Sinopse: Um próspero gerente bancário, tem seu ceticismo abalado após um estranho encontro com uma cigana.
Uma Moeda pelo seu Futuro
de Túlio Tosati
Numa chuvosa manhã de sexta, Cláudio dirigia
seu potente e atrativo carro, ziguezagueando pelas lamacentas poças d’água que
se formara na estrada. Com os vidros escuros fechados, Cláudio assobiava as
sonatas de Mozart que emanavam do som do automóvel.
Transbordando dos anseios de seu velho
vício, Cláudio resolveu baixar pela metade o vidro de sua porta. Sem desviar o
olhar do trânsito, levou a mão esquerda ao bolso de seu paletó e com destreza
retirou um cigarro e seu isqueiro de prata. Entre uma baforada e outra, Cláudio
observou os transeuntes com seus guarda-chuvas, lançando-lhes olhares de
crítica e superioridade acompanhados de pensamentos audíveis.
— Se poupassem dinheiro, certamente teriam
um carro e não estariam na chuva.
Ao se aproximar do Banco, no qual é o
gerente, Cláudio estacionou o carro e apertou o passo em direção à proteção de
uma marquise para abrigar-se da chuva. Enquanto acionava o alarme do carro,
sentiu dois puxões na barra de sua calça social. Surpreso e assustado, Cláudio
curvou-se em direção a quem lhe chamara a atenção e deparou-se com uma cigana sentada
sobre um lenço vermelho. A mulher usava roupas coloridas e tinha cabelos
grisalhos. Agarrou a mão de Cláudio, escancarando um sorriso que faltavam os
molares.
— Uma moeda pelo seu futuro, bom senhor? —
Disse ela, inopinadamente.
— Se eu desse as minhas moedas a
vagabundos, certamente não teria um futuro para ser lido — Cláudio respondeu,
chacoalhando sua mão. Ficara enojado com aquele inesperado contato moribundo.
— Confia muito no dinheiro que é apenas uma
fração de papel. Sua sorte, contudo, pode mudar e o senhor acabar em total
desgraça assim como eu.
Cláudio gargalhou e cuspiu no chão.
— É o que suas palavras valem para mim
golpista! Não passa de uma farsante, cujas pragas só me atingem pelo cheiro de
podre e água ardente que as acompanham.
Enfurecida, a cigana passou o dedo no muco
expelido por Cláudio levou-o à boca.
— Quer pagar para ver, filho de Mamom? — Indagou
ela com um olhar macabro.
Ignorando a tempestade, Cláudio deu as
costas para a cigana. Estava enojado e assustado ao mesmo tempo, no entanto,
seu terror se consumou quando a mulher se dirigira a ele uma última vez,
chamando-lhe pelo nome completo.
── Cláudio Tavares de Aquino! Mexeu com
forças incompreensíveis aos seus julgamentos acéticos.
— Como sabe o meu nome? Isto é alguma
brincadeira?
A cigana ignorou a pergunta expeliu uma
tenebrosa gargalhada. Apontou-lhe os finos e ossudos indicadores e gritou:
— Infanati
et Obliterati!
Naquele momento, mesmo descrente, Cláudio
sentiu um calafrio que subira da planta dos pés até o restante do corpo. Seu
transe macabro foi quebrado pela buzina de um carro que por ali passava. Cláudio
sacudiu a cabeça negativamente e foi para o Banco, enquanto ao fundo, retumbavam
as gargalhadas da velha cigana.
Já na agência, encontrou Hermes, o guarda.
O homem dirigiu-lhe um sorriso e disse:
— Manhã chuvosa, não é senhor Cláudio? — Totalmente
ignorado por Cláudio, Hermes apenas observou o homem chacoalhar o seu paletó
ensopado e colocá-lo sobre o antebraço, enquanto adentrava no setor
administrativo.
Assim que entrou em sua sala Cláudio
acendeu mais um cigarro. Enquanto afrouxava o nó da gravata, ouvia em sua mente
as palavras da cigana como se fossem ecos. Movido pela curiosidade, ligou seu
computador e tentou escrever no buscador da internet o que ela havia dito.
— Infanat
et obliterati, eu acho que foi isso — disse Cláudio para si mesmo.
Mesmo com alguns erros de ortografia o
termo logo foi corrigido e traduzido pelo buscador de pesquisa.
— “Desonrado e esquecido”. Ah! Assim como os padres o fazem, alguns
desses jargões em latim também devem fazer parte do show desses malditos charlatões
— pensou Cláudio, acalmando-se e convencendo- se de não haver temores.
No fim do dia, Cláudio saiu da agência e se
dirigiu ao seu veículo. O dia tinha sido tão turbulento que Cláudio só se
lembrara do acontecido ao passar novamente pela marquise. Para sua felicidade,
não havia nenhum sinal da infeliz que lhe importunara.
Ao chegar a sua casa saudou sua esposa com
um beijo seco e rotineiro.
— Como foi o seu dia? — Perguntou ela,
como de costume.
Cláudio trazia vivo em suas memórias todas
as mazelas daquela segunda chuvosa, mas, sem dirigir os olhos a esposa,
respondeu-a como sempre fazia:
— Normal — o egoísmo de Cláudio impedia-o
de devolver a mesma pergunta à esposa.
— Servirei o jantar. As crianças estão nos quartos — disse ela.
Sem demonstrar um resquício de atenção, Cláudio
abriu a geladeira, pegou uma cerveja e dirigiu-se para a sala.
Durante o jantar a conversa era sempre a
mesma. Os filhos pediam-lhe algo e por mais simples ou necessário que fosse, Cláudio
sempre os negava, usando qualquer justificativa sem fundamento. Isso também
acontecia à esposa, que, por causa dos ciúmes excessivos do marido, não
trabalhava, sendo obrigada a levar uma vida regada pelas necessidades básicas e
nada mais.
Na hora de dormir, Cláudio até pensou em
comentar com a esposa sobre o que ocorrera mais cedo com a cigana, mas, como o
casal já fazia tempos que não conversava nada além do necessário, deixou-a
simplesmente deitar-se, apagar o abajur que estava sobre o criado-mudo e
virar-se para o lado. Cláudio também fez o mesmo e enquanto aguardava a chegada
do sono, remoía as palavras da velha cigana em sua mente.
Durante a madrugada Cláudio acordara várias
vezes imergindo de pesadelos e tormentas noturnas que não conseguia nem
descrever. A única coisa que reconhecia eram as gargalhadas da cigana que
sempre lhe chegavam aos ouvidos segundos antes de voltar à realidade.
Na
manhã seguinte, ao chegar à agência bancária expirando ares de normalidade, Cláudio
perguntou a Hermes se ele já havia visto alguns ciganos por ali.
— Nunca vi chefe, mas bem que gostaria. Acho
interessante sua cultura. E também gostaria de ver as belas ciganas envoltas em
seus véus e ouro, claro.
— A realidade é diferente Hermes —
lembrou-o Cláudio, franzindo a testa. — Ciganos são marginais fétidos e
beberrões. Não gostaria de ver essa minoria adentrando em minha agência.
Mesmo sem entender tanto preconceito,
Hermes concordou com ele. Com doze anos de serviço, ele nunca havia visto
nenhum cigano nos arredores do banco, e, se chegasse a acontecer, acreditava
que jamais iria impedi-lo de entrar na agência sem um motivo necessário.
Mais tarde, Cláudio falava ao telefone com
um cliente enquanto andava de um lado para o outro em sua sala. Por força do
hábito levantou as lâminas da persiana e dirigiu seu olhar para o atendimento
ao público do banco. Neste momento Cláudio paralisou. Via agora a velha cigana
dentro da agência. Ela estava parada e olhava diretamente para ele através da
pequena fresta que Cláudio criara com os dedos. Rapidamente Cláudio desligou o
telefone e dirigiu-se até a porta da sala. Ao olhar novamente, a cigana já não
estava mais lá. Cláudio foi ao encontro de Hermes aos gritos.
— Você
está me desafiando ou é um estúpido? Acabei de lhe dizer que não quero ciganos
dentro do banco e você permite uma velha cigana entrar aqui?
— Mas senhor? Eu não vi nenhuma cigana! —
gaguejou Hermes, gesticulando as mãos em direção às câmeras.
— Talvez eu esteja ficando louco! Ou o
total estúpido seja eu! Atente-se ao seu trabalho Hermes. — E Cláudio se
afastou. Enquanto retornava para sua sala, arremessava olhares zangados a todos
que o fitava.
Ao chegar ao escritório, lavou o rosto e
levou uma mão de água fresca à nuca. Enquanto encarava-se no espelho, alguém
bateu à porta e em seguida entrou. Era Júlia, sua secretária.
— Trouxe-lhe café, senhor Cláudio. Está tudo bem?
— Sim Júlia, está tudo bem, obrigado. Pode
deixar aí.
— Ouvi a sua conversa com o Hermes e
concordo com o senhor. O Hermes é um desatento. Eu também fiquei me perguntando
o que aquela criatura estava fazendo ali, parada dentro da agência.
— Você também a viu, Júlia?
— Claro que vi. Como não perceber uma
mulher vestida com aqueles maltrapilhos coloridos? Essa gente rogadora de pragas
e maus dizeres.
— Você acredita nisso, Júlia? — Cláudio
demonstrava interesse.
— Claro senhor Cláudio! Teve um homem lá
do meu bairro que negou um prato de comida a um cigano. Ele foi praguejado e
começou a engordar sem parar, coisa de dez quilos por semana. Os médicos tentaram
descobrir do que se tratava, mas nenhum conseguiu identificar sua condição.
— E então Júlia?
— Então, senhor Cláudio, aconteceu que a
família teve que encomendar um caixão de reforço especial; não teve jeito. O
homem não se redimiu.
— Como assim se redimiu? — Perguntou Cláudio,
enquanto misturava o seu café.
