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Antologia Sempre ao Meu Lado: 3x04

Conto de Olivaldo Júnior
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Sinopse: O que você faria se três gatos, ainda filhotes, do dia para a noite, fossem deixados numa caixa, no jardim de sua casa, no momento em que você não estivesse em condições para adotá-los? Esse é o dilema em que se encontram mãe e filho, já cuidadores de um simpático e pretinho vira-lata, nos idos do ano de 2016.


3x04 - Alzira, Peludo e Pretinho
de Olivaldo Júnior

Parte I: A doação (in)desejada

Esta história aconteceu, se não me falha a memória (e, depois que tive Covid, ela sempre tem me falhado), mais ou menos, em maio de 2016. Fui até tentar achar algumas fotos desse período para confirmar, mas só achei de períodos próximos a esse. Enfim, guardam-se tantos arquivos, mas, quando se precisa mesmo de algo, fica-se a ver navios. Não, os filhotes dessa história não vieram num navio, mas numa caixa de papelão mesmo. Postos no jardim em frente à casa onde a mãe, suas plantas e eu moramos, Alzira, Peludo e Pretinho vieram novamente a essa luz.

Lembro-me de que eu, um homem gorducho, estatura média, cabelos e olhos pretos, na época, com quarenta anos de vida, estava em meu ofício na secretaria escolar de uma renomada escola municipal de uma cidade de médio porte do interior paulista, quando, por telefone, falei com a minha mãe, que estava aflita, não sabendo o que fazer com a doação que lhe fora imposta. Doação de três filhotes, dois machos e uma fêmea, três bichanos. Um era mestiço de angorá com siamês, outro, pretinho como carvão, de pelo curto, e a “menina”, mestiça de siamês, mas igual ao preto, com pelo curto. Cada qual, na verdade, com sua graça, mas, como eram todos do mesmo tamanho, tomamo-los por irmãos. Se eram mesmo, só Deus.

O caso é que, naquele momento, não queríamos mais animais, já tínhamos um cãozinho, o Garrincha, vira-lata de pelo curto, todo preto, que ganhara esse nome por parte do meu irmão mais novo, o Fábio, pois o cãozinho, também vindo da rua, tinha as pernas dianteiras tão tortas quanto a do célebre jogador de futebol homônimo. Ficou Garrincha, que, aliás, nunca via os “oponentes”, ou seja, outros possíveis animais da casa com muito amor, pois tinha um ciúme para lá de doentio de minha mãe, uma descendente de indígenas, como sua bisavó e minha avó, dona de uma pele amorenada pelo sol, cabelos lisos, castanhos, uma herança do seu pai. Pai. Quem seriam os pais daqueles três bichanos naquela cesta? Nunca saberemos.

Parte II: A visita da falsa “salvadora da pátria”

Depois do telefonema de minha mãe para a escola, apreensivo, comecei a perguntar lá na escola se alguém conhecia alguém que tivesse contato com alguma ONG, isto é, uma Organização Não Governamental, a fim de abrigar os filhotes recém-doados à gente, até que fossem para um lar com mais condições. E, como quem procura, dizem os antigos e o célebre ditado, acha, achei uma senhora, que também trabalhava numa escola da Cidade e ficou de ir lá em casa, para ver os gatos, já prometendo ração de graça, castração e o escambau, coisas que nunca fez, caso ficássemos com os gatos em casa por mais um tempo, ou resolvêssemos adotá-los. Bem, na hora combinada, a fulana chegou e, encantada com o machinho que, posteriormente, se chamaria Peludo, nome dado por mim, exclamou a “pobre”:

— Que gato lindo! Vou levar este! A “feminha”, mais difícil de ser adotada, e o pretinho, não. Posso levar o peludinho, que é lindo! Depois, mais tarde, minha filha vem tirar fotos dos outros, para pôr no Face — e, minha mãe, já para lá, me perdoe a má expressão, de enfezada com aquela falsa “salvadora da pátria” de plantão e sem o menor pedigree, recusou prontamente a oferta, pois ou ela levava todos, ou não levaria nenhum. Resultado: ficaram os três, que, postos sobre a lapa do fogão a lenha, nos fundos da casa, fogão ainda em atividade àquela época, foram acolhidos.

