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Antologia Contos Contemporâneos da Violência Urbana: 5x05

Conto de Thomas M. Fairchild
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Sinopse: Um telefone celular deixado na assistência técnica contém uma série de fotos que incriminam seu dono, juntamente com um bilhete pedindo ajuda. Infelizmente, quem o encontra não estava disposto a ajudar.

5x05 - Entre Amigos
de Thomas M. Fairchild

            O casal teve que se espremer pela porta estreita para entrar na loja. Primeiro ela, dona forte, casa dos cinquenta, loura falsa, sobrancelha tatuada. Na ilharga veio um gordo baixo, cabelo batido, pinta de militar da reserva, todo errado. A mulher olhou em volta e fez cara de nojo. Ficou parada num canto fuzilando o marido. O cônjuge chegou até o balcão e sacou um aparelho celular velho do bolso, modelo Multilaser, o mais perereca, tela trincada, capinha vagabunda do Papão. 

            — Qual o problema do aparelho? — Gilson perguntou. 

            — Parceiro, o celular descarregou e não consegui ligar mais. 

            Gilson revirou o celular nas mãos. Estranhamente leve. Tela engordurada, capa gasta nos cantos, sinal que rodou muito no bolso, até areia nas frestas tinha. 

            — Esse aparelho o senhor já trocou a bateria dele alguma vez? 

            — Pois é, eu comprei desse jeito tem uns quatro anos já. Do jeito que me venderam eu deixei — o major jurava – só faço usar, parceiro. 

            Balançaram a cabeça juntos. 

            — Chegou a hora de aposentar esse guerreiro, não é não, jogador?

            Gilson franziu a testa e começou a aula. 

            — Senhor, à primeira vista o problema pode ser só da bateria. Se ela nunca foi trocada desde que esse aparelho saiu da loja o mais provável é que seja questão de substituir e ele vai voltar a funcionar igual antes. 

            O homem pareceu decepcionado. Gilson emendou de todos os modos.

            — Vou ter que dar uma olhada melhor, porque estou vendo que ele levou uma batida valendo aqui, pode ser que tenha danificado algum componente.

            — Pois é, chefe, você veja aí, eu estou achando que esse aparelho não tem mais jeito. Já pegou pancada. Se você me disser que tem conserto eu pago, mas agora se você falar que chegou a hora da compulsória, vou fazer o quê, paciência, a gente arruma um novo.

            A mulher, que estava ao lado dele em marcação cerrada, estilo 5-rec, retrucou que aquela pancada no celular não era de agora. 

            — Já compraste assim, tá esquecido? 

            — De qualquer modo vou ter que abrir o celular — Gilson sentenciou. Aproveito para examinar tudo e fazer um diagnóstico. Vocês vão aguardar aqui? 

            — Aguardamos sim, a mulher respondeu. 

            Ao tirar o celular da capa, um papelzinho amassado caiu no balcão. Imediatamente o homem passou um braço ao redor do ombro da esposa e disse “sente um pouco, meu amor, sente que eu vou lhe arranjar um copo d’água. Tem água aí, chefe?” 

            — “Não tenho, senhor”. 

            — “Pouxa vida!” 

            Gilson pegou o papel amarrotado e ia jogando no lixo quando notou que o homem estava bem na sua frente, encarando-o por cima do balcão. 

            — Veja aí se não é alguma coisa importante antes de jogar fora, jogador.

            Gilson abriu o papelote e leu numa caligrafia toda torta. 

AJUDE SEU AMIGO APAGUE AS FOTO POR FAVOR VOU PERDER MINHA FAMILIA

            Deu uma risada discreta, espiou o major com descrença e recebeu de volta o olhar de um condenado à morte. Por sorte a esposa parecia ofegante, se abanando por causa do calor, e não notou o que estava acontecendo. Gilson mexeu no celular sem fazer nada, pensativo. Finalmente decidiu.

            — Senhor, estou vendo aqui que a carenagem está danificada, vai ter que ser aquecida para poder abrir. Demora um pouco. O senhor tem como voltar daqui a duas horas?

            Duas horas, a mulher protestou. 

            — Não dá para resolver logo agora? 

            — É porque infelizmente quem faz isso é só o técnico que trabalha comigo e ele teve que dar uma saída, foi aqui na Padre Eutíquio procurar uma bateria para outro cliente. Vou ter que esperar ele chegar para arrumar o seu aparelho. 

            O major ficou animado. 

            — Já estou vendo que o caso é sério, falou. Mas vale a tentativa, não é jogador? Bora ver se vocês ajeitam essa parada. Enquanto isso melhor a gente ir para casa, meu amor, aqui você não está bem. Este calor ninguém merece.

            Acertaram tudo. O casal ficou de passar no dia seguinte para buscar o aparelho.