— Minha avó me disse que para desfazer
praga de cigano, você tem de redimir-se do seu erro, apontado por ele. Deve procurar
o cigano que o praguejou, dizer-se arrependido e ele lhe dirá o que fazer para
desfazer o cruel destino.
Após essa conversa, Cláudio sentiu-se
confortável para contar a Júlia o que havia se passado com a tal cigana.
Júlia Mostrando espanto disse:
— Senhor Cláudio, isso é coisa séria —
exclamou Julia, espantada. — Procure essa cigana imediatamente e resolva o
problema! — Júlia então foi interrompida por novas batidas na porta. Hermes entrou
com certa agitação. Trazia nas mãos um tablet conectado ao circuito interno da
agência.
— Onde está? — Falou ele, apontando para a
tela do aparelho. — Mostre-me a tal cigana! Já assisti diversas vezes e não vi
mulher alguma!
— Júlia também viu! — Contou-lhe Cláudio.
— Ela é uma puxa-saco! Quero que o senhor
me mostre! — Hermes soltou o aparelho
sobre a mesa e saiu bruscamente.
Cláudio e Júlia assistiram várias vezes e
chegaram à conclusão de que talvez a cigana estivesse em algum ponto cego das
câmeras, porque não a viram em nenhum lugar nas gravações.
Ao final do dia Cláudio teve uma surpresa.
Encontrou o seu carro todo arranhado e
entre os diversos desenhos, havia os dizeres: “Irei matar sua família” “Infanati
et Obliterati.”
— Não acredito! — Cláudio pegou o tablet
que Hermes tinha deixado com ele e acionou as câmeras de fora da agência, na
qual capturavam seu carro. Não havia nada de anormal nos vídeos, porém, num
momento das gravações, viu, com o rosto ficando pálido, a tal cigana de pé ao
lado do carro. Ela olhava para a câmera e gargalhava.
Cláudio entrou em choque e decidiu ir para
casa.
Chegando lá entrou correndo em busca da
esposa, mas lembrou-se que as terças era o dia do clube do livro, uma das
poucas atividades que ele a permitia fazer. Mediante as circunstâncias ele
ligou para a vizinha onde aconteciam os encontros do clube do livro. Ela
respondeu preocupada.
— Sua esposa não está aqui...
Imediatamente a ligação foi tomada por
gargalhadas, seguidas da voz horrenda da cigana:
— Uma moeda pelo futuro da sua esposa e
filhos — então desligou o telefone.
Cláudio foi tomado pelo desespero. Ligou para
o celular de um dos filhos e do outro lado da linha uma voz estranha o atendeu:
— Senhor, sou um policial, com quem eu
falo?
— Sou Cláudio — as palavras lhe falhavam.
— O pai da criança a que esse celular pertence.
— Pois bem. Encontramos o seu filho juntamente com a irmã
e a mãe e, infelizmente as notícias não são das melhores. O senhor terá de ser
forte.
Cláudio desligou o celular, sentindo um
misto de tristeza e ódio, convicto de que tudo aquilo era culpa da tal cigana.
Sobressaltou-se com o telefone que tocava novamente.
— Oi Cláudio! — era Julia. — Estamos naquele bar de costume aqui no centro
e acabei de mostrar ao Hermes a cigana que vimos na agência. Ela está aqui
perto, numa barraca embaixo de uma marquise em frente o bar.
Cláudio desligou o celular e cego de ódio
pegou o seu isqueiro de prata e um galão de solvente que tinha na garagem e dirigiu-se
até o local.
Chegando lá foi avistado por Júlia que
acenou para ele. Ignorando-a, correu para a tenda que estava oculta num canto
escuro da calçada. Ao se aproximar, ouviu a voz rouca da cigana sair da fissura
entre que se formava no centro da barraca.
— Uma moeda pelo seu futuro? — Em seguida,
veio a típica gargalhada que Cláudio sempre ouvia em seus tormentos.
Em prantos, Cláudio encharcou a barraca
com o solvente, acendeu seu isqueiro e lançou-o sobre a lona. Uma enorme chama
brilhou em seus olhos, enquanto ele gritava:
— Está aqui sua moeda, Maldita!
No dia seguinte ouvia-se a repórter do
noticiário matinal:
— Foi preso na noite de hoje o gerente
bancário Cláudio Tavares de Aquino. Sem motivo aparente, ele ateou fogo em uma
barraca que abrigava uma família de moradores de rua. Ao ser questionado pela
polícia ele contou uma história sobre uma cigana que o perseguia e causou a
morte de sua família, história que foi desmentida por sua própria esposa que, no
momento do crime estava na reunião semanal de um clube de leitura. Testemunhas
disseram que ontem, antes do ocorrido, viram Cláudio vandalizando o seu próprio
carro. O crime, considerado hediondo, é inafiançável e caso Cláudio apresente
insanidade mental irá cumprir a sua pena numa instituição psiquiátrica
especializada.
Conto escrito por
Túlio Tosati
Bruno Olsen
Carlos Mota
Cristina Ravela
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