Não quero aqui tachar ninguém que faça parte dessas organizações que visam ao bem-estar animal como mal intencionado, nem preconceituoso, mas aquela mulher, aquela senhora era. Tanto, que a mãe e eu, mesmo sem muitas condições, abrigamos os gatos e, mesmo com o Garrincha todo descontente, demos um lar àqueles três, que, com o passar do tempo, vieram a se tornar nossos amigos.

Parte III: A descoberta da doadora dos bichanos

Com o passar do tempo, a mãe, mesmo tendo acolhido os bichanos, ficou tentando descobrir quem os teria deixado em seu jardim, que, naquele tempo, ainda não tinha as grades que tem hoje, ou seja, era um campo aberto a quem quisesse adentrá-lo, não importando o motivo. A razão de tê-lo finalmente envolto em grades se dera pelo motivo de gente realmente suspeita estar se escondendo nele, o que levava a um natural receio por nossa parte de, a qualquer instante, abrigar quem não fosse bom. Ou, pior ainda, abrigar pacotes suspeitos, como já vistos pela gente. 

O caso é que, mesmo sem muita preocupação com isso, um dia, a verdade veio à tona: foi a neta de uma vizinha, a poucas casas da nossa, uma menina iniciando a adolescência, a deixar a “encomenda” dos bichanos em casa. Por quê? Não sabemos ao certo, mas, pelo que previmos, a ideia inicial da menina era ter ela mesma adotado os felinos, mas, como sua avó já criava além dessa neta um netinho, acho que mais três “hóspedes” já seria um pouco demais para ela, mulher, apesar da idade, ainda trabalhadora, costureira de mão cheia, sem medo de enfrentar. E mais: já tinha, como ainda tem, seus animais.

A Alzira, o Peludo e o Pretinho, suspeitamos, talvez, tenham vindo de uma choupana, que ficava no terreno de uma fornecedora de luz elétrica, a qual fazia fundo com a rua de cima de casa. Mais para a frente, num gesto fortuito, com a destruição da choupana, os gatos que a habitavam se esparramaram, dando vez à boa vontade de alguns vizinhos, que, mesmo que na calçada, deram um teto a eles.

Parte IV: Pra você, ou a gente mesma, dar o nome

O nome de Alzira dado à gatinha, embora seja o nome de minha avó paterna, se deve ao nome de uma personagem da novela Mulheres de Areia, de Ivani Ribeiro, versão de 1993, da Rede Globo, que adorava o Tonho da Lua, e era chamada de Magrela por ele. O fato é que, assim como essa personagem, a Alzira tinha e ainda tem um olhar meio parado, como se ela se encantasse com tudo e fosse em frente, quase guiada pelo nada. Hoje, minha mãe a chama de “menininha”.

O nome de Peludo, dado ao gatinho mais peludo que já vi, foi dado por mim, assim como o do Pretinho, que, infelizmente, com um aninho de idade, faleceu por um problema nos rins. Tendo sido castrados, a mãe e eu não sabíamos que eles tinham que, a partir dali, ser alimentados com uma ração especialmente formulada para gatos nessas condições, então, um dos motivos da morte alegados pelo veterinário a quem o levamos foi esse. O fato é que, com a mudança da ração, a Alzira e o Peludo perderam peso, desincharam.

Alzira, Peludo, Pretinho e Garrincha, por pouco mais de três anos, conviveram, sendo que os três irmãos sempre quiseram entrar na casinha do pobre, que nunca os deixou entrar lá. O curioso é que, na manhã seguinte ao falecimento do grande Garrincha, com a casinha dele vazia, a Alzira e o Peludo não quiseram entrar. Tinha perdido o sentido, eu acho, adentrar a casa de quem não existia mais. Aliás, a noite do falecimento do Garrincha, assim como a semana em que a mãe e eu ficamos para lá e para cá com ele a fim de salvá-lo, daria uma ótima crônica, ou conto também. Ótima, modéstia à parte, e muito triste também. Por que nossos animais se vão? Ora, porque tudo que é vivo morre (vide “O auto da Compadecida”).

