a cachorrinha. Em uma cumplicidade amorosa extraordinária. Incompreendida por uns e almejada por outros. Antes Ela sempre acordava sozinha abraçada ao travesseiro. Agora suas manhãs são repletas de lambe-beijos. Ela sai e a cachorrinha fica sempre à espera com uma prontidão de recruta. E sempre a recebe com uma festinha imensa. A rotina se transformou. Senta! Deita! Roda! Dá a patinha! Muito bem! Agora um petisco. Não! Isso não pode! O cuidado materno com aquela que é sua filhinha. Visitas a veterinários. Banhos e tosas. Nossa! Ficou linda com essa roupinha. Brinquedos espalhados pela casa. E muitas brincadeiras. Corre-corre constante. Passeios e mais passeios. E muito muito carinho. 

A presença de um cãozinho é alegria certeira em uma casa vazia ou cheia. Há aqueles que são intensos e agitados. Há outros mais calmos. Os de guarda que dormem no quintal. Os que disputam o amor entre o casal. Os que saciam a ausência. Os que completam a essência. Ela nutria o desejo por esta raça de pequeno porte. Esta que cabe inteirinha no colo. Que cabe numa bolsa a tiracolo. Uma cachorrinha para estar sempre ao lado. Para carregar como uma filha nos braços. 

Foi uma cachorrinha assim que viu no colo da mulher naquela esquina de rua. A cachorrinha que tanto sonhara em encontrar. Quem teria deixado em sua porta? Seria a mulher da esquina? Seria possível? Teria ela percebido o seu olhar de desejo? Quem doaria um ser assim tão único em essência amorosa? Ah! Os cãezinhos. Dizem que um ano para eles equivale a tantos para os humanos. E por isso vivem pouco. Aquela cachorrinha com uns dez anos estaria na velhice. Incrível como um cão vive integralmente sua vida inteira de amor doado. O que para o homem é um constante aprendizado.

Ela nunca soube quem deixou aquela cachorrinha ainda bem pequena à sua porta. Mas no íntimo de suas orações o agradecimento a Deus por aquela pessoa existir. E sem se apresentar fizera um dos mais belos gestos de sua vida. A doação é apenas por parte do doador. Para quem recebe é um verdadeiro ato de amor.

Conto escrito por
Márcio Moraes

Foto
Micaele Moraes

CAL - Comissão de Autores Literários

Agnes Izumi Nagashima

Gisela Peçanha

Paulo Mendes Guerreiro Filho

Rossidê Rodrigues Machado

Telma Marya


Produção
Bruno Olsen


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


REALIZAÇÃO

""

Copyright 
© 2024 - WebTV
www.redewtv.com
Todos os direitos reservados
Proibida a cópia ou a reprodução




Compartilhe:

Antologia

Antologia Sempre ao Meu Lado

Episódios da Antologia Sempre ao Meu Lado

No Ar

Comentários:

0 comentários: