A Universalidade do Absurdo
de Arlindo Kamimura
Kostya era um jovem morador da cidade de Mykolaiv, estudante de artes plásticas na academia de sua tranquila cidade, modalidade desenho artístico, extremamente dedicado aos estudos. Sua formação ética e cultural foi fundamentada no humanismo e lhe ensinou que o futuro do ser humano era esperado ser cada vez mais transcendental e elevado no quesito intelectual, desde que lhe fossem mostrados e ensinados os caminhos apartados do egoísmo interesseiro, da excessiva autoestima e do individualismo mesquinho. Ironicamente, era justamente a ideologia professada, no passado, pelo país que bombardeava, no momento, sua pacífica e modorrenta cidade de forma implacável e impiedosa.
Procurava desesperadamente e inutilmente os argumentos filosóficos e humanísticos que justificassem ou fundamentassem tanta destruição e tantas mortes de crianças, mulheres, velhos e de pessoas inocentes comuns, cujas únicas preocupações eram com a sua saúde e de seus familiares, como pagar o financiamento da casa, seu relacionamento afetivo, a pressão no trabalho e o rendimento escolar de seus filhos.
No momento, a atividade acadêmica de Kostya está suspensa, pois sua escola virou uma montanha de entulho devido ao último bombardeio, cuja intensidade foi acima do normal, se é que é possível banalizar e fazer semelhante classificação, para um ato tão vil.
Nesse bombardeio, Kostya não perdeu somente seu local de aprendizado, mas sofreu uma perda pessoal inestimável representada pelas mortes de sua mãe e de Roman, seu irmão caçula, que mal iniciara o ensino fundamental.
A cena que Kostya presenciou ao chegar ao local de sua residência totalmente destruída, em ruínas, destroçada sobre sua família foi de tal ordem grotesca, que o derrubou violentamente do seu estado de equilíbrio emocional: um cavalo irado e agitado, pertencente a polícia montada - Berkut, saltava colericamente sobre os escombros e relinchava assustado, enquanto executava uma série de pinotes. A atitude do cavalo mostrava claramente sua total incompreensão e perplexidade pelos acontecimentos no entorno, que o atingiam.
A dor e a estupefação que Kostya experimentou ao ver essa cena dantesca foi tanta que sua cabeça começou a girar e a girar descontroladamente, sentindo-se transportar para um mundo apocalíptico e caótico povoado de esqueletos em armaduras, montados em cavalos magérrimos, empunhando armas e caçando os vivos. Via muitos corpos empilhados e, ao lado deles, cadáveres pendurados em árvores; as pessoas estavam estranhamente vestidas com roupas antigas e coloridas. No centro disso, um cavalo montado por um esqueleto, portando uma foice, elevava-se raivosamente sobre as patas traseiras. Reconheceu imediatamente a pintura de Pieter Bruegel, o Velho, retratando o Triunfo da Morte sobre cidades em chamas, pessoas fugindo em pânico e até mesmo um monge sendo atacado por esqueletos. A paisagem era árida e desolada, com pouca vida ou esperança, mas Kostya flutuava como se estivesse navegando dentro de nuvens macias como bolas de algodão.
Era sua mente em ação para protegê-lo da realidade cruel e da dor infinita que o acometia, semelhantemente às experiências de quase-morte, enviando-lhe para um mundo flutuante e agradável, onde as cores não eram apenas cores, mas sim emoções vivas e pulsantes. O amarelo era alegria, o azul era tristeza, o verde era calma, o vermelho era raiva. Dessa forma, Kostya foi poupado de sua imensa dor e transportado para um jardim suspenso no céu. Flores gigantes e coloridas cercavam-no e uma cascata de pétalas caía de uma altura incrível. Kostya sentiu uma paz profunda enquanto caminhava pela nuvem macia.
O alívio não durou muito, pois sentiu-se transportado e lançado bruscamente para a cidade de Guernica, na Espanha, quatrocentos anos à frente em que Bruegel vivera e viu o seguinte cenário: uma série de imagens geométricas e reconheceu imediatamente uma figura equina no centro e fez com com que retornasse à uma dolorosa semi-realidade. Era um cavalo, dessa vez ferido, em agonia, enquanto uma mulher chorava e segurava seu filho morto nos braços. À esquerda do cenário, havia um objeto queimando em uma casa em chamas, enquanto à direita, um homem com os braços erguidos grita aflito. Outras figuras incluíam um touro furioso e várias pessoas em diferentes estados de desespero e sofrimento. Algumas coisas estavam também presentes, como uma lâmpada quebrada, um pássaro morto e uma espada quebrada, todos representando a destruição e a violência da guerra. Esticou os braços inconscientemente, tentando impedir alguma ação violenta aleatória, sem saber de onde viria ou a quem atingiria.
Acordou, então, do pesadelo em um hospital para alienados, apavorado com a figura do cavalo, pisoteando a sua mente, recordando ao mesmo tempo, de um livro lido recentemente, de William Faulkner, no qual lera a seguinte máxima: “O passado nunca morre. O passado sequer passou”, lembrando-lhe a atemporalidade das ações injustas e cruéis do ser humano.
De uma coisa ele tinha a mais absoluta certeza: jamais representaria em suas obras, que porventura fizesse no futuro, a figura de um cavalo.
Gisela Lopes Peçanha
Pedro Panhoca
Rossidê Rodrigues Machado
Bruno Olsen
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
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