            Assim que os dois saíram, Gilson abriu o celular e constatou que estava sem bateria. Por isso tão leve. Meteu uma bateria nova, fez os testes e o aparelho ligou sem problema. Deu uma olhada nas fotos e encontrou mais ou menos o que esperava. As mais novas eram de uma pescaria. Não é que o major tinha pescado um baita tambaqui? Pelo menos aparecia charlando com um na foto, que nem um filho. Depois vinham as quentes, uma mulher de uns trinta anos peladona fazendo poses sacanas num quarto todo desarrumado, meio escroto. Não era muito bonita não. Metade das fotos era para ser de um boquete, mas quase só aparecia a pança do major, tipo uma lua cheia, e no mais uma confusão de cabelo, pentelhos e umas caras engraçadas. Caraca: tinha mais um guerreiro na parada. Agora a foto era de um lance a três, mas quem bateu? A coisa foi ficando interessante. Quatro contra uma. Várias poses, até selfie, cinco vídeos. Ficou uns vinte minutos examinando o material, depois passou para frente, as fotos do começo da viagem, só besteira, gente num auditório assistindo uma palestra, café da manhã num hotel, almoço numa churrascaria, posando na frente de uma van adesivada.

            Conectou o celular no note e passou todas as fotos picantes para o HD. Depois apagou do celular. Ficou na dúvida se não devia logo formatar a memória. Reparou que a mulher do bacanal aparecia nas outras imagens também, sentada do lado do major na churrascaria, colada nele na foto em grupo na frente da vã. 

            — Um vacilo atrás do outro, pai. Cara desses não merece cair? 

            — Mas tu vai cobrar dele —  Gilson – era a sua consciência falando. 

            — Não podes derrubar teu próximo. Por consideração à própria raça.

            Formatou a memória interna. Quando terminou, percebeu que junto com as fotos de sacanagem tinha feito, sem querer, uma cópia daquela com o tambaqui. Deve ter sido o último dia da viagem, depois do surubão. Sentiu uma pontinha de inveja, vontade de viajar também. Quem diria, um tiozão daqueles, ninguém dá nada! Mas sabia se divertir, o sacana. E era bom de pesca. Bateu uma certa admiração pelo desconhecido; será se uma espécie de amizade? Pena apagar a memória de um momento como esse, uma viagem gloriosa, só por causa de uma picuinha de família. Fora que a esposa do cara era muito escrota. Resolveu deixar a foto do tambaqui salva junto com as outras, a título de lembrança. Pensou até em devolver o aparelho com um bilhete escondido na capa, uma carta a um amigo desconhecido, mas achou arriscado, a esposa bem podia descobrir.

            No dia seguinte o major não veio. Achou estranho. Será que a casa caiu? Deve estar enrolando a mulher, pensou. Mais lucro para ele seria dar o aparelho por perdido e arrumar outro. Jogasse grana no lixo mas ficava com a família, não era o que ele queria? No terceiro dia pegou o celular de uma coroa bem gata e os vídeos dela numa festa fizeram Gilson esquecer tudo. Vendeu por duzentos reais para um amigo, coisa fina. Uma semana depois Gilson abriu o próprio celular e deu com a foto do major segurando o peixão. Demorou para entender como aquilo foi parar ali. Bateu até um pingo de remorso, só que não, brincadeira. O resto foi fácil de compreender. A foto estampava a notícia do assassinato de Moisés Gomes de Oliveira, 56 anos, técnico da EMBRAPA, crime passional, grande escândalo. Gilson sentou para ler a notícia soltando pequenos CA – RA – LHOS a cada palavra, mãos tremendo e uma vontade doida de não estar sozinho numa hora dessas. Detalhes: a esposa tinha confessado, descobriu a traição através de uma foto no celular de um amigo.

            —  Égua, muito vacilo, mandaste a foto para quem?

            Prestou dezesseis segundos de luto em silêncio. Depois sentou na frente do computador, procurou a pasta “surubão do tiozinho”, selecionou todos os arquivos e apertou o delete. Apareceu uma caixa de mensagem: tem certeza que quer mover 49 itens para a lixeira? A seta do mouse pairou feito uma mosca em volta do “sim”, mas acabou pousando no “não”. Gilson estava com muita vontade de sair correndo e gritar na rua. Puxou o celular do bolso, rolou a lista de contatos e telefonou para um número rapidamente. 

            — E aí, mano. Beleza? Seguinte: tu viu uma notícia que saiu essa semana, a mulher picou o marido todinho e guardou na geladeira? Estou com umas fotos aqui que tu não vai botar fé. Acho que dá pra tirar uma grana valendo. Cola aí que vou te passar o bizu.



Conto escrito por
Thomas M. Fairchild

Desenho
Gilberto Belotti

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima Gisela Peçanha Paulo Mendes Guerreiro Filho Pedro Panhoca Rossidê Rodrigues Machado Telma Marya

Produção
Bruno Olsen


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


REALIZAÇÃO



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