Parte V: Todos os pets merecem o céu

Pets. Sei que o termo é em inglês, mas, como tem sido tão difundido por aqui hoje em dia, também me atrevo a usá-lo (não sou tão purista assim). Pois bem, nossos pets, ou animais de estimação, são quem, mesmo calados, e, por isso mesmo, muitas vezes, tão amados, falam com o olhar, fazendo com que nos animemos e fiquemos contentes com seu carinho. Mesmo quando inicialmente não o queremos de pronto, como foi o caso dos três bichanos que viemos a ter e são o assunto dessa história, mesmo assim, eles, com o passar do tempo, são o xodó da família, ainda que, algumas vezes, estressados, os rejeitemos e, irracionalmente, os deixemos meio de lado, pois sei que sempre querem carinho, já que é isso que nos dão. Amor e carinho animal. Quem não quer ser amado e querido? Acho que todos.

Sim, nem só os cães, mas todos os pets merecem o céu. Um céu que, de acordo com o tipo de bicho, ou de pet, seja adequado ao seu mundo, com tudo aquilo que o pet possa gostar. Um céu com rios cheinhos de peixes para os gatos brincarem tentando pegá-los, ou um céu com ossinhos de nuvem para os cães se entreterem, ou, ainda, um céu com mil moscas, para as iguanas “pescarem” com suas línguas de sogra, hehe, a quem já peço perdão. O caso é que todos os pets, além do céu, mereciam a Terra. Um lugar em que se desenvolvessem com amor e paz, ainda que nem mesmo milhares de crianças por aí não o tenham, mas isso é outra história. O mundo é cheio de falhas, né? Com os pets, as crianças, os idosos.

Nesse tempo em que o Peludo e a Alzira estão conosco, houve mais dois gatos, pelo que lembro, em casa. Um deles, que ficou pouco tempo conosco, também chegou de repente, era mestiço de siamês, com pelo curto e lhe dei como nome Shazam, pois era bem elétrico, tanto, que, quando morreu, foi provavelmente por ter caído da laje que fica nos fundos de casa, na qual o Peludo era e ainda é perito em subir. Shazam, assim como a recém-chegada Pretinha, dona de olhos verdes intensos, era muito curioso, gostava de beber água na torneira e, ao fim de maio de 2022, teve seu fim anunciado. Cheguei a levá-lo ao veterinário de confiança, mas não teve jeito, ele se foi para sempre. Para o Céu dos Gatos? Sim. 

A Pretinha, ainda filhote, mas já com quase seis meses, segundo a avaliação de um novo veterinário a quem temos chamado, pois é dos poucos na cidade que ainda atende em casa, vai passar por castração. Queríamos que ela, assim como queríamos isso para a Alzira, fosse mãe, mas, se isso acontecer, sabemos da dificuldade em doarmos os gatos, e, já cientes do fato, não queremos engrossar as estatísticas não oficiais e, nem por isso, menos honrosas de quem abandona os pets ao deus-dará, coisa que vemos muito acontecer por aí. Ao fim, sempre há quem se justifique, mas não há justificação. Esse mundo, eu confesso, quase sempre me cansa, para não dizer o pior: me enoja. Bem, é o mundo que temos. Haverá melhor?

Pets. Venham numa caixa e, com o passar de um dia, se tornem as estrelas da casa, ou sejam comprados numa casa de animais, não importa, são e serão sempre queridos por nós. São Francisco de Assis que o diga, irmão sol em busca da luz dos pequeninos! Irmão sol em busca da luz dos animais. Sim, são eles que nos racionalizam em nossa irracionalidade. Deixo aqui meu perdão pela ausência e pela falha com eles, que, muitas vezes, só querem um olhar mais demorado e amoroso, como a lhes dizer: “Eu sei que vocês existem e são importantes para mim!”. Um olhar que nem sempre é presente. Um olhar para uma caixa deixada no jardim, em frente à casa, como se fosse um “mimo” que, por arte de alguém, fosse só para nós.

Conto escrito por
Olivaldo Júnior

CAL - Comissão de Autores Literários

Agnes Izumi Nagashima

Gisela Peçanha

Paulo Mendes Guerreiro Filho

Rossidê Rodrigues Machado

Telma Marya


Produção
Bruno Olsen


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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