Capítulo II – A LENDA
A Lua subiu majestosa naquela noite quente e seca, perfeita para celebrar a união de Lepipo e Cajubi. O Ipiacica refletia em suas águas calmas o reflexo lunar, como a emoldurar a união. A festa corria alegre, os convidados dançavam e entoavam seus cânticos nativos, comiam carne de caça, peixes, palmito da juçara, frutas silvestres e bebiam cauim, uma espécie de vinho extraído da fermentação do jenipapo, do abacaxi e da macaxeira. Haviam se enfeitado para o evento com o vermelho do urucum e o branco da tabatinga, e usavam cocares de penas de papagaios. Muitos cantavam a plenos pulmões. Eram conhecidos como índios bravos, mas naquela noite festiva se comportavam como crianças travessas.
— “tênu-ahí, axê maxê,
tênu-ahí (gratidão, alimento da terra, gratidão)
tênu-ahí,
petára sáyma, tênu-ahí (gratidão, lua brilhante, gratidão)
tênu-ahí, satê makapôn,tênu-ahí” (gratidão, amor dos irmãos, gratidão)
Foi então que um grande
estrondo se fez ouvir, a Lua foi encoberta, e a noite clara repentinamente
tornou-se negra. Corupela sentiu uma grande dor no peito. Algo de muito grave
acabara de acontecer.
Enarê, um jovem curumim, trouxe pela manhã a terrível notícia. A Deusa-árvore, o grande cedro sagrado, chamado de Acaiacá, fora queimado e derrubado a golpes de machado pelos brancos. A árvore mãe, que havia salvo da grande enchente do Jequitinhonha o único casal sobrevivente e que deu origem ao povo Puri, caíra inapelavelmente ao solo, mortalmente ferida. Sua enorme sombra, abaixo da qual se tomavam as decisões mais importantes, já não mais existia. Sem a proteção da lendária árvore sagrada a paz e a harmonia de seu povo estavam condenados, lamentou o cacique.
— "Manda avisá Piracaçú; corre Enarê, corre; deve de tá na gruta... só o pajé pode invocá os espírito da floresta. Anda, má-ndohm” (vá-se embora).
Sem a proteção da Acaiacá os
índios ficaram desesperados, como que tomados por uma insanidade, e se
engalfinharam em lutas mortais, irmão contra irmão. O sábio pajé Piracaçú
custou a acreditar no que seus olhos viram, ao chegar na ocara central Puri.
Muitos de seu povo jaziam mortos, flechados ou com os crânios esmagados.
Corupela e Lepipo estavam entre os mortos. Cajubi havia desaparecido! Cajubi...
cunhantã tão formosa... mimo do pajé... Piracaçú, atolado em lágrimas, subiu
com Enarê o morro do Ibitira e ainda teve tempo de ouvir os gritos dos
sobreviventes capturados pelos bandeirantes, os quais acabavam de invadir a
aldeia, antes intransponível.
Chegando no alto do Ibitira ao cair da noite, o idoso pajé e seu curumim se depararam com a mais triste das cenas. O grande cedro Acaiacá e toda a sua majestade... derrubado... queimado... a chorar uma seiva gosmenta no que restara de sua base. Piracaçú, ofegante e quase sem forças, curvou-se e enfiou suas mãos no tronco fumegante da Deusa-árvore; ergueu seus braços para o céu, as mãos queimadas e cheias de cinzas; com os olhos esganiçados de ódio olhou fixamente para o povoado do Tejuco, localizado no sopé do grande morro, e invocou os espíritos da natureza, amaldiçoando com todas as suas crenças o povo tejuquense:
— “hô Orun Inãn, hô Orun Tutak
(ó grande-mãe, ó grande espírito)
gwayma-thamathi, metl’on puri” (ser vivo,
força puri)
— “Essas cinzas serão o terror
e castigo desse povo,
pra quem matou pelo ouro, a tumba lhe restará.”
A tradição de
invocação aos espíritos pelo povo Puri era perpetuada pelos pajés e sempre
ocorriam em noites mais escuras ou de tempestades. De imediato à conjuração do
feiticeiro uma grande tromba d'água, vinda do nada, desabou sobre a região do
Tejuco. Estrondos, trovões, relâmpagos, ventos fortes... uma chuva
torrencial... um cataclismo... um grande estampido se ouviu... uma monumental
descarga elétrica fulminou o alto do Ibitira, matando instantaneamente os dois
índios, cujos corpos foram consumidos pelas chamas, reavivadas pelo raio. Um
violento tremor de terra engoliu subitamente o que restara do grande cedro.
Pedaços de carvão incandescente, oriundos do tronco da Acaiacá, foram sugados
pelos ventos e levados pela volumosa enxurrada que se formou, caindo
aleatoriamente em toda a região do Arraial do Tejuco. Quem testemunhou a
tragédia nunca se esqueceria do brilho hipnotizante dos pedaços calcinados da
árvore mãe, que pintaram de triste beleza os vários dias de tempestade tropical,
em resposta à traição.
Max Rocha
Elenco Mauro Mendonça como Rodrigues Veiga Adanilo Reis como Tomás Bueno Stênio Garcia como Piracaçú Dira Paes como Cajubi Roberto Bonfim como Corupela Giselle Motta como Anahí Carlos Vereza como Padre Nóbrega David Junior como Zwanga Tema Acaiaca Índios Puri Intérprete Wagner Cinelli
Direção
Carlos Mota
Bruno Olsen
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
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